Capítulo 44
Depois de brigar com a minha mãe, caminhei freneticamente até um bar mais próximo, olhando o tempo todo para trás com medo que alguém estivesse me perseguindo.
Em seguida fui até o balcão e me sentei em um dos bancos, aguardando ser atendida, enquanto o meu coração seguia acelerado e minha respiração ofegante.
Antony se aproximou e se assustou com a minha aparência.
—– Que cara é essa? Até parece que viu um fantasma — Brinquei com ele, tentando amenizar o meu nervosismo.
—– Não vi, mas acho que logo vou ver um — Ele falou secando um dos copos.
—– Que isso, eu estou tão horrível assim..
—– Já se olhou no espelho hoje?Está extremamente magra, você tem se alimentado direito?
—– Relaxa, gato, eu estou bem, será que você pode liberar uma dose pra mim...è que eu não trouxe dinheiro e preciso tomar uma pra relaxar, você sabe não é, muitos problemas — Abri um sorriso meigo afim de convencê lo, mas ele não pareceu muito contente.
—– Ana — Ele suspirou, em seguida colocou o pano sobre o ombro e me encarou profundamente — Eu até liberaria uma dose pra você, só que ... isso já passou dos limites, esse vício está te destruindo, tá te matando...e me desculpa, mas eu não quero contribuir para isso..eu não sou tão ambicioso a esse ponto..
—– Não se preocupe, eu já disse que eu estou bem, eu...estou até participando de um grupo de apoio, você acredita?...eu vou te pagar, Tony, eu prometo.
—– Ana, não é pelo dinheiro, eu realmente me preocupo com você, e te ver desse jeito me deixa muito mal..
—– Que saber — Levantei do banco e inclinei o rosto perto dele — Vai se ferrar.
Ele pareceu não se importar com o meu acesso de raiva, afinal de contas essa não é a primeira vez.
Sai dali enfurecida e pisando alto, esbarrando em tudo e todo mundo, prometendo pra mim que eu nunca mais voltaria naquele lugar.
—– Oh, garota, nem eu que estou com fome, faço uma cara tão feia quanto essa que tu tá fazendo — Disse a mesma mendiga de antes, olhei para ela, que abriu um sorriso quebrado.
—– Vai a merda você também.
—– Querida, eu já tô na merda.
Reparei nela, toda maltrapilha e suja, e decidi me juntar a ela. Afinal de contas não éramos tão diferentes.
—– Sabe o que é, é que eu briguei com a minha mãe e não sei se tenho coragem de voltar pra casa depois disso — Desabafei desanimada
—– Nada que um pedido de desculpas não resolva — Ela falou e em seguida deu uma mordida em um pão duro, depois me ofereceu pra mim, fiz o mesmo, mas o gosto era horrível, então cuspi fora.
Ela riu da situação.
—– Na verdade, eu estou mais aborrecida, porque eu queria muito beber — Completei, enquanto me livrava do resto do pão da língua.
—– É, eu sei, eu ouvi você gritando com o barman gostosão...ele às vezes traz comida pra mim, é por isso que eu não saio daqui, sabe, igual aqueles cachorros quando você da comida a primeira vez..
Ela voltou a sorrir e eu fiz o mesmo, mas voltei a ficar atordoada.
Eu não consigo parar de pensar na minha mãe, ela deve está morrendo de raiva de mim.
—– Sabe, eu não consigo outro meio de lidar com os meus problemas a não ser bebendo...eu já tentei....mas é... impossível...acho que estou fadada a sofrer pelo resto da minha vida..
—– Eu também pensava assim e olha só aonde eu vim parar, porque depois de um tempo de clínica e clínica minha família simplesmente desistiu de mim...e hoje vivo nas ruas mendigando a boa vontade dos outros...por puro egoísmo...
Eu até que entendia a tristeza dela, até porque eu já senti na pele, o que é morar nas ruas e ainda por cima tendo que lidar com um vício incontrolável.
É horrível.
Depois de alguns minutos sentada ali, conversando sobre diversos assuntos aleatórios eu comecei a me simpatizar com aquele ser humano simples e sensível.
—– O meu pai morreu, e por mais surreal que pareça eu vejo ele, eu sinto falta dele todos os dias, mas não consigo dizer isso pra ninguém porque não quero que pense que eu sou louca..
—– Então era com ele que você estava falando outro dia?
—– Sim.
—– Então você é mesmo uma louca — Ela gargalhou, e dessa vez eu não consegui conter a risada.
Eu senti confiança naquela pobre mulher de sorriso amarelado, mas do que em qualquer outra pessoa. Até porque ela não estava em uma boa posição para me julgar.
Então aproveitei e contei pra ela toda a história, como uma forma de desabafar, já que a essa altura eu não tinha mais ninguém.
—– Ana, eu lamento por tudo que você passou, e admiro sua coragem de me contar, mas você precisa contar isso pra alguém além de mim, sua mãe talvez, fala para ela como se sente, não é bom guardar isso pra você, é sempre bom desabafar, só assim pra aliviar o peso que está na sua mente, conte sobre seu pai, o que sentiu...conte sobre a morte do David, a desilusão que sofreu, arranque os esparadrapos dessas feridas.
—– Eu não consigo — Suspirei, com olhos cobertos de lágrimas.
—– Consegue sim, e vai por mim...mostrar pra alguém onde dói, ajuda as pessoas te compreenderem melhor, te ajuda a se compreender melhor, eu sei que você não quer tocar na ferida, muitas pessoas passam por traumas, e preferem fingir que não aconteceu, porque ainda dói, mas toque, sinta essa dor, se permita, e não guarde mais nada...se perdoe e perdoe quem te feriu..
Olhei para ela e fiquei impressionada com tudo que ela havia me dito, ainda mais por que eu esperava apenas um "sinto muito" ou uma vai ficar tudo bem, mas o que ela falou foi ainda melhor, realmente inspirador. Por um instante, eu deixei escapar um sorriso de esperança.
—– Verá como tudo será mais fácil.. é sua última chance...volte pra casa, e peça desculpas pra sua mãe, e compartilhem dessa dor...
Ela tocou no meu ombro afim de me apoiar nessa decisão.
—– Não faça como eu, não se acomode, resista, todos podem ter desistido de você, mas não significa que você precisa desistir também.
Depois dela ter me lançado um sorriso encorajador, eu me levantei confiante e pela primeira vez senti firmeza nos meus pés e na minhas palavras.
—– Obrigado.
No trajeto de volta pra casa, fiquei refletindo.
E se tudo isso que eu estou passando, é por causa da dor contida que ainda sinto pelo o meu pai, eu nunca falei com ninguém sobre isso, eu decidi levar a vida normalmente sem me importar com a frustração de perder a única pessoa que me dava segurança.
O meu pai era o meu alicerce, sem ele, tudo desmoronou dentro de mim.
E está com o Fred me fazia esquecer de tudo isso por um momento, porque ele me entorpecia de boas sensações que por um instante fazia tudo parecer mais leve e fácil de suportar.
Quando ele me deixou foi um choque muito grande pra mim, porque a partir dali que eu percebi que não conseguiria viver sem ele, eu não estava preparada para perder tudo o que mais amava nesse mundo, foi sufocante, aterrorizante, pensei que naquele momento eu iria morrer.
Mas agora que já passou, eu preciso recuperar a minha vida, não tem como eu sofrer por alguém que não dá a mínima pra mim, que nem sequer se importou com os meus sentimentos.
Tudo que sinto por ele agora é raiva e nojo, se um dia ele voltar pode ter certeza que eu vou mata-lo por todas essas coisas ruins que ele me fez passar.
Senti as lágrimas molhar os meus olhos, e meu corpo tremer.
Ele vai pagar por tudo que me fez.
Eu vou me vingar dele.
........
Durante o trajeto pra casa, escutei uma música agitada tocando em algum lugar perto dali, e apesar da mendiga ter me dito aquelas palavras inspiradoras e eu concordar, ainda sim a vontade que eu tinha de beber era ainda maior que a minha coragem e força de vontade, eu precisava parar meus pensamentos, precisava de um instante de paz até mesmo para pensar melhor sobre tudo, paz essa que eu só conseguiria bebendo.
Então vencida pela curiosidade, eu decidi seguir a música pra ver aonde ela iria me levar..
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