Capítulo 41
Usei os últimos centavos que eu tinha para pegar um táxi pra casa.
Respirei fundo e por um segundo deixei escapar um sorriso de esperança, eu estava convencida da minha escolha e não iria voltar atrás.
Eu vou voltar pra casa, ficar com a minha mãe, que é a única pessoa que parece se importar comigo de verdade.
Chega de rua, chega de garrafas, agora eu vou lutar pelo meu bem estar.
Bom, eu vou tentar.
Não dar pra largar um vício de um dia pro outro, mas pelo menos eu dei um passo em tanto.
Eu não posso mais continuar perdida, sendo que tenho pra onde ir, eu sei que fiz um monte de coisas das quais eu não me orgulho, mas ainda dá tempo de concertar tudo, de tentar ser uma pessoa melhor.
Assim que o táxi parou em frente de casa, senti meu coração disparar, o ar fugir dos meus pulmões, como se fosse a primeira vez que eu iria entrar naquela casa depois de anos.
Antes de sofrer o acidente eu já estava um tempo longe de casa, longe da minha mãe, que a essa altura já deve ter morrido de desgosto ou talvez tenha perdido as esperanças de me encontrar com vida.
Que só esteja esperando a notícia ruim, de que o meu corpo foi encontrado ou algo assim, mas eu estou aqui pra provar que ela está errada.
Pra provar que eu estou errada. Ainda não é o fim, eu preciso me convencer disso, se não for por mim, que seja pela minha mãe.
Ela não merece tanto sofrimento.
O maior erro que cometi foi abandona-la quando ela só tinha a mim e eu a ela.
Você não deve abandonar as pessoas que você ama, só porque alguém te abandonou. Isso não é justo.
Você nunca deve se igualar ao nível da pessoa que te feriu.
A porta estava destrancada, o que era estranho, mas eu não me importei, entrei correndo e subi logo as escadas. Eu estava louca para sentir a maciez de um colchão novamente, aquecer meu corpo com o meu cobertor quentinho.
Ao entrar no meu quarto, percebi que tudo estava exatamente do jeito que eu havia deixado na noite em que fugi de casa, minha mãe não tocou em nada, o que significa que ela está me esperando apesar de tudo.
Sentei na cama e enterrei o rosto nas mãos, me dando conta da maldade que eu fiz.
"Meu deus"
De repente senti uma mão repousar em meu ombro, levantei os olhos e vi o semblante triste do meu pai.
—– Eu estraguei tudo, pai — Falei aos plantos.
—– Não diga isso, minha filha.
—– Eu não sei se vou conseguir, toda vez que eu penso nele tudo desmorona, e eu voltei justamente para o centro de tudo isso.
—– Então já que voltou, enfrente, para de fugir... Você é jovem, bonita, não desperdice seu precioso tempo, tentando achar respostas para perguntas vagas em sua mente.
Abri um sorriso doloroso pra ele em seguida suspirei profundamente.
—– Sinto muito a sua falta.
Ele sorriu e me abraçou, mas dessa vez eu não senti o calor do seu corpo, só sua imagem se dissipando no ar.
Respirei fundo e fechei os olhos, permitindo que as lágrimas caíssem, em seguida me levantei da cama e fui até o banheiro para tomar um banho, porque pelos dias que fiquei na rua a situação não deve tá muito boa.
Mas antes eu parei diante do espelho e encarei a minha face, e quase não me reconheci de tão acabada que eu estava, o semblante caído, os olhos fundos, cabelos que um dia tiveram brilho e hoje estão cortados e escassos.
Fiquei meia hora sentada no chão do banheiro, agarrada aos meus joelhos, sentindo a água do chuveiro molhar o meu corpo nu. Pensando em como tudo seria diferente se eu não tivesse o conhecido.
Em seguida me enrolei na toalha e saí do banheiro, coloquei um vestido solto e deitei na cama, encarando fixamente o teto.
Perdida em pensamentos.
De repente escutei alguns passos rápidos na escada, e automaticamente me sentei na cama, já sabendo de quem se tratava.
Minha mãe entrou e o som da sua respiração se tornou alto e profundo, ela olhou pra mim e ficou calada de repente, observando cada traço do meu rosto, em seguida ela se aproximou com passos lentos e segurou o meu rosto, olhando profundamente dentro dos meus olhos.
Como se quisesse ter certeza que aquilo tudo não era um sonho.
—– Filha, você voltou — Ela suspirou, depois me abraçou forte e desabou em lágrimas, também comecei a chorar, nunca tinha ficado tão longe dela assim, senti um aperto no peito por ter feito ela esperar tanto tempo.
Depois de chorarmos horrores juntas, descemos para a cozinha para ela preparar algo para a gente comer.
—– Eu não sabia onde você estava, mas eu tinha esperanças que fosse voltar, porque não é a primeira vez que você sai de casa — Ela falou enquanto eu tomava o café, saboreando a fundo o gosto, como se fosse a melhor coisa do mundo que eu poderia provar.
Seu sofrimento era notável, estava mais magra, seus olhos estavam cansados e inchados, resultado de muitas noites mal dormidas.
—– Eu sinto muito, mãe.
Ela sorriu e reparou nas cicatrizes no meu rosto, e se assustou.
—– O que foi isso?
—– Eu sofri um acidente, mas um cara muito especial me salvou, e me levou para casa dele e cuidou de mim..
Minha mãe tampou a boca horrorizada.
—– E onde ele está, eu preciso agradecê-lo...voce não sabe como eu estou grata por ter você aqui comigo...viva, filha eu orei tanto para que nada de ruim te acontesse.
A estabilidade emocional da minha mãe mudou drasticamente desde que comecei a beber. Ela tem se preocupado muito comigo, nem imagino o que ele deve ter sentido depois que eu sumi.
Me parte o coração vê la assim por minha causa.
—– Mãe, eu prometo pra você que vou sair dessa, não quero mais prejudicar ninguém com isso, eu estou cansada de ser uma fracassada — Assegurei segurando suas mãos e olhando profundamente em seus olhos marejados.
Ela sorriu decepcionada pra mim.
—– Eu já conheço esse discurso — Ela soltou as minha mãos e secou as lágrimas, aborrecida.
—– Mas dessa vez é verdade, eu juro.
—– Fico feliz que tenha voltado pra casa ...
Eu sentia tanta pena da minha mãe, ela passou por tanta coisa e eu só consegui piorar tudo.
Depois do jantar eu subi para o quarto e evitei olhar para janela, onde tantas vezes fui impactada por aquele olhar, aquele sorriso desconcertante, mas por impulso eu acabei olhando e inclusive indo até lá. A janela estava fechada do outro lado, e eu tive a estranha sensação de que ela iria abrir a qualquer momento, e ele iria aparecer e sorrir pra mim.
—– É só um pesadelo horrível, Ana.
Por um instante fechei os olhos e senti o doce prazer dessa sensação, que logo se desfez e voltei a sentir a angústia corroer meu peito.
Fechei a janela com força, e escorei a cabeça nela pensando em quando esse pesadelo vai acabar.
O que eu vou fazer sem ele?
Pra onde ele foi?
E por que ainda não voltou?
Agarrei o cabelo e puxei violentamente, arrancando alguns fios, sentindo uma dor leve comparada a dor que lateja dentro de mim.
Senti um misto de raiva e desespero, e comecei a descontar em tudo o que via pela frente pra não descontar em mim.
Meu corpo já estava marcado demais.
A última vez que surtei assim, eu quebrei o carro dele, minha mãe teve que pagar todo o prejuízo, mas dessa vez a única prejudicada fui eu.
Eu sentia raiva, mas não só dele como também de mim, por ter sido tão boba, por ter acreditado facilmente que alguém poderia me amar da mesma forma que o meu pai me amou.
—– Ana, para, não vai adiantar de nada se ferir ou quebrar essas coisas, você precisa aceitar que esse garoto te deixou.
A imagem do meu pai surge inesperadamente entre os estilhaços.
Virei o rosto e olhei pra ele, atrás de mim, furiosa.
—– Eu quero que isso acabe, não aguento mais — Gritei para ele, que pareceu se comover com os meus lamentos.
—– Você precisa estar viva pra ouvir o que ele tem pra te dizer, só assim pra você conseguir viver em paz — Ele se aproximou e tocou os meus cabelos como costumava fazer quando eu era criança.
E o seu toque reconfortante me fez adormecer em seus braços.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro