02. HARRINGTON E A SUA MÁ SORTE
Até que passar um tempo no cinema com os amigos da Max havia sido mais tolerável do que imaginei, aprendi a diferenciar os garotos e associei as histórias que ela me contava por ligação a tudo que já aconteceu. Billy não fora nos buscar quando o filme acabou, ou seja, voltamos de ônibus já ao anoitecer.
Era estranho para ser sincera, desde o primeiro instante em que pisei meus pés em Hawkins a sensação de poder acidentalmente destruir sem querer a vida de alguém — não estava mais comigo. Apesar de ainda estar sempre em alerta, com medo do que minhas ações pudessem causar. Era como se Hawkins fosse o centro da catástrofe, como se a minha presença ali não fizesse diferença nenhuma.
E continuei com esse pensamento, claro, até o dia seguinte. Max tinha um compromisso com sei lá quem e sei lá onde, provavelmente com os amigos. Então, para não permanecer quieta no mesmo lugar por muito tempo decidi sair também.
— Onde você vai? — foi a primeira coisa que Billy balbuciou ao me ver descendo as escadas.
Ele trajava seu uniforme de salva vidas, dessa vez sem óculos escuros. Então, seus olhos claros pairavam sobre mim como águia. O cabelo loiro perfeitamente penteado, a tatuagem a mostra por conta da regata. Ele era bonito, é...
— Eu não sei.
Falei a verdade, terminando de descer o último degrau.
— Vai mentir logo para mim, Barnes? — sorriso cínico em seus lábios.
Meu estômago revirou, talvez por nervosismo. Billy apoiou as duas mãos na cadeira, olhando fixamente para mim.
— Talvez ao shopping. — dei de ombros — Bom, eu não sei.
E realmente não sabia, mas ver a maneira que aquilo o incomodava estava me divertindo.
— Não posso te levar, entro agora as duas.
— Não pedi pra me levar. — argumento.
Billy pressiona as mãos com mais força ao redor do aro da cadeira, nota elas ficando vermelhas.
— Max também saiu, então... — elevo os lábios — não vamos encher seu saco, Hargrove.
Há algo nos olhos dele a qual não consigo decifrar, talvez, só talvez Billy tenha se sentindo meramente desapontado. Antes que eu pudesse dar mais algum tipo de tempo para ele processar alguma coisa, saio pela porta principal. É impressão minha ou o tempo ficou mais quente?
Desço andando até o ponto de ônibus. Não há muito o que fazer sem Max para me puxar pelos cantos, por isso cálculo para mim mesma que não ficarei mais que cinco dias na cidade. Apesar da Austrália ser ruim (no mérito, sem amigos), ela era melhor em ter o que fazer sozinha.
O caminho até Starcout foi breve, por isso quando desci alguns pontos antes — errada, eu sei — sabia que tinha me precipitado. Era a má sorte atacando novamente, já estava até na hora. E por perder meros segundos pensando nas coisas piores que eu poderia fazer acontecer, não prestei atenção ao meu redor. O barulho fora muito rápido, meus pés deslizaram no asfalto quente de Hawkins me derrubando no chão. Sinto alguma coisa fervendo abaixo de mim, talvez seja minha cabeça, talvez seja outra coisa. Há algo errado.
— Puta merda, você está bem?
A pergunta é tão ridícula que me faz rir, mesmo estando com a visão embaçada e a cabeça latejando, estou rindo que nem uma idiota. É claro que alguma coisa ia acontecer, claro que em Hawkins não era diferente.
Duas mãos são postas sobre meus ombros, quentes, tão quentes como o chão abaixo de mim.
— Que merda, que merda. — a voz continua praguejando ao meu redor.
Me forço a abrir os olhos, cautelosamente, sem exigir muito esforço do meu lado. A claridade me faz recuar, e por fim sinto o gosto de ferro dançado sobre minha língua. As mãos me puxam para cima, sem me soltar um segundo sequer.
— Isso tá feio.
Novamente tento abrir os olhos, consigo dessa vez os manter abertos. Apesar da claridade, noto pupilas extremamente escuras e dilatadas. É quase tão escuras que mal da para diferenciar o achocolatado de seus olhos, mas ainda assim os consigo notar.
— Você é cego por acaso? — murmuro.
Ele sorri estampando uma covinha na bochecha direita, ainda com as duas mãos sobre meus ombros com receio de me soltar. Como se eu fosse cair dura no chão.
— Entra, tô atrasado, vamos limpar isso daí.
Faço o que ele pede, ainda meio tonta, sem pensar direito. Minha cabeça dói, os olhos ardem, o calor do asfalto ainda parece estar impregnado em mim. Por isso não consigo notar no quão rápido chegamos ao shopping, o qual era meu destino final anteriormente.
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— Puta merda, hein, Steve. Nem chegar no caralho da hora você consegue?
Volto a sã consciência quando vejo que estamos na sorveteira da noite passada e que o meu quase assassino era o marinheiro.
— Não começa, Robin. Não tá vendo que quase perdi meu réu primário? — Steve resmunga de volta, com a mão direita sobre meu ombro.
— Não é minha culpa que você não deveria ter tirado carteira. — resmunga a garota, batendo os olhos em mim — Se pingar sangue no chão, você é quem vai limpar. — apontou para ele — Oi, desculpa. Sou a Robin, colega do Steve.
O uniforme de marinheiro fica muito bom nela, melhor do que nele. Sorrio de volta com a apresentação.
— Layla. — estico a mão e ela a pega sem hesitar.
Com a mão ainda sobre meu ombro, Steve me empurra um pouco a sua frente até que passemos pela porta e cheguemos ao fundo.
— Eu sei que tem alguma caixinha de primeiros socorros por aqui...
Ele balbucia consigo mesmo, batucando os dedos nas próprias pernas, concentrado.
— Aqui! — Steve sorri, se virando para mim, levantando a caixa sobre a cabeça como se fosse um troféu.
Não percebo a maneira patética que sorrio com tal animação do garoto.
— Normalmente não saio atropelando as pessoas por aí. — se abaixa a minha frente, começando a tirar as coisas da caixinha.
Há um ralado enorme, vermelho e sangrento no meu joelho direito.
— Jura? Achei que fosse um hobby seu. — entro na brincadeira.
Steve gargalha, agora as covinhas mais estampadas do que nunca. Os fios de cabelo saindo pela lateral do chapéu, como se não fosse nada demais.
— Acho que vai arder um pouquinho. — pressiona os lábios, erguendo os olhos para mim — Se prepare.
Ele era icônico. Steve Harrington, perfeitamente icônico. Não percebi a maneira que instantaneamente me senti confortável ali.
— Arghhh...
Solto um gemido sem perceber, no instante em que ele passa a pomada sobre meu machucado. Seus olhos buscam os meus ao ver minha reação exagerada.
— Tudo bem, pode continuar. — cerro os dentes, forçando um sorriso pacífico.
Já era para eu estar acostumada com esse tipo de coisa.
Steve termina de passar a pomada e logo coloca um band-aid.
— Um já foi. — sorri com a vitória — Agora...
Ele se levanta do chão e inclino minha cabeça para cima instintivamente. Steve se inclina, concentrado no machucado da minha testa. Passa a pomada com o indicador e esboço uma expressão de dor.
— É Layla Maxfield? — pergunta, sem mover os olhos para mim.
— Não, Barnes. Peguei o do meu pai.
Steve sorri com os lábios selados, ainda concentrado.
— E deram o direito da escolha? — pergunta novamente.
— Quase isso.
Há um momento de silêncio. Steve coloca o band-aid cautelosamente e abaixa os olhos escuros para mim, como se pedisse uma confirmação de que não estava doendo mais. Mas, eu paralisei. Fiquei estática, na mesma posição segurando o olhar dele sobre mim.
— Esse clima de filme tá muito legal galera, juro, — a janela é aberta bruscamente — mas tem uma fila de crianças aqui, Harrington, e juro por Deus se eu ter que entregar mais uma amostra de "água doce" eu vou matar um.
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