Capítulo 11 -De qualquer forma
"Pensar em você já virou rotina".
Antoinette mal tinha dormido. Estava agitada e animada, tal como uma criança na manhã de Natal. Às sete da manhã do dia de sua soltura, ela estava entusiasmada e ocupada em colocar livros e outros pertences em uma pequena caixa. A folha de papel que confirmava que Topaz ganhara oficialmente a liberdade condicional era, agora, o que ela possuía de mais precioso e, em intervalos regulares, lia e relia as palavras ali escritas, só para ter certeza de que o texto não tinha mudado de alguma maneira. Não tinha.
As roupas de civil de Antoinette eram as que ela estava usando no dia em que entrou na penitenciária, umas calças pretas com rasgos, uma blusa de banda e nos pés umas botas também pretas. A seguir vinham os anéis. Ela colocou a argola larga de prata no polegar da mão direita e uma cruz celta no dedo do meio.
– Está pronta?
Antoinette se virou com um sorriso para Harry, que estava apoiado na porta aberta de sua cela.
– Praticamente – respondeu ela – Quando posso sair?
Harry deu uma olhada no relógio.
– As portas se abrem às dez. Estamos esperando pelo Ward.
– Isso é fantástico – murmurou Topaz.
Ela deu uma olhada em volta da cela para ver se não tinha deixado nada para trás. Então, pegou a caixa e a fechou.
– Ah! – Harry enfiou as mãos nos bolsos – Entreguei o seu presentinho.
A morena evitou o olhar do conselheiro.
– Ótimo – disse ela de forma casual – Tinha dinheiro suficiente?
– Mais que suficiente e escrevi exatamente o que você pediu - o estômago de Antoinette deu uma cambalhota quando ela pensou em Pêssegos recebendo o livro. Ficou imaginando se ela teria gostado ou se teria achado um exagero e piegas demais – Preciso perguntar... – continuou Harry, inspecionando a ponta de seu sapato direito.
– O quê? – perguntou Topaz com um tom de desaprovação.
Harry sorriu, com ar de sabedoria, antes de erguer os olhos.
– Eu só queria saber como você conseguiu o livro tão rápido – finalizou ele, inocentemente.
Os ombros de Antoinette relaxaram de alívio.
– Pêsse... Ela, Cheryl, a Srta. Blossom havia... hum, bem, droga, ela havia mencionado o livro em uma de nossas aulas, então procurei na internet da biblioteca e fiz uma reserva. Eu ia comprar quando saísse daqui, mas, na semana passada, quando ela mencionou que era aniversário dela... – ela ergueu os olhos, passando o peso do corpo de um pé para outro, totalmente desconfortável – Não é nada demais, cara. Pare de me olhar desse jeito.
– Ei – falou Harry após um risinho rápido – Eu não disse nada. Acho que foi um ótimo presente, muito atencioso.
Ela o observou com cautela.
– Mesmo?
– Mesmo – respondeu ele, dando um aceno firme de concordância com a cabeça – Aposto que ela adorou.
O estômago de Antoinette revirou de novo. Ela esperava que sim. Era o mínimo que podia fazer por Cheryl depois de tudo o que ela fizera.
– Detenta 081056 – chamou Ward, passando pela porta da cela de Antoinette – Estou aqui para escoltá-la para fora das nossas instalações.
– Beleza – murmurou Antoinette com um olhar sarcástico.
Topaz seguiu Ward, um guarda e Harry em direção à saída dos fundos da penitenciária, onde assinou mais um formulário de soltura e ainda recebeu uma outra cópia das regras de sua condicional.
– De quantos desses uma única pessoa precisa? – perguntou ela, incrédula, empurrando o pedaço de papel para o fundo de sua caixa.
– Bem – respondeu Ward enquanto brincava com a caneta – Todos sabemos como você tende a ser esquecida quando se trata de regras, Topaz.
Antoinette pegou sua caixa.
– Foi uma pergunta retórica, bundão.
Os olhos de Ward se estreitaram, irritados.
– Do que foi...
Harry se enfiou no meio deles antes que uma briga começasse.
– Vamos lá, Topaz. Hora de ir.
Ele empurrou o ombro de Antoinette, guiando-a rumo à saída. A hispânica sustentou o olhar em Ward antes de permitir que Harry a levasse até à porta. O sol estava forte para setembro. Antoinette fechou os olhos e ergueu o rosto.
– Bom? - Harry riu ao lado dela.
– Sim – respondeu ela. Antoinette abriu os olhos lentamente e começou a revirar a caixa. Levou alguns minutos xingando e resmungando antes de encontrar os óculos de sol e colocá-los no rosto – Agora estou pronta – disse com um sorriso largo.
Harry olhou para o outro lado do estacionamento e viu uma figura familiar, grande e de cabelos pretos, encostada com uma postura arrogante na porta de um veículo bem masculino, fumando um cigarro.
– Aquele é o Zack?
– Não comece – avisou Antoinette, erguendo as sobrancelhas – Ele está aqui para me buscar porque nem fodendo que eu vou para casa a pé.
Harry tirou sarro.
– Bom, é com certeza um conflito de interesses fazer o cara vir aqui buscar você quando...
– Olhe só! – ela o interrompeu – É o dia da minha soltura. Enfim vou me livrar deste lugar e, neste momento, estou de bom humor. Por favor, não estrague o meu dia, Harry.
A voz de Antoinette era firme, mas suplicante.
– Está bem – cedeu ele – Está bem.
– Ótimo – ela suspirou – Então, vejo você na sexta?
– Sim – respondeu Harry – Na sua casa às seis. Não esqueça.
Topaz balançou a cabeça.
– Como se isso fosse possível com as seis folhas de papel para me lembrar.
Harry passou a mão amigavelmente no ombro dela.
– Cuide-se.
– Pode deixar – disse Topaz – Até mais.
🐍▫️Antoinette▫️🐍
Comecei a caminhar na direção de Zack, que estava sorrindo feito um idiota e seus óculos de aviador cintilavam sob a luz do sol.
– Qual a boa? – cumprimentou ele em meio à fumaça que saía de sua boca.
Sorri, apesar da aparência desgrenhada dele. Sua camiseta do AC/DC estava amassada e a calça jeans que usava parecia que não via uma máquina de lavar roupa fazia tempo.
– Nada demais... acabei de ser solta da prisão, sabe como é - coloquei a caixa no capô do carro e apertei a mão de Zack – É bom ver essa sua cara feia – falei, pegando o cigarro que Zack estava me oferecendo. O analisei enquanto dava uma boa tragada. O cabelo estava mais comprido e a barba não era feita havia algum tempo – Como tá?
O rosto dele se contraiu.
– Tô bem.
Suspirei.
– Tem certeza?
– Sim – o sorriso que Zack deu era tímido – Aquele era o Walker?
Confirmei com a cabeça e me apoiei no carro.
– Topaz!
Ergui os olhos e vi Pêssegos que parecia nervosa, acenando timidamente e atravessando o estacionamento na minha direção.
– Quem é aquela?
Zack baixou os óculos até deixá-los na ponta do nariz. Olhei para ele e notei o tamanho das suas pupilas e as olheiras debaixo dos seus olhos. Droga, ele estava chapado. Caramba. Não era nem meio-dia.
– Ninguém – respondi, balançando a cabeça com irritação – Segure isto aqui por um minuto.
Entreguei meu cigarro a ele e comecei a correr entre os carros em direção à minha Pêssegos. Não queria que Zack a ficasse secando enquanto eu e ela conversávamos. Chapado, aquele babaca podia dizer qualquer coisa.
– Oi Cher. – cumprimentei, parando em frente a ela.
– Oi Toni – devolveu ela – Desculpe – ela deu uma olhada por cima do meu ombro – Eu... sei que você provavelmente quer ir embora logo, mas, bem, eu...
– Não tem problema nenhum – interrompi – Aquele é só o meu amigo Zack. Vai me levar para casa – tirei os óculos – O que foi?
Os olhos dela passearam por meu corpo de um jeito que fez meu coração disparar.
– Recebi seu presente, o livro, e eu... só queria agradecer. Foi... – ela mordeu o lábio com força.
– Você gostou? – perguntei, ansiosa, enfiando as pontas dos dedos nos bolsos da calça.
Os olhos dela se arregalaram.
– Se eu gostei? Eu amei. Foi perfeito e muito atencioso. Obrigada.
– Bem, sabe... Você disse que tinha perdido o seu e, bom, agora você tem um.
– É – falou ela em voz baixa – Já li duas vezes. É maravilhoso.
Meu sorriso aumentou ainda mais. Ela parecia tão feliz e isso por alguma razão me deixava feliz também.
– Ótimo. De nada, Pêssegos.
– Eu também queria entregar isto a você – ela remexeu no bolso da calça cinza e puxou um pequeno cartão repleto de números – Nossa primeira aula está marcada para terça às quatro horas na biblioteca da Rua 42. Aqui está o número do meu celular e meu... meu telefone de casa, bem, caso você não possa ir ou vá se atrasar ou o que quer que seja. Só achei que você deveria ter alguma forma de entrar em contato comigo.
Ela me entregou o cartão. Suas bochechas estavam levemente coradas. Linda!
– Essa foi uma baita de uma ideia. Obrigada.
Enfiei o cartão no bolso de trás da calça.
– Então – continuou – Vejo você lá?
– Com certeza – respondi.
O nervosismo dela era desconcertante, mas muito fofo.
– Ótimo – disse ela, dando um passo para trás – Vou deixar você ir. Cuide-se.
– Você também.
Ela deu um sorriso tímido, virou-se, e retornou para a penitenciária. Meu coração ainda batia como um louco. Como alguém podia ser tão linda?
– Caramba.
Coloquei os óculos de novo e voltei para o carro. Zack estava rindo.
– Algo que você queira compartilhar? - ele ergueu as sobrancelhas.
– Não – rosnei por causa da pergunta. Percebendo o quanto tinha soado protetora, ele riu e tentei esconder minha irritação – Ela é apenas uma professora de literatura, só isso.
– Professora, é? – perguntou ele olhando para a porta pela qual ela havia desaparecido – Cara, ela poderia me dar aulas quando quisesse com uma bunda daquelas. É traseiro para ninguém botar defeito.
Segurei a língua e sorri sem mostrar os dentes enquanto mantinha os olhos na maçaneta da porta.
– Nem tinha notado.. - menti.
Óbvio que tinha notado, era impossível alguém não notar mas só eu podia falar da bunda de Pêssegos
Zack bufou e tirou as chaves do carro do bolso.
– Tudo bem! Vamos lá.
Entrei no carro e fiquei olhando a paisagem pela janela. Desde os 9 anos, era mandada de um lugar miserável para outro. Se não fosse de um colégio interno para outro igualmente pretensioso, eu costumava, em geral sentir-me desconfortável de ficar em um mesmo lugar por muito tempo. Minha vida era assim: instável. Por isso fiquei surpresa quando fui tomada por um sentimento avassalador de alívio ao colocar a chave na fechadura de meu apartamento na esquina da Greenwich, no bairro de TriBeCa, em Manhattan.
Abri a porta e fiquei parada por um instante para permitir que os aromas do lugar me inundassem.
Zack cutucou minhas costas.
– Está pensando em entrar aí?
– Sim.
Entrei no apartamento e fechei a porta atrás dele, que carregava minha caixa. Joguei as chaves em uma mesinha e dei uma olhada em volta. Minha coleção de violões vintage ainda estava na parede, juntamente com as fotografias em preto e branco de um artista local que eu vinha colecionando ao longo dos anos. Peças ornamentais de motos Harley e Triumph estavam espalhadas pelo apartamento, brilhando sob o sol que penetrava pelas janelas de três metros de altura.
Zack tinha providenciado uma diarista para limpar tudo uma vez por semana enquanto estava presa, para garantir que tudo permanecesse daquele jeito.
– Tudo direitinho, né? – perguntou ele.
Sorri.
– Sim. Obrigada.
– Não tem de quê.
Ele se dirigiu à geladeira duplex de aço inoxidável e a abriu para exibir o amplo estoque de bebidas alcoólicas.
– Surpresa! – disse ele, dando risada – É tudo para você, minha amiga - abriu duas garrafas de cerveja e entregou uma para mim – À sua liberdade – brindou solenemente quando batemos com o bicos das garrafas e, então, tomamos um gole.
Fiquei superfeliz pelo fato de bebidas alcoólicas não serem proibidas no período de minha condicional, mesmo às onze da manhã.
– Eu estava precisando disso.
– Então, Topaz, mulher livre extraordinária, quais os planos para o resto do dia?
– Bom, preciso de um bom banho e tirar um bom cochilo na minha própria cama.
Zack revirou os olhos.
– Cara, isso é o melhor em que você consegue pensar?
– Não – meu rosto ficou sério – Quero ver minha menina – Zack sorriu – Ela está bem? – perguntei – Você cuidou dela?
– Ela está linda e, sim, cuidei dela como se fosse minha.
– Me leve até ela.
Segui ele para fora do apartamento e desci correndo as escadas do prédio em direção à garagem subterrânea. Zack se encolheu quando as luzes se acenderam e eu ofeguei quando vi minha menina. Ela estava espetacular, de tirar o fôlego.
– Oi, linda – sussurrei.
Estiquei o braço para que meus dedos tocassem o banco de couro imaculado e passei a mão no guidão. Fazia tanto tempo. Zack assobiou e, quando me virei, ele jogou a chave para mim, que peguei em cima do peito.
– Ela está maravilhosa, Zack. Obrigada.
– O óleo foi trocado e ela foi polida. Eu mesmo fiz isso, é claro, não deixei aqueles malandros sebosos da oficina encostarem nela, por mais que eles insistissem.
Esfreguei reverentemente os dedos no motor V2. Não tinha percebido o quanto sentia falta de pilotar. Uma imagem deliciosa de Pêssegos montada na minha moto enquanto me agarrava com força brotou em minha mente.
Suspirei, deslizando mais uma vez a mão pelo lindo metal.
– Vejo essa sua cara safada mais tarde – prometi antes de passar por Zack e subir de volta as escadas do prédio.
– Beleza. Vou voltar com comida e mulheres. Lá pelas sete, beleza?
Suspirei, segurando-me para não falar nada.
– Parece ótimo - sorri forçadamente.
– É bom ter você em casa, cara – murmurou ele.
– É bom pra mim também.
Assim que Zack foi embora, fechei a porta e me encostei nela com um suspiro alto. Dei uma olhada em torno do apartamento, pensando em que diabos deveria fazer. Em Arthur Kill, tinha uma rotina, uma programação, pessoas que me diziam quando e onde precisava estar. Agora, era livre para fazer o que quisesse, quando quisesse. Dentro do razoável. Era estranho.
Desanimada, olhei para o relógio na parede e minha mente viajou diretamente para Cheryl. Ela deveria estar em sala de aula com Riley ou com outra pessoa. De maneira ultrajante, o ciúme brotou em meu estômago.
– Recomponha-se, sua idiota – murmurei para mim mesma.
Peguei a cerveja no balcão e fui até meu quarto. Teria Pêssegos só para mim na terça à tarde de qualquer forma.
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