Capítulo 13 - Ignorar as regras
"O amor e o desejo são as asas do espírito das grandes façanhas".
🍃Ludmilla Oliveira🍃
- Porcaria de máquina!
Ergui a vista do carburador detonado em minhas mãos para olhar Zack chutando a roda do Pontiac GTO de motor V8 que estava xingando havia uma hora. Fui até ele, limpando as mãos sujas de graxa em um pano que peguei no bolso.
- Ei, ei, calma, cara. Qual o problema?
Zack passou a mão pelo cabelo.
- Esta porcaria aqui - ele apontou para o carro.
Meus olhos se arregalaram, ironicamente horrorizados. Apoiei as mãos na porta do motorista do veículo alaranjado.
- Não dê ouvidos a ele, gata - sussurrei para o carro - Ele não falou por mal.
Zack balançou a cabeça.
- Que seja. Para mim, chega - franzi a testa e apoiei o braço no teto do carro.
- Chega? - perguntei em um tom provocador - Você desiste fácil assim?
- Não - retrucou na defensiva - Eu só não consigo... Esta coisa ainda está com o motor acelerado e... Droga, Justin, diminua essa bosta!
Justin correu até o aparelho de som no canto da oficina e diminuiu a música "Look at us now" até soar bem baixinho. Fiquei olhando para Zack, ciente de que aquele mau humor não era fruto apenas da aceleração do motor do carro. Cansada, soltei o peso do corpo na parede antes de deslizar por ela. Os olhos de Zack encontraram os meus por um breve momento.
- O nível de açúcar no meu sangue está baixo.
Após ter sido diagnosticado com hipoglicemia quando criança, Zack costumava conseguir manter seu nível de açúcar bastante normal, mas se transformava em um babaca rabugento quando o nível baixava. Peguei um pacote de Mini Oreo em meu bolso de trás e o joguei para ele, que colocou um na boca e murmurou, satisfeito.
- Então, o que mais está acontecendo? - perguntei após um momento silencioso - Desde quando guardamos segredos, Zack?
- Não tenho segredo algum - respondeu, meneando a cabeça. Ele parecia tão cansado - Você sabe tudo o que tem para saber.
- Ah, é? - duvidei - Então, se sei tudo, quando exatamente você ia me contar que anda cheirando de novo?
Ele manteve os olhos no chão.
- É só por diversão, Ludmilla.
- Eu achava que você ia largar isso - disse exasperada
- Eu sei, eu tentei. Você sabe que tentei. Mas me alivia - ele esfregou a mão no rosto sonolento - Eu não... Não tenho dormido bem. Para falar a verdade, não durmo bem desde que... desde que ela...
O meu estômago se contraiu por Zack e sua incapacidade de falar da mulher que tinha partido seu coração. Ele parecia tão perdido.
- Estou aqui se você quiser falar sobre a Liza...
- Não - Zack ergueu a cabeça subitamente, seus olhos pareciam queimar.
Suspirei.
- Está bem. Mas você precisa ser honesto comigo - dei uma olhada dura para ele, que acenou lentamente a cabeça. A honestidade sempre tinha sido algo importante para a nossa amizade ao longo dos anos. A honestidade e a confiança - Você está um caco. Seus nervos estão à flor da pele. Você está administrando um vício caro. Paul me contou que as finanças da oficina não andam lá muito bem. Se você der um basta nisso, sabe que posso ajudar com a questão financeira da...
- Não, Oliveira. Não quero seu dinheiro. Já disse isso a você antes - ele protestou.
- Não é o meu dinheiro - retruquei - É o dinheiro dos Marvilas.
- Tanto faz - continuou ele - Não vou aceitar. Depois de você ter ido para Arthur Kill por causa da Liza e de mim... - a voz dele sumiu, aquele nome comprimindo sua garganta de emoção. Então, ele tossiu uma risada amarga e fria - Que baita perda de tempo foi aquilo.
- Você teve notícias dela? - arrisquei perguntar delicadamente.
Zack quase nunca falava da mulher que, ao largá-lo e desaparecer sem dizer ao menos um "vai se ferrar", tinha despedaçado seu coração seis meses após eu ter sido mandada para a Arthur Kill.
Ele sacudiu a cabeça antes de soltá-la na parede.
- Nada. Nem sequer a porcaria de uma mensagem. Nada desde o dia em que ela foi embora.
Coloquei a mão no ombro dele e dei um aperto, odiando o que Liza Jordan tinha feito com meu melhor amigo. Por causa dela, o cara estava desolado, nutrindo um vício em cocaína que provavelmente o colocaria na prisão, ou coisa pior.
- A oferta está de pé, tá? - falei - Estou aqui por você, cara, você sabe disso, mas estou na minha condicional. Preciso me cuidar também.
A condicional, no entanto, não era o único motivo para manter o nariz limpo. Ao contrário do que todos pensavam, tinha me afastado de todas as drogas um ano antes de ser enviada para Arthur Kill.
- Está tudo bem - disse ele, a máscara da indiferença encobrindo a dor - Está tudo sob controle, juro. Ei, vou encontrar uns caras na semana que vem para fechar um acordo ótimo que vai resolver tudo. Quer participar?
Revirei os olhos furiosa, fezendo ele soltar uma risada.
- Babaca. Sim, só vou ali ligar para o oficial da minha condicional para perguntar se tudo bem - dei um soco no braço dele - Você se cuide, está me ouvindo?
Senti meu celular vibrar no bolso. Levantando-me e afastando-me de Zack, tirei o celular do macacão e sorri ao ler a mensagem.
Pêssegos: Não se atrase de novo.
- É a sua professora? - perguntou Zack com um sorriso compreensivo - Fala sério, minha irmã, quando é que você vai traçar a garota?
- Cale a boca - grunhi e ele riu de novo.
- O que está rolando entre você e ela, hein? É algo desse tipo?
Limpei a garganta.
- Não - suspirei - Não é nada desse tipo.
Lambi os lábios e olhei para meu melhor amigo.
- É claro - provocou ele - Se você ainda não comeu, está louca para comer. Está estampado na sua cara. Não que eu esteja culpando você. Olha só pra ela...
Reprimi o resmungo de possessividade que subiu por minha garganta.
- É complicado - fiz uma pausa - Ela é... Ela é a Pêssegos.
Os olhos de Zack se arregalaram.
- Pêssegos? A menina do Gonçalves, do homem que... Está brincando? - ergui as sobrancelhas - Caralho.
Na noite em que salvei Brunna, contei tudo a Zack. Foi só naquele momento, com ele ao meu lado, a adrenalina ainda correndo por minhas veias e o barulho do disparo ainda ressoando em minha cabeça, que chorei abertamente de medo.
Zack se levantou do chão.
- Ela sabe? Você disse alguma coisa a ela?
Apertei o dorso do nariz.
- Não. Não disse. Eu nem saberia por onde começar.
Ele cruzou os braços em frente ao peito.
- Entendo você - um sorriso curvou os cantos de sua boca - Caralho, Ludmilla, depois de todos esses anos... Você a encontrou.
- É - sorri.
Ele deu um tapa brincalhão no meu braço.
- Caia em cima. Ela já está bem crescidinha.
Bufei. Apesar da sugestão dele de que usasse meu charme de derreter corações para levá-la de uma vez para a cama, com minha Pêssegos aquilo parecia chulo demais. Ela merecia mais.
Dei uma olhada no relógio. Eram três e quinze. Faltava menos de uma hora para encontrá-la. Respondi à sua mensagem.
Eu: Eu não ousaria.
Aquilo não era totalmente brincadeira. Tinha ficado surpresa com a sua reação ao meu atraso na primeira aula. Parecia que estava pronta para arrancar fora a minha cabeça. Conseguia entender os motivos dela, mas, caramba, a menina era brava. Não que eu fosse muito diferente. Mas, depois de toda a discussão e da queda, a aula tinha corrido bastante bem. Era estranho como o tempo passava rápido quando estava com Pêssegos. Parecia tão fácil estar com ela. Gostava da sua insolência e do seu entusiasmo. Faziam com que me lembrasse da minha própria paixão pelas palavras escritas, e sentia prazer em falar sobre as escolhas de vocabulário do autor e as complexidades daquilo tudo.
Na verdade, gostava de conversar com ela. Ponto. Conversar com ela e, agora, tocar nela. Não conseguia parar de pensar na maciez de seu cabelo, quando o ajeitei para trás de sua orelha, ou na suavidade da pele do seu joelho. Será que a pele dela era macia daquele jeito no corpo todo?
Pigarreei e sacudi a cabeça para afastar a imagem de Pêssegos abraçada ao meu corpo enquanto metia nela entre as prateleiras dos livros. Deus! Eu queria mais. E não apenas no sentido "quero-ver-como-você-é-pelada". Como seria estar sempre ao lado dela?
Um dos meus melhores dias na Arthur Kill foi quando Pêssegos me contou sobre seu pai e o livro que ele costumava ler para ela. Tive uma pequena amostra da Brunna Gonçalves que existia fora das paredes do presídio. E, agora que também estava do lado de fora, queria muito ver mais. Como ela reagiria se fizesse algumas perguntas pessoais? Só perguntas a respeito do que ela gostava e do que não gostava, não o número do sutiã, nem nada desse tipo, apesar de ter pensando sobre isso também. Parecia que eles cabiam perfeitamente em minhas mãos. Meu corpo reagiu de imediato àquele pensamento, o que era bem constrangedor, visto que estava cercada por um monte de homens.
Meu corpo ainda parecia achar impossível se conter quando estou perto dela ou quando penso nela. De qualquer forma, por mais que tivesse adorado a sugestão que eu e ela fôssemos para a cama de uma vez, sabia que ela não era esse tipo de mulher. E tinha certeza de que se um dia soubesse que qualquer mulher ou homem a estava tratando assim, não teria problema algum em foder com o lance deles. A minha possessividade com pêssegos poderia ser um problema.
- Oliveira? - deixei meus devaneios de lado e olhei para Justin - Tem uma mulher aí procurando você.
- Quem? - perguntei, largando o café e Justin deu de ombros.
- Não faço ideia. Ela só disse que precisava conversar com você com urgência.
Parei no meio do caminho quando vi quem estava esperando por mim do lado de fora da oficina, usando um vestido que devia ter custado pelo menos dois mil dólares. Xinguei baixinho e deslizei a mão pelo rosto, exasperada.
- Wynonna - ela acenou com a cabeça.
- Oliveira.
Houve um momento de silêncio esmagador enquanto nos analisávamos. Impaciente como sempre, fui a primeira a interrompê-lo.
- O que está fazendo aqui? - perguntei com um movimento indignado de cabeça.
- Você não tem retornado nossas ligações - respondeu, seu tom de voz calmo e arrogante.
- Vocês são uma merda que não conseguem me intimidar por telefone, então decidiram vir aqui fazer isso pessoalmente?
- Não estamos intimidando você, Oliveira. Estes papéis precisam ser assinados.
Puxei o maço de cigarros do bolso de trás e acendi um, dando um longo trago. Apontei para ela com o cigarro aceso entre os dedos.
- Esses papéis foram redigidos sem o meu consentimento, como forma de me tirar da jogada. Isso, minha amiga, é intimidar. Intimidar de maneira desleal e cruel.
- Oliveira - ela passou o dedo pela ponta do nariz - Você não quer nada com a empresa. Repetiu isso inúmeras vezes. Mas, mesmo assim, quando oferecemos uma saída, você cerra os pulsos e diz não
- Balela. Vocês estão me oferecendo uma saída porque os Marvilas estão se cagando de medo de que os acionistas da WCS descubram que a sua empresa é propriedade de uma criminosa. Irônico, se você considerar os homens com quem vocês têm feito negócios. O nome Casari soa familiar?
Os olhos dela se estreitaram.
- Oliveira. Intrigas à parte, somos uma família de negócios...
Meus olhos queimaram.
- Não me venha com esse papo de "família", Wynonna - sacudi as cinzas do cigarro, não acertando o braço esquerdo dela por milímetros - Você não era minha família quando eu estava na prisão, então não finja que se importa agora!
Ela ergueu as mãos em rendição.
- Está bem, está bem. Já entendi.
- Não - continuei, dando um passo na sua direção - Você não entendeu. Posso perder muita coisa, mas isso não significa que eu pensaria duas vezes antes de quebrar a sua cara, aqui e agora, só para ficarmos quites.
Ela se recusou a recuar, mesmo quando quase encostei o nariz no dela.
- Isso não seria muito bom para a sua condicional, não é?
- Vá se foder, sua hipócrita - gritei - Não fique aí me olhando de cima, como se fosse mais limpa que os lençóis de uma freira. Posso fazer uma única ligação sobre seus negócios com Casari e a polícia federal vai estar no seu encalço rapidinho.
- E, é claro, você tem provas sobre mim e Casari, certo?
Ficamos as duas nos encarando, sem piscar nem recuar.
- Está tudo bem aqui?
Meus olhos se desviaram para Zack, que estava encostado na parede e tinha os braços cruzados em frente ao peito largo.
- Está - respondi, sem tirar os olhos do rosto de Wynonna - Ela já está de saída.
Ela expirou, resignada.
- Pense no que falei, Oliveira. Vamos manter contato.
Ela atravessou a rua até seu carro. Observei o carro arrancar e, então, olhei para Zack com uma expressão tempestuosa.
- O que aquela otária estava fazendo aqui? - perguntou, com as sobrancelhas erguidas.
Encostei-me na parede ao lado dele.
- Eles ainda estão tentando me subornar para que eu caia fora.
- O que você disse para ela?
- Falei para ela se foder - respondi, dando de ombros e ele bateu no meu ombro.
- Esta é minha garota.
Abri um sorriso, permitindo que meu corpo se acalmasse. Família de negócios? Uma ova. O que é que Wynonna sabia sobre família? Os Marvilas eram todos iguais, apenas Kássia parecia ser uma mulher de valor. O resto deles só se preocupavam em botar as mãos no meu dinheiro e ter mais poder. E, por mais que desprezasse cada centavo que entrava em minha conta na Suíça todo o mês, não ia sair de fininho como uma ovelha negra só porque os Marvilas queriam.
Os meus olhos se arregalaram. Pêssegos!
- Merda! - passei a mão pelo peito e pelos bolsos da calça - Que horas são?
- São quinze para as quatro, por quê? Onde é o incêndio?
- Puta merda! - gritei, correndo para os fundos da oficina para pegar a mochila e as chaves - Estou atrasada, cara! Estou atrasada! - coloquei a jaqueta de couro e os óculos de sol e corri - Minha aula! - gritei para Zack, antes de colocar o capacete e subir na moto - Estou atrasada e disse que não iria me atrasar! Eu prometi a ela!
- Ah, a professora - falou enquanto eu caminhava com a moto até à rua - Ei, se você não estiver interessada, diga que posso mostrar algumas coisas boas da vida para ela! Sempre tive uma queda por latinas.
Zack riu quando mostrei o dedo do meio para ele antes de dar marcha a ré na mota e sair voando o mais rápido que conseguia.
🌻Brunna Gonçalves🌻
Tamborilava as unhas na mesa da biblioteca, irritada, pensando porque havia achado que Ludmilla estava falando sério quando disse que não se atrasaria. Ah, sim, porque eu era uma idiota. Era idiota por achar que ela não se atrasaria. Era idiota por ansiar nosso tempo juntas e me ressentir com ela por torná-lo mais curto. E era realmente idiota por ter tido o trabalho de retocar o gloss labial antes de chegar à biblioteca.
Peguei na bolsa o exemplar de "Walter the Lazy Mouse" que Ludmilla me deu e reli o que ela tinha escrito.
"Não importam os obstáculos."
Bom, o maior obstáculo, agora era o fato de que ela estava atrasada para o próprio enterro. Fechei o livro e dei mais uma olhada no relógio. Dez para as quatro. Havia esperado meia hora na vez anterior. Ia esperar vinte minutos hoje. Peguei o celular para ver se havia alguma mensagem ou ligação perdida. Nada. A única mensagem era de Wynonna, desejando um bom dia e perguntando se tinha planos para sábado. Dei um suspiro, evitando olhar para as prateleiras dos livros onde o braço negro, forte e tatuado de Ludmilla tinha me agarrado e segurado tão deliciosamente...
- Droga! - larguei a testa na mesa. É só uma paixonite idiota - Só porque ela é bonita não quer dizer que eu...
- Quem é bonita?
Ah. Putz! Me sentei lentamente.
- Minha... blusa - respondi, esticando a blusa para que ela podesse ver melhor - Não é bonita?
Ela arqueou as sobrancelhas confusa, deslizando os olhos pela blusa.
- Hum, não faz muito meu estilo, mas, sim é linda - ela tirou a jaqueta e a colocou no encosto da cadeira, fazendo uma careta - Então, sei que estou atrasada e sei que disse que não me atrasaria.
- Sim - falei, ávida por mudar de assunto - De novo. Sei que você tem coisas para fazer, mas eu também tenho. E seus atrasos constantes simplesmente não vão funcionar. Já perdemos 15 minutos.
- Me dê uma trégua, Pêssegos. É só a nossa segunda aula. Ainda estou tentando encontrar meu ritmo no meio disso tudo. Não quero ficar assim para sempre. Estou me esforçando, tá?
Reparei que a expressão dela era mais amena, mais vulnerável. Franzi a testa.
- O que aconteceu?
Ela se recostou na cadeira, parecendo surpresa.
- O quê?
- Por que se atrasou? O que aconteceu?
Ela inspirou fundo e coçou o pescoço.
- Houve um... problema "familiar" com o qual tive que lidar e perdi a noção do tempo.
Familiar? Aquela era a última coisa que achava que ela fosse dizer. Não sabia nada sobre a família dela.
- Está tudo bem?
- Hum... Sim, está tudo bem, é só uns negócios - seus olhos se afastaram dos meus - Podemos começar agora?
Senti a tensão se espalhar pelo maxilar dela. A verdade era que mal conhecia a mulher sentada à minha frente, e isso era motivo de preocupação. Eu a desejava, mas tudo o que sabia sobre ela era que tinha passado um tempo presa e que trabalhava em uma oficina mecânica com o melhor amigo. O fato de ela transformar o ato de fumar em algo loucamente sexy e de ficar irresistivelmente linda de jeans e jaqueta era irrelevante. Apesar de que... Droga.
- Estou vendo que você veio direta do trabalho de novo - reparei, indicando com a cabeça sua camiseta vermelha manchada de graxa.
- É, eu fico toda suja - ela cravou os olhos em mim. Seu olhar como um toque quente em minha pele - Desculpe por ter me atrasado - esfregou as mãos no rosto - Nossa, preciso de um cigarro!
Levantei-me, arrastando a cadeira pelo piso de linóleo.
- Se você precisa fumar, vamos lá para fora.
- Mas você não fuma.
Coloquei as mãos no quadril e dei dois passos em direção à porta.
- Gosto de assistir - brinquei - Venha.
Ela ficou me observando por um momento, depois me seguiu. Do lado de fora da biblioteca, sob o sol quente, nós fomos até à área de fumantes. Fiz um gesto com a mão para que ela acendesse o cigarro. Ludmilla sorriu e acatou a sugestão, tragando com força.
🍃Ludmilla Oliveira🍃
Recostando-me na parede, consegui sentir o perfume dela e fechei os olhos brevemente com a doçura do aroma. O topo da cabeça de Brunna batia em meu ombro. Como não tinha reparado nisso antes? Talvez fosse por causa de minha autoconfiança. O seu cabelo refletia a luz do sol, fazendo com que o castanho brilhasse. O meu desejo por ela crescia cada vez mais que a via e, enquanto a observava distraída com o tráfego, a agitação que ela sempre despertava em mim começou a se manifestar.
- Por que você se tornou professora? - perguntei, precisando de uma distração para meu libido em ebulição. A cabeça dela se virou de supetão na minha direção, seus olhos castanhos me analisavam - Desculpe - murmurei com o cigarro na boca - Não quis me intrometer. Não é da minha conta.
Fiquei olhando para meus próprios pés.
- Meu pai. Antes dele morrer, fiz uma promessa - ela ergueu o rosto para o céu - Ele sempre me ensinou que era importante retribuir, não tomar nada como garantido. Eu adorava ler e escrever, e virar professora simplesmente parecia acender algo em mim - ela fitou meu rosto - Parece piegas demais, né?
Balançei a cabeça.
- Não há nada de errado com a paixão, Pêssegos.
- Você queria ser alguma coisa, antes da prisão?
- Houve um tempo em que eu quis ser médica.
Nunca tinha contado aquilo a ninguém.
- Médica?
- É, cirurgiã, na verdade. Não fique tão surpresa. Sou boa com as mãos.
- É por isso que você trabalha na oficina?
- Não. Além de trabalhar lá para ajudar o Zack, faço isso porque adoro motores. Desmontar tudo, ver como funciona e, depois, remontar. - fechei os olhos - O barulho que fazem também é incrível.
A primeira vez que pilotei minha mota até Nova Jersey era uma tarde quente de verão, o motor era tão alto que meus ossos vibravam. Abri os olhos e vi que o olhar de Brunna estava fixado em mim. A agitação no fundo do meu estômago foi se transformando em algo maior. Era mais que atração. Era desejo. Estava faminta por ela, em todos os sentidos que se possa pensar. Respirei fundo para afastar a ânsia esmagadora de beijá-la.
- Que foi?
Limpei a garganta, a vontade de colar minha boca na dela crescendo como um maremoto em meu corpo.
- Nada.
Bem, isso era novidade. Não beijava as mulheres, em geral elas é que me beijavam. Na verdade, elas imploravam. Eu quis fazer coisas indescritíveis com Pêssegos desde que a tinha visto pela primeira vez. Mas beijá-la? Aquilo nunca tinha passado pela minha cabeça. Até agora.
- Então, o que você gosta de fazer quando não está se sujando de graxa?
O sorriso dela era tímido e lindo. Queria lamber o lábio inferior dela. Talvez chupá-lo.
- Gosto de tocar violão - meu tom de voz estava rouco - Ver TV, beber, andar de moto.
- É, notei seu capacete.
- Sim. Minha menina.
Pêssegos riu.
- Você e seus brinquedos.
- É isso aí.
Ela ficou arrastando o pé pelo chão.
- Meu pai tinha uma moto quando eu era nova. Adoro motos - é claro que ela adorava. Como se ela pudesse ser ainda mais perfeita. Deus! Soltei a fumaça e sacudi as cinzas para o lado - Melhor voltarmos lá para dentro.
Concordei com a cabeça e Pêssegos se afastou da parede. Segui-a de perto, observando o gingado delicioso de seu quadril enquanto entrávamos na biblioteca. De repente, do nada, um grandalhão barbudo com uma mochila enorme a acertou com tudo, fazendo-a voar longe. Consegui a segurar pela cintura, endireitando-a contra meu peito antes que ela caísse no chão.
- Droga! - assustou-se ela, agarrando meu braço.
- Preste atenção - falou o grandalhão sem nem sequer olhar para Brunna- Vaca cega!
Ele não acabou de falar aquilo! Dei três passos largos e segurei o pulso do homem, fazendo-o virar. O idiota fez uma careta quando apertei os pontos que sabia que iam doer bastante. Ele tentou se desvencilhar mas eu conseguia ser mais forte.
- O que é isso, garota?
- Oliveira- chamou Pêssegos, correndo para o meu lado.
Ignorei-a e girei o braço do homem ainda mais.
- Você vai quebrar meu pulso!
- E vou mesmo, se você não pedir desculpas a esta moça - o homem abriu a boca, mas nenhum som saiu - Peça desculpas - ordenei furiosa.
- Me desculpe - grunhiu ele, mas não o larguei.
- Oliveira,ele pediu desculpas. Deixe-o ir - pediu Brunna.
Sorrindo do medo nos olhos do idiota, apertei mais uma vez, para passar meu recado, antes de soltá-lo. O babaca tropeçou, pegou a mochila que tinha derrubado no chão e saiu correndo.
Pêssegos se virou, empurrando meu braço.
- O que foi que você fez?
Antes que pudesse responder, ela voltou como um furacão para a sala de leitura, pisando duro, os braços dobrados ao lado do corpo. Quando me aproximei dela, Brunna estava espalhando coisas pela mesa.
- O que foi que eu fiz? - repeti com a voz baixa. Ela não respondeu e arriou o corpo na cadeira - Você está brava? - perguntei, incrédula.
- Temos trabalho a fazer - respondeu ela, dando uma olhada dura para mim.
A minha irritação cresceu e cruzei os braços.
- Ei, eu fiz uma pergunta.
- Sim, estou brava - disse ela em voz baixa.
- Por quê?
- Por quê?
- Sim. Por que você está brava, afinal?
Sua ingratidão fez com que a minha pele se contraísse, ao passo que a raiva dela deixou meu pau duro como titânio.
- Estou brava porque você é uma idiota que parece ter esquecido que está em condicional e não consegue controlar o próprio temperamento - ela respondeu entre os dentes
Antes que Brunna pudesse respirar, me debrucei sobre ela, com as mãos apoiadas nos braços de sua cadeira, aprisionando-a.
- Terminou? - irritei-me, meus olhos penetrando nos dela - Me deixe dizer uma coisa a você, Srta. Gonçalves. Esse seu corpo ingrato estaria no chão da biblioteca se eu não tivesse segurado você e aquele idiota vai pensar duas vezes antes de tratar uma mulher daquele jeito de novo. Então não me dê sermão com relação ao que devo ou não fazer. Você é minha professora, não minha guardiã. Entenda isso de uma vez por todas.
O meu corpo estremeceu quando o olhar de Pêssegos desceu até minha boca. Droga, queria beijá-la, sentir seu gosto, perder-me nela e deixá-la completamente sem ar.
- Você está com medo? - ela balançou a cabeça. Tão teimosa - Deveria - avisei - Você não faz ideia do que sou capaz.
As pupilas dela se dilataram e os pelos do seu pescoço se arrepiaram. Observei-a, fascinada.
- Quando você terminar - informou ela em voz baixa - Temos trabalho a fazer - soltei lentamente os braços da cadeira. Olhei para o vermelho quente nas bochechas dela e me sentei, pegando o poema - Leia tudo - disse, com autoridade - Destaque as linhas, frases, palavras que você quiser e vamos discutir a respeito quando você terminar.
Uma hora depois, enquanto ela colocava suas coisas na bolsa, meu celular tocou e resmungando, atendi.
🌻Brunna Gonçalves🌻
- E aí? - ela revirou os olhos de um jeito bem-humorado - Sim, estou com a Srta. Gonçalves agora - sorriu - Sim, ela é... Sim, está indo bem.
Continuei guardando as coisas, dando uma olhada nas anotações que Ludmilla tinha feito no poema. Até a porcaria da letra dela era bonita. Era clara e fluía de uma curva para outra de maneira polida e calma. Que irônico. Observei-a disfarçadamente, lembrando-me da expressão assassina em seu rosto quando ela quase quebrou o braço de um homem por ter trombado em mim.
Estava muito claro que, por baixo da inteligência, da esperteza e do rosto atraente, se escondia algo sombrio e traiçoeiro. Não podia esquecer disso nem por um segundo. Ela me desequilibrava. Sua conduta inquietante me preocupava. Como ela podia mudar de uma pessoa tão charmosa e engraçada para alguém que se comportava como um animal?
Eu estava muito confusa. O desejo ardente por ela corria por minhas veias e, quanto mais tentava extingui-la, mais gostava dela. Olhei para a boca de Ludmilla, demorando na curva suave do lábio superior. Por uma fração de segundo, quando ela me prendeu na cadeira, realmente pensei que Oliveira fosse me beijar. E, por Deus, eu teria deixado.
- Sim, eu ligo para você - disse ao telefone - Até.
Ela encerrou a ligação e colocou o celular no bolso.
- "Srta. Gonçalves", é?
Ela deu de ombros.
- "Pêssegos" é meu apelido para você. Mais ninguém.
- Percebi - respondi, ignorando o tom possessivo na voz dela, apesar daquilo ter causado palpitações em meu peito.
- Bem, nossa aula na sexta - ela fez uma careta e puxou o gorro por cima das orelhas - Não vou poder vir - a decepção cutucou a minha garganta - Tenho minha primeira reunião com Giovanna. Harry vai também - explicou ela - Desculpe.
- Não é culpa sua. Isso só significa que vamos ter que agendar essas duas horas em outro horário.
Peguei a agenda na bolsa e virei as páginas até à data em questão. Oliveira pegou o capacete e ficou ao meu lado. Gunhi, frustrada.
- Não posso amanhã. Tenho uma reunião de trabalho e a biblioteca fecha às seis e eu não fiz um requerimento para que eles ficassem abertos... - divaguei, chateada.
- Isso não é problema.
- Na verdade, é - falei - Temos que cumprir nossas seis horas semanais, por determinação da condicional.
Ela ficou olhando para o chão.
- Bem, hum... O que você vai fazer no sábado?
- Sábado? - perguntei e Ludmilla jogou o peso do corpo de uma perna para outra.
- Si... Bom, sim.
- Não reservei a sala para sábado.
Ela bufou.
- Você está se fazendo de estúpida de propósito? Podemos nos encontrar no sábado, se você não tiver nada programado. Ir ao parque, ou algo assim, e estudar lá.
- Ao parque?
- É, mulher! Está brincando comigo, Pêssegos?
Sorri na mesma hora em que ela me fitou, desconfiada.
- Desculpe - respondi, dando uma risadinha - Só estou surpresa. Achei que a última coisa em que você pensaria seria estudar no sábado.
- Sou uma boa aluna, o que posso fazer? - bufei - Então - insistiu ela - Você está ocupada no sábado?
Olhei para ela, agitada. Seu rosto parecia ansioso, apreensivo e muito jovem. Não precisava checar a agenda. Sabia que estava livre.
- Não, não estou ocupada - respondi me arrependendo daquelas palavras que tinham saído com tanta facilidade de minha boca.
O sorriso no rosto dela era extasiante.
- Ótimo. Sábado, então. A que horas?
- Uma?
- Uma está ótimo. Entrada da Quinta Avenida com a Rua 59?
- Perfeito.
Ela enfiou o capacete embaixo do braço e gesticulou para que eu indicasse o caminho. Nós duas andámos pela biblioteca quase deserta e saímos na noite fria de Nova York. Descemos a escadaria frontal e virámos na calçada.
- Esta é a sua moto? - perguntei a ela, aproximando-me daquela máquina extraordinária.
- Ela mesma - respondeu fervorosamente - Kala.
- Kala?
- Fogo. Significa arte, também, mas foi da parte do fogo que eu gostei.
- Ela é linda.
- Obrigada.
- Sempre gostei da Harley Sportster 48 de 2010 - continuei - Era tão mais elegante que a Nightster. Motor mais rápido, também.
🍃Ludmilla Oliveira🍃
Puta que pariu! Meu queixo estava caido e meu pau ficando duro por debaixo da braguilha. Caramba! Observei sua mão pequena deslizar pelo banco de couro de Kala, ciente de que aquela era a coisa mais sexy que já tinha visto. Minha mente foi imediatamente tomada por imagens obscenas de Pêssegos nua em cima de Kala. Pêssegos pilotando Kala. As coxas de Pêssegos apertando minha cintura.
Gemi baixinho, no fundo da garganta. Em geral, quando uma mulher encostava na minha moto, ficava furiosa mas, de alguma forma, ver Pêssegos fazer isso me deixava de boca seca e pau duro.
- Você entende de motos - constatei.
- Não muito - disse ela, dando de ombros. Brunna encostou no guidão e eu lambi os lábios - Eu andava de vez em quando com meu pai, quando íamos para a praia nas férias, duas vezes por ano. Era minha época preferida com ele.
- Se você um dia... - apontei para a moto, sem palavras - Podemos. A praia não é tão longe.
Esfreguei uma mão na outra, como se isso pudesse explicar o que estava tentando dizer tão inarticuladamente.
- Um dia, talvez - murmurou ela.
- Vou cobrar de você.
O celular dela começou a tocar em seu bolso, estragando o momento.
- Vejo você no sábado - disse ela, afastando-se.
Passei a mão no peito, onde uma animação quente envolvia meus pulmões.
- Pode crer.
(....)
Na noite de sexta, Harry e Giovanna foram até meu apartamento para entreter-me com aquela balela usual sobre a reabilitação e sobre estar no espírito certo para fazer uma "contribuição valiosa à sociedade". Tive que reconhecer que não estava sendo tão ruim quanto temia. Ficamos em meu apartamento tomando café e discutindo meu trabalho na oficina, meus treinamentos com Niall e a terapia de controle da raiva que ainda precisava começar. Harry, enrolou por quase uma hora até tocar no assunto das aulas na biblioteca. Respondi às perguntas, contente por Giovanna ter recebido os relatórios de Pêssegos detalhando o progresso que tinha feito, enquanto me esquivava das encaradas desconfiadas de Harry.
- Então - Harry deu uma olhada para a porta do banheiro, onde Giovanna tinha acabado de entrar - Está tudo bem entre você e a Srta. Gonçalves?
- Sim - respondi, dando de ombros - Está tudo bem. Muito bem, por sinal - sorri - As aulas são... interessantes e fazemos muita coisa.
Ele inclinou a cabeça.
- E você está se comportando?
- É claro que estou me comportando. Por que não estaria?
Harry largou o café.
- Não foi isso que eu quis dizer, Ludmilla A Srta. Gonçalves já declarou, nos relatórios dela, que a sua atitude melhorou muito - fiquei um pouco surpresa com isso, considerando o que tinha acontecido com aquele gordo babaca e sua própria falta de educação - Ludmilla. Eu quis dizer... - ele abaixou a voz antes de continuar - Eu quis saber se vocês estão conseguindo prosseguir com as aulas numa boa, sendo só vocês duas.
Tentei encará-lo, mas apenas fitei as meias dos meus próprios pés.
- Não sou idiota, Harry.
- Eu sei que não - concordou ele - Mas você precisa entender as consequências de, você sabe, se... Se alguma coisa... - divagou ele - O contrato de não confraternização que ela assinou...
- Eu sei.
Sabia que Harry tinha visto em primeira mão a química entre mim e Brunna. Fiquei olhando para ele, lembrando silenciosamente o limite que me separava de minha professora. Por mais indefinido que tivesse se tornado, sabia que não deveria cruzá-lo. Mas estava disposta a ignorar as regras para ter Pêssegos para mim.
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