Capítulo 8- Que tal....Lud?
"Se for pra me perder, que seja em você".
🌻Brunna Gonçalves🌻
Organizei os cadernos e as canetas em pequenas pilhas em cima da minha mesa, dando uma olhada nos alunos enquanto eles eram escoltados para fora da sala de volta às suas celas.
- Belo trabalho hoje - elogiei Riley quando ele se aproximou com um sorriso tímido - Quem diria que Shakespeare aumentaria seu entusiasmo.
Estava explodindo de orgulho pela dedicação de Riley à minha redação. Ele vinha se esforçando tanto e, apesar de sua dislexia deixá-lo frustrado, era óbvio que era muito inteligente.
- É - ele deu de ombros - Não curto esse negócio de poesia, mas meio que gosto desse tal de William.
Ri e me debruçei na mesa, cruzando os braços.
- O que posso fazer por você, Riley? - ele pareceu nervoso e estalou as juntas ruidosamente
- Você sabe que a reunião de análise da minha liberdade condicional é na semana que vem, né? - assenti com a cabeça.
- Moore! - gritou o guarda atrás de nós - Acabou o tempo!
- Com licença! - rosnei, levantando-me - O Sr. Moore quer discutir algo importante comigo em relação ao seu aprendizado e não precisa que você - apontei um dedo acusador na direção do guarda - Fique gritando com ele enquanto isso - o guarda pareceu sem palavras. Ótimo! Voltei minha atenção para meu aluno - Desculpe, Riley. Continue.
Ele juntou as mãos.
- Hum... É, então, a reunião de análise da minha liberdade condicional é na semana que vem e eu estava pensando... - ele esfregou um pulso no outro - Digo, sei que você está ajudando Oliveira - disse, colocando o peso do corpo em cima do outro pé.
- O que você quer de mim, Riley? - perguntei de forma gentil, botando a mão sobre a dele em uma tentativa de acalmá-lo - Pode me pedir qualquer coisa, se eu puder, vou ajudar.
Os seus ombros pareceram desabar de alívio.
- Harry disse que você ia falar isso, porque você é legal e tudo o mais.
- Obrigada - agradeci com um sorriso em meus lábios.
- Você faria um... um relatório de personalidade na frente da banca? Você sabe, para me ajudar a conseguir uns pontos extras, dizendo que sou um cara incrível?
Apertei seu braço gentilmente.
- Com o maior prazer.
- Sério?
- Sim, sério - respondi com um tom de voz brincalhão.
- Você é do caralho, Srta. G! - gritou ele, abraçando-me com tanta força que quase me sufocou.
Aquilo me deixou feliz, estava a ajudar, a fazer a diferença e acredito que todos merecem uma segunda oportunidade na vida.
(....)
Atravessei, apressada, o corredor em direção à sala de aula, atrasada, mas animada. Estava muito ansiosa para perder a cabeça com Ludmilla mais uma vez. Tinha ficado pasma com o conhecimento que ela demonstrou na primeira aula. Sabia que ela era inteligente. Havia lido em sua ficha. Mas, nossa! Ela era mais que isso. Oliveira era inteligente e educada de uma maneira extraordinariamente sedutora.
Sorri para o guarda à porta e entrei, vendo Ludmilla parada no canto da sala, as mãos entrelaçadas e um cigarro quase no fim preso entre seus lábios. Aquilo era sexy para caramba. Seu rosto era severo e ficou ainda mais quando ela olhou para mim. Arrancou o cigarro da boca, fazendo com que as cinzas caíssem no chão.
- Olha só - zombou ela - Você está muito atrasada, pensei que já nem vinha.
Coloquei a bolsa na mesa, me contendo para não retrucar.
- Me desculpe - falei - Fiquei conversando com Riley e daí....
- O QUÊ? - gritou Oliveira, o que fez o guarda colocar a mão no cassetete em sua cintura.
- O quê? - repeti com calma, confusa com seu surto.
- E o que foi que ele disse para você, hein? - berrou, dando um passo gigantesco em minha direção.
Cruzei os braços, permanecendo firme diante da fúria selvagem no seu rosto. Porque ela estava agindo assim?
- Só conversamos sobre a vinda da sua agente de condicional na semana que vem - respondi - Ele quer que eu converse com ela sobre nossas aulas. Ele acha que meu envolvimento direto vai ajudar no seu requerimento.
Observei a ira nos olhos dela diminuir e seu peito começar a desacelerar. Seus seios apertados pela roupa laranja subiam e desciam mais lentamente. Sacudi a cabeça para afastar os pensamentos inapropriados. Principalmente aquele em que eu passeava a língua pela tatuagem, que me provocava sem misericórdia, no pescoço dela. Fiquei pensando até onde sua tatuagem iria...
Já chega Brunna Gonçalves!!
Retomei o foco e olhei para para ela.
- Oliveira, peço desculpas. Estou aqui agora, então podemos começar a trabalhar.
Soltei os braços ao lado do corpo, mostrando que não estava na defensiva, e apontei para a cadeira ao lado da mesa. Ludmilla passou a mão pelo rosto e se moveu até à cadeira, onde se sentou e apagou o cigarro.
- Então, que tipo de diversão você trouxe para mim hoje, Srta. Gonçalves? Porque, preciso lhe dizer, mal consigo me segurar de ansiedade.
- Primeiro... - falei, ignorando o seu sarcasmo - Eu quero dar uma analisada no trabalho que você fez para mim ontem.
- Ótimo - respondeu secamente, tirando outro cigarro do bolso.
Enquanto puxava minha cadeira para mais perto dela, Ludmilla fez um sinal para que o guarda lhe desse um fósforo, e foi o que o guarda fez. Ela deu uma longa tragada antes de soltar a fumaça, mas parou de repente ao perceber o quão próxima eu estava. Oliveira ficou olhando para mim enquanto me sentava, cruzava as pernas e revirava alguns papéis.
- O que foi? - perguntei. Com o cigarro ainda pendurado na boca, ela olhou para baixo, para o pequenino espaço entre nós, e então para o vazio que havia deixado do outro lado da mesa - Ora, por favor - zombei - Do que você tem medo?
Ludmilla puxou o cigarro da boca.
- Não, não estou com medo. Só estou surpresa.
- Surpresa?
Ela coçou o braço com o polegar.
- De ver como você esconde bem o seu medo.
Os meus olhos se estreitaram.
- Não tenho medo de você.
- Ah, Srta. Gonçalves, não me provoque - ela sorriu de um jeito sexy.
A encarei por um momento antes de me recostar na cadeira e cruzar os braços.
- E por que eu deveria ter medo de você?
Oliveira se inclinou pra frente na cadeira, soltando a fumaça pelo nariz, de modo que atingia seu lábio superior... Deus aquela mulher era completamente sedutora.
- Você deveria ter medo, Pêssegos - murmurou - Já fiz coisas que fariam sua linda cabecinha pirar, e você estando assim tão perto - ela apontou com o queixo para o espaço entre nós e nossos olhares se encontraram - Bem, me faz querer ser má de novo - o ar pareceu faltar nos meus pulmões. Ludmilla sorriu, aparentemente satisfeita consigo mesma, e se recostou na cadeira. Babaca arrogante - Presumo que você tenha gostado do meu trabalho, hein? - ela começou a ler meus comentários feitos às respostas dela.
- É... Eu, hum... Sim, é... O quê?
- Eu disse que você gostou - o canto de sua boca se curvou em um sorrisinho presunçoso - Então, vamos fazer alguma atividade hoje ou o quê?
Ainda envergonhada por ser incapaz de elaborar uma frase completa, puxei os papéis para mais perto enquanto me inclinava, colocando meu braço a um centímetro do dela. Podia sentir a excitação se espalhar por meu corpo todo. Consegui manter o braço naquela posição por uns sessenta segundos antes de ter que tirá-lo dali.
Pelos 45 minutos seguintes, assisti Ludmilla completar atividade após atividade, obediente e observadora. Seus tópicos de discussão eram perspicazes e o som da sua voz, à medida que se entusiasmava com o poema, fez meu estômago se contorcer da maneira mais deliciosa. Sua sobrancelha se enrugava de forma adorável quando ela se concentrava e seus olhos ficavam mais escuros quando eu dizia algo que a desafiava. Discutir com ela sobre métrica, imagens e metáforas era inegavelmente sexy. Uma espécie de preliminares acadêmicas que deixaram-me ansiando por mais.
Antes que percebesse, os guardas vieram para levar Oliveira de volta para a cela. Arrumei as coisas devagar, incapaz de refutar a sensação ruim que preenchia meu estômago ao pensar que não iria vê-la por dois dias.
Quando cheguei à porta, ouvi Ludmilla se levantar.
- Srta. Gonçalves?
Virei-me em sua direção.
- Sim, Oliveira?
O lado esquerdo de sua boca ergueu-se em um sorriso lindo.
- Até segunda.
(...)
Com um cartão de aniversário e um presente lindamente embrulhado em minhas mãos, entrei no restaurante italiano preferido de Patrícia no SoHo e ri quando vi minha amiga. Um adesivo enorme e brilhante, onde estava escrito VINTE E CINCO, cobria a lateral do seu vestido azul que ia até ao joelho, acompanhado por uma faixa de um azul mais intenso.
- Brunna, você veio! - gritou ela, animada, enquanto se aproximava.
- Claro, eu não perderia por nada! - Patty ficou parada como se estivesse em choque, me olhando de um jeito que fez-me esfregar nervosamente as mãos pela blusa de seda e a calça jeans preta - O que foi? Por que você está me olhando assim?
- Tem algo diferente em você - ela ofegou, depois sorriu - Você está toda radiante e... Caramba! Qual o nome dela?
A minha boca se escancarou, depois, bufei de leve.
- Deus, você está louca. Saia da frente - Patty seguiu o meu indicador que apontava na direção do bar.
- Só estou fazendo uma observação Brunna.
- Bem, prefiro que você observe isto aqui - sorri, entregando o presente para ela - É meu e da minha mãe.
A clutch vermelha da Hermès era exatamente o que Patty tinha pedido, de maneira não muito sutil, nos dias anteriores ao seu aniversário. Ela abraçou a bolsa contra o peito de um jeito fofo. Quem me dera que todos fossem tão fáceis de agradar.
Dei uma olhada na área do bar enquanto esperávamos por nossas bebidas.
- Kássia ainda não chegou? - Patty meneou a cabeça enquanto entregava uma nota de vinte ao bartender.
- Ela teve que trabalhar até tarde. Deve chegar logo.
- Essa vida de diretora financeira, hein? - constatei, sorrindo.
- Ela tem trabalhado tanto - disse Patty - Mal temos conversado nesses últimos tempos. Quando não estou corrigindo avaliações e preparando aulas, estou planejando o casamento, que decidimos que será no próximo verão. Aliás, você vai ser a madrinha.
- Ah, nossa - brinquei.
- Seja boazinha - repreendeu - Mas e você? Como anda a vida atrás das grades?
- Nada parecida com o que eu tinha imaginado.
Descrevi meus alunos incríveis e as aulas particulares com Oliveira, contando também os momentos de tensão com Corey e Ariana.
- Você parece feliz, Brunna - afirmou ela com sinceridade enquanto nós pegávamos as bebidas no bar - E a felicidade cai bem em você.
As minhas bochechas coraram.
- É bom finalmente estar fazendo algo que parece certo.
- Seu pai estaria orgulhoso.
- Acredito que sim. Estou ajudando e me sinto muito bem - contornei a borda do copo com o indicador.
- Então por que essa carinha? Qual o problema? - perguntou e hesitei em responder.
- Queria que minha mãe percebesse como estou feliz. Mal conseguimos ficar no mesmo recinto por cinco minutos, brigamos tanto - e aquilo doía - Ela está convencida de que alguma coisa vai acontecer comigo, em vez de confiar em mim e ficar orgulhosa. É como se o que faço não fosse bom o suficiente e eu estivesse fazendo tudo isso para irritá-la.
Patty apertou meu ombro.
- Ela sempre vai se preocupar, amiga. É isso que as mães fazem. Ainda mais no seu caso.
- Eu sei, mas...
- Tente, talvez, demonstrar um pouco mais de compreensão.
Cerrei os dentes. Eu não queria ouvir aquilo. Adorava minha amiga, mas a empatia constante dela em relação ao comportamento de Mia estava começando a encher meu saco.
- Então - falei, mudando de assunto - Além de trabalhar demais, como está Kássia?
- Está bem. Convidou a prima, Wynonna, para vir aqui hoje. Ela é CEO da empresa de telecomunicações, WCS Marvila. Divorciou-se no inverno passado e Kássia está determinada a colocá-la "de volta no mercado". Ela é muito legal e bem bonita.
Levei um momento para reconhecer o seu tom voz.
- Ah, não, não, não! - exclamei sacudindo a cabeça - Não preciso de mulher nenhuma agora.
- Hum. Se você diz... - ela fez uma careta de escárnio - Reivindicar sua castidade aos 24 anos está, tipo, na moda agora?
Empurrei Patty de forma brincalhona.
- Cale a boca!
Ela riu e seus olhos se arregalaram por cima do meu ombro.
- Ela chegou!
Patty atravessou o restaurante praticamente aos pulos e deu um beijo e um abraço em Kássia. Kássia era apenas alguns centímetros mais baixa que Patty. Usava calça jeans escura e uma blusa branca que mostrava a barriga.
- Bom ver você, Brunna - disse Kássia quando se aproximou - O que posso comprar para você be...
- Desculpem o atraso. O trânsito estava uma porcaria e o taxista era um tapado!
Virei-me na direção da voz e vi uma mulher bonita de estatura média.
- Brunna, esta é Wynonna Marvila, prima da Kássia - disse Patrícia - Wynonna, esta é minha melhor amiga Brunna Gonçalves.
- Oi - cumprimentei esticando a mão - Prazer em conhecê-la.
- O prazer é todo meu.
Ela era bem bonita. Tinha cabelos levemente encaracolados, olhos verdes e um sorriso charmoso. Mas não era aquilo que queria. Eu queria olhos castanhos, cabelos pretos rebeldes, um sorriso perigoso e ao mesmo tempo sensual.
- Então, o que você faz? - perguntou Wynonna, percebendo que a encarava.
- Sou professora - respondi rapidamente - De literatura inglesa.
- Que nem a Patty comentou ela - Isso é ótimo. Em que escola você dá aula?
- Na verdade, dou aulas no presídio Arthur Kill.
As suas sobrancelhas se arquiaram.
- Uau! - exclamou ela, dando uma olhada confidencial para a prima, que tossiu, um tanto desconfortável. Franzi a testa - Arthur Kill, hein? - refletiu Wynonna, os olhos ainda em Kássia - Que mundo pequeno. Nós conhecemos uma mulher que passou um tempo lá. Deve exigir certa paciência.
Concordei com a cabeça, a troca de olhares carregada entre Kássia e Wynonna estava me deixando bastante curiosa.
- Vamos lá - disse Wynonna, indicando a mesa - Me conte mais sobre isso.
(....)
🍃Ludmilla Oliveira🍃
Mal podia esperar pela manhã de segunda-feira e certificava-me de extravasar toda a minha energia nervosa no saco de pancadas que Niall segurava à sua frente.
Permitiram que entrasse na biblioteca da penitenciária no domingo à tarde. Após ouvir de Riley qual era a peça que a turma estava estudando, eu imediatamente encontrei um exemplar de O mercador de Veneza e alguns estudos analíticos sobre o texto, que li de uma ponta à outra durante a noite. Já tinha lido a peça antes e conhecia todas as personagens e seus dramas, mas, quando terminei, sabia que estava pronta para qualquer coisa que minha Pêssegos pudesse jogar em cima de mim. Não entendia o porquê, mas queria impressionar ela, mostrar que sou mais que uma detenta.
Neste momento me encontrava sentada à mesa da sala quando Brunna entrou. Cacete, ela estava linda. O cabelo estava solto e uma onda suave se formava na porção que emoldurava seu rosto. Por mais que eu adorasse o cabelo dela, adorava ainda mais ver seu rosto, e fiquei irritada por ele estar parcialmente coberto. Cruzei os braços para resistir à vontade de colocar aquela mecha para trás de sua orelha.
- Boa tarde, Srta. Gonçalves. Como vai você hoje? - ela parou, parecendo confusa com minha recepção.
- Estou bem, e você?
- Ah, estou otima.
Melhor agora que você chegou...
- Então, hoje vamos começar com Shakespeare - disse ela, observando-me com cautela enquanto pegava todo o material na bolsa e o dispunha na mesa entre nós.
- Beleza - respondi, repousando os braços na beirada da mesa.
Pêssegos remexeu novamente em sua bolsa e pegou um maço de Marlboro, que jogou para mim.
- Cale a boca - disse ela, brincalhona.
Sorri e puxei um cigarro, colocando entre os lábios.
- Sim, senhora.
Quando o cigarro estava aceso, Pêssegos novamente colocou sua cadeira ao meu lado. Estava um pouco mais preparada dessa vez, mas isso não impediu a pulsação de desejo que se espalhou por meu corpo quando ela cruzou as pernas. Brunna tinha pernas bonitas, com curvas em todos os lugares certos. E não eram magricelas. Havia carne suficiente ali para apertar. Para chupar....
- "O mercador de Veneza" - disse Pêssegos, colocando a peça na minha frente - Me diga o que você sabe - pediu ela, apoiando o rosto na mão.
Mexi-me na cadeira.
- Ambientada na Itália, é classificada como comédia, mas muitos acham que é uma tragédia por causa do tratamento do protagonista, Shylock.
Peguei o livro e o folheei.
- Quem é Shylock?
- Shylock é um agiota que por acaso é judeu em uma sociedade shakespeariana predominantemente cristã. Pior para ele.
Pêssegos riu.
- Acho que é mesmo. Estou interessada, contudo, em por que você diz que é uma tragédia. O que é trágico em relação a Shylock?
- Ele é classificado como vilão por causa de sua religião.
- Ele é classificado como vilão por causa de suas cobranças de pagamento por um empréstimo - retrucou Pêssegos.
- Besteira - continuei, com o indicador pressionando o meio do livro - As cobranças que ele faz são justas.
- É mesmo? Exigir uma libra de carne para sanar uma dívida monetária é justo?
Suspirei. Ela não fazia ideia de como suas palavras eram relevantes para mim e para a vida que levava.
- Se você não pode pagar uma dívida, não deveria dar sua palavra - os meus olhos admiraram uma mecha de cabelo que caía sobre a bochecha dela. Fiquei imaginando como seria senti-la entre os dedos - Sua exigência de uma libra de carne pode parecer macabra - continuei - Mas a maneira como ele é injuriado por causa de sua religião é ainda mais. Ele é insultado por conta de sua fé, a cobrança que faz simplesmente reforça isso. A cobrança é esperada por causa do preconceito dos babacas de mente limitada em volta dele.
Ela ficou olhando para mim de uma maneira que fazia meu estômago embrulhar.
- Você entende bastante de dívidas?
- Entendo - respondi - Você entende?
- Sei como é dar sua palavra a alguém - disse Pêssegos após um momento. Os olhos dela repousaram no livro, aberto na fala mais infame de Shylock - Sei como é cumprir sua palavra porque você não tem outra escolha, pois ama tanto aquela pessoa que seria uma tragédia se não fosse até ao fim.
E foi então que aconteceu. Não consegui me conter. Era como se meu corpo estivesse agindo por conta própria, atraído por ela, desesperado por tocá-la. Ela parecia tão triste. A minha mão se moveu lentamente em direção ao seu cabelo e coloquei aquela mecha atrás de sua orelha. Mal conseguia respirar quando meus dedos tocaram aquela pele macia.
O guarda perto da porta pigarreou e Brunna instantaneamente se recostou na cadeira e passou a mão no local que eu tinha tocado. Esfreguei as pontas dos dedos na coxa para diminuir o calor que permaneceu ali.
- Eu... Merda - murmurei, pegando outro cigarro - Eu não devia. Desculpe - acendi o cigarro e traguei três vezes seguidas - Você só... Você parecia chateada, sabe, e... Droga. Eu não... Tudo o que eu queria era fazê-la se sentir melhor...sorrir, talvez.
- Oliveira - disse ela, colocando a mão em meu ombro carinhosamente. Os meus olhos foram de encontro aos seus, castanho no castanho, sem dúvida a melhor combinação - Está tudo bem - ela deu um sorrisinho - Eu gostei. Obrigada.
- Tá - respondi - Tá. Tanto faz. Beleza.
Ela soltou meu ombro depois de dar um aperto tranquilizador e puxou o livro para mais perto.
- Vamos continuar?
Grunhi e esfreguei as mãos no rosto.
- Manda ver nessas coisas aí do Shakespeare, Pêssegos.
- Pêssegos? - perguntou, abaixando o rosto - Você fica me chamando disso. De onde veio?
Comecei a sentir certo pânico.
- É, hum... - brinquei com o maço de cigarros - Não sei. Por quê? Você se ofende?
- Não, só estou curiosa.
Traguei o cigarro lentamente.
- Posso chamar você de Srta. Gonçalves, se preferir.
Ela ficou em silêncio por uns segundos.
- Não - respondeu por fim - A maioria das pessoas me chama de Brunna, mas acho que você pode me chamar de Pêssegos. Com uma condição.
- Qual condição? - perguntei com um sorriso pervertido.
Ela cruzou os braços, pressionando os seios para cima de um jeito que era fantástico em todos os sentidos.
- Se eu puder chamar você de Ludmilla - fiquei olhando para ela.
Cacete. O meu nome nunca tinha soado tão suave, tão... bacana.
- Eu... Isso é... Não tenho certeza. Quero dizer, só o Harry me chama pelo nome - gaguejei, jogando o cigarro no cinzeiro - Não sou... Ai...
Coloquei as duas mãos na cabeça. Como podia explicar o ódio por meu nome? Aquela era uma história longa e deprimente.
- Tudo bem, eu entendo - disse ela, tocando meu ombro direito - Na verdade, em vez disso, talvez deva dar a você um apelido. Que tal... Lud?
A gargalhada que explodiu de dentro de mim foi uma sensação nova e fantástica. Pêssegos riu junto comigo. Deus, ela ficava linda quando ria. O rosto se iluminava e os olhos se espremiam, quase sumindo. Estava embasbacada.
- Bem, chega disso - ela sorriu - Vamos trabalhar.
Os tópicos de discussão que ela levantou induziram a debates acalorados, que ambas curtíamos mais do que deveríamos. Nós discutíamos e questionávamos uma à outra, mas o clima foi divertido, leve e, não podia negar, sexy pra caramba.
- Merda - xingou Pêssegos, me pegando de surpresa - Está tarde.
Dei uma olhada no relógio. Nós tinham passado 25 minutos do horário.
- O tempo voa quando estamos nos divertindo, né? - brinquei. A piscada que dei para ela fez suas bochechas corarem - Você, hum, tem um encontro ou algo assim? - perguntei enquanto ela se apressava, jogando todas as suas coisas na bolsa.
- Ah, não! - ela balançou a cabeça vigorosamente - Não tenho um encontro. Estou... estou solteira.
Ela se calou e fechou os olhos por um instante. Mal podia esconder minha alegria. Ou alívio. Brunna não pertencia a ninguém.
- Ei, Srta.Gonçalves - chamei com um sorriso enquanto ela atravessava a sala com suas coisas - Gostei de hoje.
- Eu também - respondeu, com o mesmo sorriso - Ah, Lud... - ela se virou para mim enquanto o guarda abria a porta - É Pêssegos.
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