Capítulo 10- Porra
"Estranho seria se eu não me apaixonasse por você".
🌻Brunna Gonçalves🌻
Quem não conhecia Mirian Gonçalves em pessoa a considerava fria e arrogante. Mas ninguém, nem mesmo aqueles que não gostavam dela, podiam negar sua força. Quando sete delinquentes totalmente chapados assassinaram cruelmente meu pai, o senador Jorge Gonçalves, ela se manteve impassível em público. Ouviu os pêsames de eleitores, de estranhos e de muitos colegas de trabalho dele com uma expressão tranquila e um aceno de agradecimento. Todos ficaram maravilhados com sua compostura. Mas, no fundo, sabia que ela estava morrendo.
Seu coração tinha sido arrancado do corpo, deixando um buraco que não podia ser preenchido com as palavras de empatia ou o toque dos entes queridos. Jorge era tudo para ela, e quando soube que ele tinha morrido, tendo sido espancado com tanta violência que acabou sofrendo um derrame cerebral, minha mãe considerou tirar a própria vida para ficar com ele.
Uma saída fácil, egoísta e desesperada. Por semanas após sua morte, Mia se deitava na cama que eles dividiram e chorava. Ela gritava, berrava, jogava coisas, batia em coisas, batia até em si mesma, mas a dor permanecia. O buraco era grande e cavernoso e nada podia estancar sua dor a cada vez que abria os olhos e percebia que seu marido ainda estava morto.
Nada, exceto eu.
Eu que tinha testemunhado o assassinato do meu próprio pai, estava calada, pálida e desesperada para que minha mãe me dissesse as palavras que me tirariam da dor que me consumia por completo. Mirian hoje sabia que tinha sido egoísta em seu próprio luto, ao ponto de não perceber que precisava dela, assim como ela precisava de mim. Mesmo assim, ela mal conseguia olhar em minha direção. Aquilo estraçalhou ainda mais meu coração e contribuiu para a crença de que minha mãe me culpava pela morte de Jorge.
Devia ter parado aqueles homens maus, devia ter protestado. E, se aquela desconhecida não estivesse lá, talvez tivesse conseguido. Os angustiados "se" de uma menina de 9 anos cujo o único desejo era ver seu pai entrar pela porta novamente. Durante a terapia, Mia começou a perceber o que estava fazendo comigo. Ficou devastada ao saber que eu acreditava que era a culpada. Minha mãe prometeu que sempre me protegeria, pelo resto da vida. Infelizmente, assim como a aparência do meu pai, tinha herdado sua determinação. Era teimosa ao extremo e, quando decidia alguma coisa, nunca titubeava. Sei que doía em minha mãe ver-me ignorar suas preocupações com tanta facilidade. Ela tentou incansavelmente, embora sem sucesso, me afastar do caminho que escolhera em tabalhar na prisão.
- Mãe, parece que você está sofrendo de gases. O que foi?
O olhar cortante de Mia atravessou toda a sala de meu apartamento no Upper East Side até chegar em mim.
- Não precisa ser grosseira. Eu só estava pensando - ela balançou sua taça de vinho - Como está Kássia?
Dei de ombros.
- Está bem. Ocupada. Ela virá hoje à noite com Patrícia.
Minha mãe deu um suspiro melancólico enquanto eu acabava de arrumar o cabelo e olhava para meu novo vestido de aniversário.
- É maravilhoso que elas estejam estabelecidas, casadas e tenham empregos respeitáveis.
Respirei fundo, largando os braços ao lado do corpo.
- Sei que você está desesperada para ter netos, mãe, mas podemos adiar isso só mais um pouquinho até eu me estabelecer? - ela pegou sua taça e tomou um gole de vinho - E minha profissão é respeitável. Sou professora.
Ignorando a réplica quanto à minha profissão, ela riu.
- Ah, querida, por mais que eu deseje ter netos, só quero que você seja feliz e fique com alguém que cuide e ame você. Não tem pressa, você é nova - ela fez uma pausa - Mas não existe ninguém em quem você esteja interessada?
Evitei o olhar de minha mãe enquanto pegava a bolsa. Minha mente projetou a imagem de Ludmilla sorrindo maliciosa e com seus olhos mais marrons
que o normal.
- Não. Estou feliz assim. Em todos os aspectos da minha vida - respondi afastando aquela imagem de minha cabeça.
Mia ficou olhando para mim, me analisando.
- Espero que sim.
(....)
O restaurante espanhol no TriBeCa no qual tinha escolhido comemorar meu aniversário de 25 anos era perfeito. Sentei-me em uma grande mesa redonda com meus amigos e minha família, bebendo vinho e petiscando os pães deliciosos servidos. Fiquei à esquerda de minha mãe, quieta, mas atenta, enquanto Kássia, Patrícia, Larissa, Beth e Adam, que Deus os abençoe, tentavam, com suas piadas, amenizar o clima tenso entre nós duas.
- Oliveira conseguiu a condicional? - perguntou Larissa e eu concordei - Isso é ótimo, Brunna!
Ela ergueu a taça de champanhe. Ri e fiz o mesmo, ignorando a expressão de desdém que passou pelo rosto da minha mãe.
- Então, quando começam suas aulas particulares? - perguntou Patty.
- Aulas particulares? - interveio minha mãe, seus olhos escuros brilhando - Que aulas particulares?
- Brunna vai dar aulas para essa... Oliveira três vezes por semana - respondeu Larissa, os olhos fixos nos aperitivos à sua frente - Nenhum segurança, nem nada.
Vi Mirian ficar branca.
- O quê?
Legal, Larissa! Respirei fundo, contando até dez em silêncio, numa tentativa de manter a calma.
- Faz parte da condicional de Oliveira, mãe - respondi, franzindo a testa para Larissa - Pouquíssimos tutores têm a oportunidade de fazer isso. É importante. Você deveria se orgulhar.
Minha mãe me olhou com cara de espanto.
- Eu ficaria mais orgulhosa se você desse aulas para crianças de classe média em uma escola do ensino fundamental. Sério, Brunna Gonçalves - ela colocou a taça na mesa - O que faz essas pessoas, esses oficiais da penitenciária, pensarem que colocar minha filha em perigo vai mudar esses monstros em alguma coisa?
- Não estou em perigo - garanti mais uma vez.
- Seu pai pensava o mesmo. Ele era a favor de fazer campanhas e ajudar os menos favorecidos, e veja o agradecimento que recebeu.
Meu coração palpitou dentro do peito.
- Ludmilla não é como eles. Está tentando melhorar - meu tom de voz agora era alto.
- Não ignore minhas preocupações, Brunna.
- Ela tem o direito de se preocupar, Brunna. Todos temos - complementou Kássia.
Patty colocou a mão em meu ombro. Abri a boca para perguntar que diabos minha amiga pensava que estava fazendo.
- Você é minha filha - disse Mia antes que pudesse falar - E eu tenho o direito de me preocupar com o que você faz.
As palavras de Mia reforçaram ainda mais a minha determinação
- Sim e é o jantar de aniversário da sua filha. Então será que dá para deixar isso de lado hoje? - fechei os olhos, controlando a raiva - Entrei em contato com a biblioteca da Rua 42 para reservar a sala de leitura. Oliveira será solta na terça. Nossa primeira aula será uma semana depois disso.
- Bom, essa é uma ótima notícia - disse Patty antes que Mia pudesse falar mais alguma coisa.
Patrícia sorriu empaticamente para mim. Fitei-a agradecida antes de virar os olhos para Kássia, que estava cochichando com Adam. Que diabos estava acontecendo? É claro que Kássia sempre tinha falado bem da minha mãe, sempre dando força para aquela superproteção prepotente dela, mas aquilo era outra coisa.
Kássia pigarreou.
- Wynonna chegou - disse ela, enquanto sua prima vinha na direção da mesa, para meu enorme constrangimento, com um lindo embrulho.
- Oi, pessoal - Wynonna apertou a mão de Kássia e baixou o tom de voz - Acabei de sair de uma ligação com Casari. Eles são nossos.
O rosto de Kássia ficou severo.
- Wynonna, eu disse para você, cuidado com...
- Depois - protestou sua prima. Ela deu um abraço em Patty e se virou para mim - Feliz aniversário - disse, colocando o presente na minha frente.
Ela se abaixou e deu um beijo em minha bochecha.
- Wynonna, você realmente não precisava...
- Besteira. É só algo que me fez pensar em você quando vi em São Francisco. Abra, por favor.
- Vou abrir. Wynonna, esta é minha mãe, Mirian Gonçalves, e o companheiro dela, Harrison Day. Mãe, esta é Wynonna Marvila.
Os olhos de minha mãe se arregalaram quando Wynonna beijou sua mão.
- É um prazer - cumprimentou ela antes de apertar a mão de Wynonna e se sentar ao meu lado.
- Certamente. Uma mulher jovem com boas maneiras - murmurou minha mãe, dando uma olhada para mim - Algo muito raro nos dias de hoje.
Bufei e revirei os olhos. Comecei a rasgar o papel roxo e encontrei uma grande caixa transparente, que continha um lindo globo de neve. Em vez de flocos de neve em torno da miniatura da Golden Gate Bridge, milhões de pequenas estrelinhas e pedacinhos de cristal giravam e brilhavam à medida que rebatiam a luz.
- É maravilhoso - suspirou Kássia.
- É mesmo - concordei - Obrigada.
- De nada.
Ela me beijou novamente, mantendo os lábios em meu rosto um pouco mais de tempo do que antes. Wynonna foi, mais uma vez, uma ótima companhia. Mas ainda havia algo errado. Havia um certo desconforto, um mal-estar indefinível dentro de mim e tentava ignorá-lo, mas não conseguia.
(....)
Em pé na calçada do lado de fora do restaurante depois do jantar, Patty me deu um abraço caloroso.
- Feliz aniversário. Nossa, sua mãe estava atacadíssima hoje. Ela precisa diminuir a dose.
Ri no ombro dela.
- Ela é um pesadelo
- Sim - concordou - Acho que sua mãe está um pouquinho impressionada com Wynonna - Patty deu uma olhada para Wynonna, que conversava amigavelmente com Mia. O rosto de minha amiga ficou sério - Eu sei que ela é prima da Kássia mas se você precisar de qualquer informação a respeito dela, é só me ligar, tá? Segredinhos obscuros são minha especialidade. Além disso, eu teria uma desculpa para brincar no Google.
Ela deu um sorriso malicioso quando a empurrei de leve e virei-me para Kássia.
- Por favor, leve sua mulher para casa e a sufoque com o travesseiro - ela riu, pegando a mão de Patty - Venham jantar comigo em breve - falei - Vou fazer minhas almôndegas especiais.
O abraço que dei depois em minha mãe era no mínimo constrangedor.
- Feliz aniversário, Brunna. Me ligue. Amanhã. Assim que você chegar em casa do trabalho com aqueles... Só me ligue.
Segurei-me para não revirar os olhos.
- Vou ligar. Até mais.
Abracei e beijei também Kássia e Patricia.
- Está tudo bem? - perguntei às duas.
- Sim - respondeu Patty com um sorrisinho.
Kássia concordou com a cabeça.
- Apenas cansadas - Kássia deu uma olhada para Wynonna - Talvez minha prima possa levar você para casa, que tal?
Ela piscou de modo conspiratório, apontando de forma sutil para Wynonna, a poucos passos dali, e a chamou. Sua prima riu quando corei e meneei a cabeça. Ficamos paradas na calçada, sem saber o que fazer em seguida.
- Posso dar uma carona a você? - perguntou ela, apontando em direção ao carro.
- Claro - concordei.
O Range Rover era espaçoso e tinha cheiro de perfume.
- Você tem bom gosto para música - reparei, o CD tocando uma música boa atrás da outra enquanto nós atravessavamos o trânsito da cidade.
- Obrigada - respondeu - Não consigo curtir muito, só quando estou no carro.
Ela olhou para mim por um instante.
- Foi boa sua viagem para São Francisco? - perguntei e Wynonna arqueou uma sobrancelha.
- Fui a trabalho. Não importa onde você esteja no mundo, se precisa trabalhar, nunca é bom.
- Suponho que sim. Apesar de que tenho certeza de que não seria tão ruim se fosse nas Maldivas ou no Caribe - brinquei e ela riu.
- É verdade - continuou ela - Fechei um acordo grande. Também pensei em você. Muito.
Fiquei olhando para as mãos, sem dizer uma palavra. Nós tinhamos trocado muitas mensagens desde aquele primeiro encontro. Ela nunca forçou a barra, sempre foi uma cavalheira. Mas ouvi-la falar assim era um pouco diferente.
- Desculpe - disse ela - Rápido demais?
Respondi meneando lentamente a cabeça. Nós passamos o restante do trajeto assim, confortavelmente felizes em dividir o silêncio quando a música parou. Ela estacionou o carro e desligou o motor ao chegarmos no meu prédio. Tirei o cinto de segurança devagar e peguei a bolsa e os presentes de aniversário aos meus pés.
- Obrigada - falei enquanto colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Meu estômago parecia pesado. Limpei a garganta e tentei afastar aquela sensação esquisita.
- Sem problemas - respondeu - Eu me diverti.
- Eu também.
Ela sorriu para mim.
- Sei que só nos encontramos duas vezes, mas adorei cada minuto - como sempre, o olhar dela era firme - Tudo bem se sairmos para jantar algum dia?
Hesitei um pouco.
- Isso... me parece ótimo.
Ela sorriu, deixando seu rosto mais ameno. Minha respiração ficou presa na garganta enquanto ela se aproximava lentamente. Não sabia ao certo se conseguiria. A sensação de querer sair correndo, me fez tremer. Ela parou, o rosto a poucos centímetros de mim.
- Brunna - murmurou ela antes de chegar ainda mais perto.
Aquela sensação no estômago reapareceu. Pisquei lentamente e me afastei, tentando clarear a mente. Aquilo não era para mim. Apesar de Wynonna ser linda e inegavelmente charmosa, eu não conseguia.
- Acho que devemos diminuir o ritmo - disse me recostando no banco.
Wynonna suspirou e esfregou as mãos no rosto, pedindo desculpas por trás delas.
- Não peça desculpas - respondi - É só que... Talvez devêssemos ir devagar.
- Por mim, podemos ir devagar.
- Ótimo - puxei o trinco da porta - Obrigada pela carona. Boa noite.
- Boa noite, Brunna.
Ainda estava atordoada quando atravessei o lobby de meu prédio e, a princípio, não ouvi Fred, na portaria, chamar meu nome.
- Srta. Gonçalves! - Fred acenou para chamar minha atenção antes que chegasse ao elevador.
- Sim, Fred? - respondi e ele se aproximou em passos rápidos.
- Boa noite, Srta. Gonçalves - ele sorriu - Tenho um pacote para você. Foi entregue esta tarde - ele tirou, debaixo do balcão, um pacote quadrado, muito bem embrulhado em papel marrom - Não peguei o nome da moça, mas um homem disse que era importante que você recebesse isto.
Fiquei olhando curiosa para o pacote.
- Obrigada, Fred.
(...)
Ao entrar em casa, larguei tudo no sofá, coloquei uma calça de moletom e peguei um copo de suco de maçã antes de me acomodar no canto do sofá de pernas cruzadas.
Assim que peguei o misterioso pacote marrom, meu celular anunciou uma mensagem.
Wynonna: Adorei a noite.
Recostei-me no sofá e suspirei.
Eu: Eu também. Obrigada pelo presente. É lindo.
Wynonna: Um presente lindo para uma mulher linda.
Ainda não tinha pensado em uma resposta quando outra mensagem dela chegou.
Wynonna: Estou ansiosa pelo nosso jantar. Feliz aniversário, Brunna. Bons sonhos. Boa noite.
Deixei o telefone de lado. Aquela sensação esquisita no estômago retornou com toda a força. Coloquei a mão sobre o ventre, tentando afastá-la.
Que ridículo. Wynonna era ótima. Era uma mulher bacana e correta e não deixaria, de jeito nenhum, que uma sensação boba e inexplicável me impedisse de experimentar algo que poderia ser incrível. Já fazia tempo demais desde o último relacionamento que tive, e merecia um pouco de felicidade.
Decidida, estava começando a tomar o suco de maçã quando meus pés esbarraram em alguma coisa. Olhei para baixo e vi o pacote marrom que Fred me tinha entregado.
- O que é isso?
Segurei-o e começei a rasgar o papel. Um gritinho saiu de minha boca quando percebi o que era. Fiquei com os olhos cheios de água ao fitar o exemplar da primeira edição, de 1937, de Walter, the Lazy Mouse.
- Como? Oh, Deus.
Abri o livro e vi uma mensagem curta, escrita na parte interna da capa:
Pêssegos.
À conquista de qualquer coisa a que você se dedique, não importam os obstáculos.
Feliz aniversário.
Ludmilla Oliveira.
Desta vez meu coração não batia estranhamente de dor e sim como um louco apaixonado.
Não pode ser, não posso estar gostando dela...
Porra!
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