7 - Afabilidade
Gabi permaneceu no corredor, esperando do lado de fora até que alguém viesse em seu socorro. Ela poderia ter fechado a porta e deixado o assunto para ser resolvido por qualquer um dos responsáveis, mas não quis parecer uma delinquente fugindo da cena do crime.
Não demorou nem cinco minutos, o alarme parou de soar. Gabi esperou para ver quem viria atualizar o sistema de vigilância e, para o seu alívio, não foi o irmão do mal.
— Pablo, peço desculpas!
— O que você ainda estava fazendo na empresa, a essa hora? — ele questionou. Não soou como uma reprimenda, foi mais por curiosidade.
— Eu não vi a hora passar. Estava cuidando da bagunça do arquivo.
— Sei... E você decidiu arrumar aquilo sozinha?
— Sim, ué. Não podia?
Pablo a fitou com um meio sorriso nos lábios.
— Geralmente as pessoas evitam mais trabalho, não procuram.
— Não vi problema em ajudar. Na verdade, eu gosto de organizar coisas.
— Certo. Eu agradeço.
— Por fazer você sair da sua casa para resolver a burrada que fiz? — ela tentou parecer descontraída, mas ficou envergonhada pelo linguajar. Pablo era sempre tão educado...
— Relaxa. Eu nem estava em casa.
Ela segurou a língua antes de perguntar onde ele estava. Constrangida pelo momento "não-sei-onde-enfiar-as-mãos", decidiu encerrar o assunto.
— Bem, acho que vou embora, agora.
— Quer que eu te leve?
Ela ficou nervosa. Não queria ser deselegante recusando gratuitamente a carona, nem ousada demais aceitando logo de cara.
— É só uma estação de Metrô; não quero atrapalhar mais.
— Não vai atrapalhar e, de qualquer maneira, está no meu caminho.
— Você sabe onde eu moro? — perguntou, mas logo se sentiu meio imbecil. Era lógico que ele sabia onde ela morava.
— Mais ou menos. Te deixo lá, ou no caminho. Vamos?
Sem mais argumentar, ela o seguiu até o elevador. Um silêncio constrangedor perdurou até o momento em que deixavam a garagem do prédio na BMW X1 de Pablo. Gabi recostou no banco ergométrico e até fechou os olhos de prazer quando aspirou a mistura de couro, carro novo e perfume masculino.
— Tudo bem? — ele perguntou.
— Sim! Nunca entrei num carro tão confortável antes.
Ele sorriu, mas não comentou nada e ficou sério logo depois. Gabi não soube dizer se ele estava constrangido, contrariado ou entediado, pois evitava olhar para ela. Fizeram todo o restante do trajeto em silêncio até o momento em que ele estacionou na porta da pensão.
— Entregue! — Ele soltou o cinto, depois virou-se para ela.
— Certo. Muito obrigada! — Quando abriu a porta para saltar do carro, ouviu a voz de Pablo atrás de si.
— Gabi... Espera.
Ela se voltou para ele e aguardou. Ele parecia tenso, mas ela não sabia muito bem o que fazer ou o que falar sem parecer intrometida.
— Fala, Pablo. Pode falar.
— Você já comeu?
— Ainda não, mas tenho comida pronta.
— Eu... Bem, você gostaria de comer alguma coisa comigo?
— Pablo... — ela realmente não sabia o que responder. Gostava muito dele, mas tinha medo de cruzar algum limite indevido.
— Olha, eu sei o que pode parecer — ele logo se pronunciou —, mas eu só quero bater um papo, se não se importar. Não precisa ser nada demais.
Gabi ponderou. Não queria dispensá-lo, contudo tinha medo de causar uma impressão errada. As palavras de Nay a respeito da ex-noiva dele voltaram à sua mente, e era preocupante que Pablo fosse alguém tão dedicado e atencioso a ponto de abalar suas intenções. Por mais que se sentisse atraída, seus medos, traumas e inseguranças a tornavam incapaz de se envolver emocionalmente.
— Podemos apenas caminhar e comer um hot-dog ou algo assim? — ela sugeriu.
Ele deu o maior sorriso do mundo e desceu do carro. Inebriada pelo efeito daqueles dentes brancos e pelo brilho dos olhos azuis, ela o seguiu, e ambos caminharam por algum tempo até uma região próxima ao Metrô. Ali, compraram hot-dogs num truckfood e se acomodaram num banco de praça.
— Obrigado, Gabi. Acho que eu só precisava espairecer um pouco. Tem muita coisa na minha cabeça e eu me sinto a ponto de explodir.
— Tem algo que eu possa fazer? — A pergunta foi sincera. Ela realmente queria fazê-lo se sentir melhor.
— Só de ficar comigo um pouco já me fez sentir melhor. Sua presença é leve e divertida; você não exige nada, não espera nada, e isso é... Reconfortante.
Eles ficaram calados por um tempo, até que Gabi teve coragem de falar.
— Já tem alguns dias que você anda tenso. Tem a ver com o seu irmão?
— Pfff. Se fosse apenas ele...
— Não quero me intrometer, mas... Essas questões entre vocês, não têm solução?
— Se você soubesse o quanto é complicado... Enfim, o que eu menos quero é falar do meu irmão.
Gabi aquiesceu, mas ficou matutando. Talvez, se conhecesse um pouco mais sobre a história deles, pudesse entender o enigma que envolvia essa rixa.
— São só vocês dois? Digo, de irmãos?
Pablo fechou o semblante e parou imediatamente de comer. Gabi não entendeu como uma pergunta tão simples podia causar ainda mais tensão. Achava que estava transitando num terreno neutro, mas aparentemente, a coisa era mesmo complicada na família De Santis.
— Éramos três. Hoje, somos dois.
Certo. Assunto errado. Gabi queria que o chão se abrisse e que ela caísse nos trilhos do trem da estação logo abaixo. Que merda!
— Sinto muito.
— Pois é... Enfim, minha família não é muito grande. Tem minha mãe, em breve você irá conhecê-la. Ela é CEO da agência, mas mora fora do Brasil. Quando vem para cá, fica apenas por algumas semanas, então volta para a Alemanha. A agência tem um braço por lá.
— Que bacana! Não podia imaginar! — Ufa! finalmente um assunto leve.
— Legal, não é? Ela é excepcional. Além dela, tem minhas sobrinhas: Laís e Isis. Elas têm cinco anos, e são um misto de anjo com ciclone extratropical.
Gabi deu uma gargalhada, que morreu rapidamente quando a pergunta ficou parada na ponta da língua.
Filhas de quem?
Não teve coragem de perguntar. Qualquer resposta seria incômoda, ao menos para ela.
— Seu pai...?
— Ele faleceu, tem dois anos.
— Sinto muito...
Gabi esperava não ter que falar mais nenhum "sinto muito" pelo resto da noite.
— Ele tinha câncer. De certa forma, era esperado, e não temos do que nos queixar, pois pelo prognóstico, ele viveu bem mais do que o previsto. Eu lidei um pouco melhor com a perda, não que não tenha sofrido, mas entendi que o tempo dele tinha acabado e que partiu em paz. Felipe já não aceitou muito bem. Isso e outras coisas explicam muito do comportamento dele hoje em dia.
Gabi sentiu um misto de contentamento por notar que Pablo parecia bem mais tranquilo e comunicativo, e desconforto pela forma como a informação sobre Felipe se insinuou entre eles e abalou seus pensamentos, atrapalhando o momento agradável que desfrutava com o homem ao seu lado.
— Por que ele não gosta de mim? — Mais uma vez, a pergunta fugiu de seus lábios antes de ser processada pelo cérebro. Ela adoraria saber em que galáxia orbitava seu bom-senso.
— Como assim? De onde tirou isso?
— Você viu como ele me trata. É óbvio que não gosta de mim.
— Não conclua nada apenas pelo que vê. Felipe é complicado.
— Ele por acaso tem algum tipo de preconceito, por eu ser apenas uma... faxineira?
— Eu já disse que não quero falar sobre ele!
Gabi notou irritação na voz de Pablo. Já o vira irritado, mas nunca com ela. Isso a aborreceu e a fez mais uma vez culpar o irmão do mal.
— Desculpe-me...
Pablo ficou um longo tempo quieto, subitamente interessado no luminoso à beira da avenida, que repetia as mesmas propagandas randomicamente. Gabi se perguntou se alguma delas havia sido feita pela Limonada. Por fim, Pablo soltou um longo suspiro e voltou a falar.
— Felipe é arredio com tudo o que o amedronta. É o jeito que ele vive. Infelizmente, acaba fazendo vítimas pelo caminho.
— Complicado... — ela estava a quilômetros de entender o que Pablo queria dizer.
— Só... fica longe dele. Eu já tentei ajudar, minha mãe, todos tentamos, mas ele sempre volta aos mesmos dilemas. É impossível alcançar uma pessoa que prefere chafurdar na lama.
— Ele não me parece tão enlameado... na real, acho que ele não passa de um presunçoso insensível.
— Você não deveria falar assim dele. Ele continua sendo o seu patrão.
De repente, Gabi se deu conta da gafe que acabara de cometer. Foi então que entendeu aquela conversa de "eu posso falar mal da minha família, mas você não pode".
— Você está certo, Pablo. Onde eu estava com a cabeça? Se não se importa, vou voltar para casa, agora.
Sim, o momento se esvaneceu assim que ela percebeu a falácia de estar ali, de conversa com seu outro patrão. Por mais que ele buscasse nivelar suas posições, ela continuava sendo a empregadinha que teve o azar de possuir dois patrões antagônicos. Determinada, pôs-se de pé, então Pablo deu um salto e bloqueou seu caminho.
— Gabi, espera!
Eles se encararam por um tempo. Gabi percebeu o quanto ele estava atribulado, mas não sentiu vontade de ajudar. Esperou onde estava e, surpreendendo-a, ele deu um passo e a abraçou.
Num primeiro momento, ela sentiu o corpo inteiro tenso; todavia, percebeu o pulsar do coração de Pablo contra o rosto, o calor dos braços e o perfume agradável que emanava do peito firme. O gesto transmitiu tanto conforto e proteção que ela não se conteve em abraçá-lo de volta.
Ele era tão macio e afável... Ela nunca sentira tamanha doçura em outro ser humano. Os braços dele subiram por sua cintura enquanto a respiração irregular movia as madeixas do topo de sua cabeça. Ela ficou curiosa em saber se qualquer abraço poderia ser assim — fazia séculos que não se deixava abraçar por ninguém.
— Você é um problema, Gabi. Eu realmente gosto de você. Se pudesse, impediria que você se envolvesse com qualquer um de nós, mas parece que você está determinada a nos provocar.
Ela se afastou a fim de encará-lo, mas não chegou a soltar seus braços.
— O que quer dizer com isso?
— Você não sabe mesmo, não é? Não tem ideia do efeito que causa...
Com isso, ele a soltou, e ambos caminharam lentamente de volta para a pensão. Antes de ir para o carro, Pablo se aproximou e a segurou pelo queixo, forçando-a a encará-lo.
— É impressionante o fato de você não perceber o quanto é linda, em todos os sentidos.
Quando Gabi fez menção de argumentar, ele depositou um beijo casto em seus lábios. Tão fugaz quanto começou, o beijo terminou.
— Obrigado pela companhia. Não precisamos falar a respeito nem transformar esse gesto num problema, pois não vai se repetir. Espero que isso não interfira na nossa relação — deu a volta, entrou no carro e baixou o vidro —, boa noite, Gabi.
Enquanto as lanternas da X1 se distanciavam, Gabi tentava interpretar a confusão que se tornara sua existência.
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