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68 - Porta


Sem que Felipe pudesse antever o que Gabriela pretendia, ela se soltou dele e correu, parando em frente ao caminhão. Os faróis do veículo iluminaram seu corpo, antes sombreado pela penumbra do entardecer. Seus cabelos loiros se moviam ao vento, enquanto folhas secas se levantavam e giravam em torno dela, como se ela tivesse acabado de se transformar em uma figura mítica.

De fato, o que Felipe conseguiu ver em seus olhos de mel, de longe, mal parecia humano. Havia ali algo animalesco, sobrenatural, como se ela incorporasse uma entidade vingadora. Ao enxergá-la assim, sua pele se arrepiou de admiração.

O motor do caminhão roncou profundamente, mas ela não se moveu, sequer piscou. Felipe, que permanecera estático, despertou como de um transe, posicionando-se entre ela e o veículo.

— O que está fazendo? — perguntou. Sem desviar os olhos da cabine, ela respondeu:

— Se ele quer fugir, vai ter que passar por cima de mim. Mas duvido que ele seja homem o suficiente para isso.

Felipe alternou o olhar entre ela e o caminhão, cujo motorista provocava, pisando no acelerador em ponto morto. Não tinha tanta certeza de que o homem não tentaria algo. Por fim, correu até a porta da cabine e tentou abri-la. Para sua surpresa, a porta cedeu. O motorista calvo o encarou surpreso enquanto seu braço era puxado para fora do caminhão. Ambos caíram no chão de terra batida.

— Qual é o seu problema, seu maluco? — o homem vociferou, massageando o quadril que havia colidido com o chão.

— Você ia atropelar sua própria filha? — Felipe gritou, levantando-se de um salto e avançando contra o homem, que ainda tentava se erguer.

— Felipe! — Gabriela exclamou, fazendo os dois homens encará-la como se tivessem esquecido de sua presença. — Viemos aqui para conversar!

Jorge se colocou de pé, mancando, e aproximou-se da filha.

— Ora, ora... eis que a filha à casa volta.

— Se encostar um dedo nela, eu te mato! — Felipe ameaçou, com tom soturno.

— Pai, viemos aqui porque soubemos que tem alguém preso na casa. Uma mulher. Se não me deixar falar com ela, eu vou chamar a polícia!

— Como é? — o homem grunhiu, franzindo o rosto em uma carranca nojenta. — Presa? Não tem ninguém preso na minha casa!

— Então prova! — Felipe desafiou.

— Eu não tenho que te provar nada, seu playboyzinho de merda!

— Esse "playboyzinho de merda" te financiou por um ano, seu filho da puta desgraçado! — Felipe abria e fechava as mãos com energia, procurando conter o impulso de avançar contra o homem. — Um dinheiro que era para a sua filha, e você fumou, bebeu, cheirou ou sabe-se lá o quê. Porque é óbvio que não usou pra nada que preste!

— Ah, então foi você quem...

Um silêncio incômodo pairou enquanto Jorge absorvia a informação, pensando em como proceder. Sua reflexão foi interrompida por uma voz feminina, que vinha de dentro do portão da casa.

— Jorge? O que tá acontecendo aí?

Felipe e Gabriela trocaram olhares, enquanto Jorge empalidecia subitamente.

— Vai pra dentro, mulher! Isso não é da sua conta!

— Espera! — Gabi correu até o portão. — Espera, por favor!

Conhecendo cada detalhe daquela casa decadente, Gabi sabia que o portão enferrujado nunca fora trancado. Quando morava ali, a fechadura quebrada não mantinha o portão fechado, e ela precisava improvisar com um arame. Por isso, ao encontrar correntes e um cadeado, sentiu o sangue gelar.

Mas isso não foi nada comparado ao que sentiu ao erguer os olhos para a mulher que a encarava do outro lado. Seus olhares se encontraram, e foi como se visse através de uma fenda no espaço-tempo. A semelhança da mulher com sua mãe era impressionante — e angustiante.

O mesmo olhar desprovido de alegria, como janelas de uma casa abandonada, tal qual a que se erguia atrás dela. O vazio, a desolação, a sujeira acumulada por todo lado, como se os sofrimentos ignorados fossem varridos para os cantos escuros da alma numa tentativa de fazê-los desaparecer, o que de fato jamais aconteceria.

Além dos sinais invisíveis, reconhecíveis apenas aos mais observadores e conhecedores daquele tipo específico de flagelo, havia também as marcas evidentes dos maus tratos. O corpo magro de pele ressequida e envelhecida comprovava a falta de cuidados com a saúde, e as manchas e cicatrizes novas e antigas evidenciavam o abuso e a violência à qual ela era submetida diariamente.

A mulher não dizia nada. Assim como Gabi, parecia reconhecer os mesmos sinais através das profundezas douradas do olhar da garota que a inspecionava. Sua boca abriu e fechou algumas vezes, contudo sem emitir som. Uma lágrima correu, silenciosa, porém tão alarmante quanto se ela estivesse gritando por socorro.

— É você! A filha dele! — enfim, murmurou.

— Sou eu — Gabi respondeu com a voz embargada. Por mais que desejasse negar, não podia fugir de tão odioso laço.

— O que quer? — a voz mal encontrava forças para ecoar.

— Você me ligou pedindo ajuda.

— Eu? Eu não...

Gabi sentiu a sombra dos homens se aproximando, um de cada lado. Felipe a segurou pelo cotovelo, como que reafirmando seu papel protetor, enquanto o pai fulminava a mulher através da grade, fazendo-a se encolher.

— O que você fez, sua vadia? — Jorge gritou, e a saliva espirrou de sua boca envolta por uma barba engordurada e desalinhada.

— E-eu não fiz nada... eu nunca...

Então o homem tirou uma chave do bolso e abriu o cadeado que mantinha o portão trancado. A corrente escorregou até o chão, e o ruído agudo do metal colidindo com o piso de cimento rachado trouxe um significado profundo, como algemas se rompendo. Gabi nunca havia sido trancafiada desta maneira, mas conhecia bem a sensação.

Jorge avançou com a mão em riste em direção à mulher, enfurecido e aparentemente esquecido de que havia mais gente ali. O golpe foi interrompido por Felipe, que segurou o braço do homem, torcendo-o para traz e arrancando um grunhido de dor do elemento.

— Vai ter coragem de bater na mulher na frente da gente? — a pergunta veio num rosnado — Você não passa da porra de um covarde!

— Me solta! Você invadiu uma propriedade privada!

— Privada o cacete! — O grito veio de Gabi, que sentiu o olhar de Felipe queimando-a. Inconvenientemente, lembrou-se do bate-papo sobre língua solta que haviam tido no carro. — Eu posso entrar nessa casa, como sua filha!

— Deixou de ser minha filha quando resolveu abrir as pernas pra qualquer um, aaaaahhhh — o homem gritou quando Felipe mudou o ângulo do braço torcido, fazendo-o emitir o ruído surdo do ombro se deslocando.

— Vai lavar essa boca imunda antes de falar com a Gabriela! — Então, sem soltar Jorge, ele dirigiu o olhar à mulher — você está bem?

— Você é o homem que veio aqui outro dia! — Ela pareceu surpresa, mas também irritada. — Bem que desconfiei que aquele papo de empreiteira era balela! Quem ia querer construir qualquer coisa nesse lugar esquecido por Deus?

— Cala tua boca, mulher! Se abrir o bico eu... aaaah porraaa!

— Você o quê? — Felipe imobilizou o homem de um jeito que qualquer tentativa de movimento aumentava a dor lancinante.

— Qual o seu nome? — Gabi dirigiu-se à mulher que, assustada demais para reagir, apenas esfregava uma mão à outra em completo desespero.

— S-sônia... e-eu n-não... por favor, solta ele... — ela clamou a Felipe com um fiapo de voz.

— Pra ele te bater? — Felipe parecia inconformado.

— Só... só solta. Por favor.

— Solta ele, Felipe — o pedido veio de Gabi. Ele ainda demorou alguns segundos, prolongando a tortura o quanto pudesse, e finalmente o soltou.

O homem cambaleou trôpego até perto de Sônia. Um ombro pendia mais baixo que o outro, e seu rosto expressava a dor que estava sentindo, mas também um ódio profundo.

— Digam logo o que querem aqui e vão embora! Não têm o direito de invadir minha casa, nem se meter com minha família.

— Sônia — Gabi chamou com suavidade e se aproximou da mulher —, eu sei o quanto pode ser assustador. Eu vivi aqui até os dezessete anos, então conheço esse medo, mas também sei que existe uma saída, se você quiser.

Jorge deu um passo em direção à mulher, mas Felipe se colocou entre eles, ameaçador.

— Eu... eu não posso fazer nada — Sônia confessou, angustiada —. Não há nada a ser feito. Por favor, vão embora.

— Mas... eu não entendo... — Gabi fazia um esforço enorme para não arrastar a mulher à força para fora. Lembrou-se de quantas vezes tentou convencer sua mãe a deixar o pai, a tentar se libertar, e seus olhos encheram-se de lágrimas com a memória de todas as recusas da mulher; recusas essas que permitiam que ela mesma fosse abusada, repetidamente, até aquele desfecho tenebroso.

— Se não queria ajuda, por que entrou em contato? — a pergunta veio de Felipe. Ele havia deixado claro que não acreditava naquela história, ao menos, não da maneira como foi contada nas tentativas de diálogo por telefone.

— Eu não entrei em contato! — então ela olhou para Jorge, subitamente ainda mais amedrontada. — Eu juro, Jorge! Eu não liguei pra ninguém...

— Se você não ligou, então... — ele interrompeu bruscamente o que ia dizer. Ambos permaneceram se encarando, ela cada vez mais assustada, ele cada vez mais irado.

Gabi ficou observando a cena. Havia algo muito familiar naquele quadro, que resgatava do fundo do seu depósito de memórias uma sensação conhecida e medonha. Seus olhos correram os arredores, pelo espaço desleixado, o lixo acumulado, as paredes descascadas da residência, e pararam no varal onde algumas peças de roupa secavam ao vento. Alheio à inspeção de Gabi, Felipe continuou tentando interpretar a situação.

— Por que não quer ajuda? Está claro que você sofre nas mãos desse homem! Por acaso sabe o que ele fazia com a Gabriela e com a mãe dela?

— Eu não tenho pra onde ir — ela confessou com a voz mais aguda e mais forte do que antes. — Pelo amor de Deus, vão embora, eu não quero a ajuda de vocês!

— Talvez você não queira mesmo... — Gabi murmurou, ainda com os olhos no varal de roupas —, mas alguém dentro dessa casa quer.

Dito isso, ela avançou aceleradamente para dentro da residência. Jorge mancou apressado atrás dela, e Felipe os seguiu, sem entender o que estava acontecendo.

Gabi irrompeu porta adentro, correu até uma escada carcomida de cupins e galgou os degraus sem pensar que estava se isolando num espaço que já fora sua pior prisão, e parou diante de uma porta fechada.

Aquela porta, que testemunhara por anos o seu sofrimento. 

A porta por onde a luz amarelada do corredor entrava, deixando a sombra de quem invadia seu espaço muito maior do que de fato era.

A porta cujas dobradiças rangiam como um réquiem à sua infância, à sua inocência, aos sonhos e desejos de menina. 

A porta que nunca fora trancada por fora, mas que selava como um túmulo sua existência, até que um dia ela tivesse que escolher entre habitar um sepulcro ou fugir para um futuro assustador e incerto.

E ela havia cruzado aquela porta, pulado no desconhecido e sobrevivido. Agora, era inacreditável que os caminhos incertos a levassem de volta até a mesma porta. 

Sem mais nenhuma sombra do medo que um dia sentira ali, ainda que suas mãos tremessem de antecipação, ela segurou a maçaneta... e girou.


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