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58 - Acaso

A tarde passou voando. Felipe e Gabriela ficaram horas conversando sobre vários assuntos. Não gostavam muito de falar sobre o passado, então a conversa girou mais em torno de suas preferências e expectativas. A cada nova revelação, uma parcela da personalidade de cada um se evidenciava e, conforme as máscaras caíam, a conexão aumentava. À noite, ele decidiu levá-la de volta para casa e aproveitou para conhecer o espaço dela.

— Você deixou tudo super despojado — ele teceu o elogio enquanto inspecionava os desenhos, o pisca-pisca contornando o mural e a parede oposta pintada de uma cor de laranja brilhante e alegre. As almofadas de pelúcia amarela, bem como o abajur em forma de cogumelo do Mario Bros e um enorme porta-canetas do Star Wars lotado de lápis de cor, faziam o ambiente parecer um quarto de adolescente.

Uma dor conhecida apertou seu peito, e a melancolia o envolveu de repente ao assimilar que Gabriela não chegara nem perto de ter um quarto como aquele quando adolescente. Contrário a isso, tudo o que ela tivera foram dias de pesadelo intermináveis e pilhas de traumas e maus-tratos. Olhando agora ao redor, era como ver os desejos dela sendo desempacotados aos poucos, fora de época, atrasados como presentes esquecidos em cima de um guarda-roupa.

— Uma hora, a gente sempre tenta realizar aquilo que não pôde antes... — murmurou, distraído com as ilustrações feitas por ele mesmo, dispostas no centro do painel. — Não sabia que você tinha guardado esses rabiscos...

— Não são rabiscos. E do que você está falando? Realizar o quê? — Ela o fitava, curiosa.

— Desejos. A gente dá voltas a vida inteira, mas os desejos ficam lá dentro, latentes, querendo sair. Quer um exemplo? Quando eu tinha 18 anos, tive vontade de comer essas papinhas de bebê, tipo um purezinho de maçã. Fui ao mercado e comprei. Quer saber por quê? Porque eu via minha mãe dando pro Pablo quando era bebê, mas nunca me deixava experimentar. Quando, já adulto, eu me lembrei disso, fui lá e realizei o desejo. Sei que parece idiota, mas... A gente faz dessas coisas.

— Você come papinhas de bebê? — Ela o fitava com uma ruga entre os olhos. Óbvio que não estava entendendo o caminho daquele papo existencial.

— Não disse que ainda como. Apenas que experimentei. — Ele se aproximou e segurou-lhe o rosto entre as mãos, depositando um beijo leve na ponta do nariz arrebitado. — Vai tirar onda com a minha cara por causa disso?

Ela deu um sorriso matreiro, o que o fez sentir um arrepio na espinha. Era tudo sempre intenso demais quando estava com ela, e às vezes isso o preocupava num grau alarmante. Quanto mais o tempo passava, mais se via dependente dela, e, como um espírito livre que cedo demais se viu rendido à dependência química, o monstro dentro dele se debatia sempre que aquela bolha de sentimentos o continha junto a ela. Quando sentia isso, tinha vontade de sair correndo, mas, por outro lado, percebia que seria capaz de fazer qualquer coisa para merecê-la.

Sem qualquer culpa ou remorso, mataria por ela.

— Você tá me olhando estranho, Felipe. O que foi? — Ela o mirava, intrigada.

Sentimentos intensos demais eram perigosos. Desde que ouvira o relato de abuso, ele buscava expulsar da mente o desejo crescente de acabar com a vida do homem que se dizia pai dela. Às vezes o pensamento escapava, e ele se via elaborando uma lista de maneiras de fazer o homem pagar das formas mais cruéis possíveis. Não sabia até quando conseguiria esconder dela suas intenções reprimidas, pois não se via capaz sequer de reprimir a vontade de ir até o fim com aquilo.

Teria que conversar com ela. Falar sobre os telefonemas, sobre uma forma de punir o homem pelo mal que causou, mas queria ter mais informações primeiro. Embora houvesse prometido não se meter, a situação era completamente diferente agora. No momento, tudo o que ele mais queria era protegê-la, cuidar dela, impedir que qualquer coisa ruim a atingisse.

Patético. Ele, cheio de discursos sobre liberdade de escolha, há menos de 48 horas juntos e já se achava no direito de tomar decisões por ela.

Não que estivesse decidindo ou escondendo alguma coisa. Na verdade, não havia quase nada a revelar. Chegar para ela dizendo que as ligações vinham sendo feitas de sua cidade natal, através de um número com DDD da capital, só a preocuparia ainda mais, e sem motivo. Talvez o número fosse mesmo de um call center qualquer, e a localização da transmissão do sinal não passasse de uma enorme coincidência.

Certo. Coincidência tem limite. Coincidências não existem, não dessa maneira, contudo...

— Sabe uma coisa que eu não te perguntei? — Ele a afastou a fim de olhá-la nos olhos. — Como aconteceu de você se candidatar para uma vaga lá na agência?

Era sempre melhor desviar o foco para ela. Enquanto ela liderasse o discurso, seus demônios interiores mantinham-se sob controle.

— Vai começar de novo com essa de "o que você veio fazer na minha porta?"

— É sério, Gabriela. Agora você pode entender por que eu te perguntava isso. No momento, não tô especulando nada, nem surtando. É pura curiosidade.

Ela demorou um pouco a responder. Talvez estivesse confusa com os assuntos difusos. Ela teria que se acostumar, afinal, a mente dele não se comportava de maneira linear. Na maior parte do tempo, era um pandemônio de informações se debatendo, e essa infoxicação* era o que costumava empurrá-lo para as tentativas tortuosas de diminuir a pressão, como o álcool, as drogas, o sexo e, nos casos mais leves, a própria arte.

— Acaso ou destino, não sei dizer — ela o puxou pela mão para que se sentassem no sofá-cama —, quando comecei a planejar a fuga, esperei que meu pai estivesse em uma das viagens dele. Interessante que, apesar de tudo o que ele já havia feito comigo, sua arrogância era tão forte que não passava pela cabeça dele que eu daria um jeito de partir um dia.

— Então, ele não chegava a te prender em casa... — Saber disso trazia um conforto ínfimo a ele, insuficiente para aliviar a angústia que o quadro lhe causava.

— Não precisava. Eu não tinha dinheiro, tampouco uma maneira de denunciá-lo pois, depois do acidente, ele nunca mais me tocou. Era um alívio saber que não voltaria a viver aquele inferno, só que eu o odiava tanto que até respirar o mesmo ar que ele me enojava. Ainda assim, o medo sempre foi grande demais, pois ele tem... tinha um domínio monstruoso sobre mim.

— Não tem mais — ele ergueu a mão dela e depositou um beijo na palma —, nunca mais.

— Nunca mais — ela ofegou com a carícia, e seus olhos brilharam com lágrimas contidas. Limpou a garganta e continuou o relato: — Enfim, enquanto ele estava viajando, consegui entrar em contato com um colega da escola, que aceitou comprar o notebook do meu pai. Ele foi até minha casa buscar e, quando abriu o notebook a primeira vez, havia um cartão de visitas sobre o teclado. Era de uma empresa de advocacia.

Felipe sentiu a tensão cobrir seus ombros como um cobertor pesado. Resignado, aguardou o restante da história.

— Ele ligou o computador para testar — Gabriela continuou —, formatou a máquina e roteou a internet do celular para fazer as instalações necessárias. Nem internet a gente tinha em casa, então eu era bem limitada nessas coisas. Aproveitando o acesso à rede, pedi para dar uma navegada, então entrei no site indicado no cartão, por pura curiosidade. A empresa representava vários negócios, e na lista de clientes havia a Limonada. Eu me lembro de ter rido do nome e, ainda mais curiosa sobre isso, acessei o site da agência. Eu sempre gostei de desenhar, e meu sonho sempre foi trabalhar em uma agência, principalmente depois de ter assistido a tantas novelas e séries sobre isso. Sem pensar duas vezes, montei um currículo básico para qualquer vaga e enviei para vocês.

— Simples assim?

— Simples assim. Meu amigo me pagou parte em dinheiro, parte com um celular antigo com chip pré-pago. Dias depois, recebi um telefonema sobre uma vaga de faxineira e aceitei fazer a entrevista, então fiz uma busca por uma pensão, arrumei minhas coisas e parti.

— Sem saber se seria contratada — ele estava incrédulo.

— Sem saber. Fui com a cara e a coragem. Se tudo desse errado... bem, eu teria dado outro jeito.

— É claro que sim — ele a fitava, lábios abertos em admiração —, se eu não tivesse visto você no banheiro...

— Essa é a parte da sorte, ou acaso, ou seja lá o nome que queira dar. Parece que estávamos fadados a nos conhecer. Só não sei por que meu pai tinha aquele cartão.

— Sobre isso, tem mais uma coisa que preciso te contar.

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*Neologismo que tem relação com o consumo desmedido de informações – de todo tipo e qualidade –, que pode afetar o bem-estar, a saúde emocional e até mesmo a qualidade do tempo das pessoas no dia a dia.

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