51 - Banho de Chá
O restante daquela semana e os dias subsequentes foram bem agitados. Logo após o retorno do Diretor de Criação, ocorreu em São Paulo o RD Summit, um importante evento voltado para profissionais de Marketing Digital, do qual Felipe e Pablo participaram. Na ocasião, alguns clientes antigos reconheceram Felipe e voltaram a procurar a agência para fechar jobs em aberto; além disso, o networking rendeu mais alguns novos, então o trabalho aumentou exponencialmente. Graças ao grande volume de tarefas, foi necessária a contratação de mais um criativo e, para surpresa de todos, Felipe chamou de volta Diego para o antigo cargo.
Segundo o loiro, Felipe o chamara para conversar, pontuara diversas questões e resolvera lhe dar mais uma chance. Gabi ficou admirada pela atitude do Diretor de Criação, visto que no passado ele não demonstrara traços de ser benevolente, mas, segundo o próprio Diego, havia muito trabalho acumulado e Felipe precisava de alguém que já conhecia a rotina e os processos internos.
Bem, se Gabi pôde voltar, por que Diego não?
Porque ele era um usurpador safado! Por isso!
Enfim, Gabi manteve-se distante do loiro peçonhento e se concentrou em suas próprias tarefas. Rob manteve-se no cargo de coordenador, concentrando o gargalo em si e distribuindo da melhor maneira. O novo workflow funcionou super bem e logo os prazos entraram nos eixos, mas até que ocorresse, foi um sufoco. De certa forma, foi bom estar mergulhada no trabalho por aqueles dias, pois Gabi pôde se manter distraída de tudo o que envolvia a presença do Deus Criativo.
Pensar no novo status do antigo demônio a fez curvar os lábios num sorriso travesso. Era uma piada interna, mas essa nova atribuição pertencia somente a ela.
Desde que voltara, foram poucas as vezes em que o viu de fato, pois depois que Rob assumiu a coordenação definitivamente, Felipe tratava tudo indiretamente, o que o mantinha na própria sala basicamente o tempo todo.
Gabi se perguntava se tal atitude tinha a ver com ela. Lembrava-se de que no passado Felipe era bem mais participativo nos processos; quando algum job novo entrava, ele acompanhava tudo bem de perto, por vezes sentava-se entre os colaboradores para ajudar com algum entrave, apesar da pressão que isso gerava. "Se você quiser, não precisará lidar com mais nenhum De Santis, e eu posso me certificar disso."
— Graça nunca mais pisou na agência. Você sabe por quê? — Gabi perguntou a Cíntia, que lotava de açúcar o próprio café enquanto Gabi bebericava uma infusão de hortelã. Estavam ambas na copa, dando uma pausa no trabalho.
— Não sei, mas desconfio que Felipe tenha entrado em um acordo com ela.
— Desconfia? Como assim?
— Na semana que você esteve fora, quando ela te demitiu, ele fez um estardalhaço aqui. Chegou na melhor versão do capeta, cuspindo fogo. Eles discutiram na sala dele e, bem, eu ouvi algumas coisas...
Gabi se aproximou da amiga, olhos bem abertos.
— O que você ouviu? — sussurrou.
— Bem, uma das coisas foi que ele ia se internar, mas, para isso, ela teria que garantir ficar fora dos negócios e da agência.
— Certo, só posso ficar feliz com isso. Definitivamente aquela mulher me odiava.
— Eu só sei que ela não voltou pra Alemanha. Imagino que seja por causa do Pablo.
— Sobre ele... sabe se ele tá bem?
— Olha, nos últimos dias ele anda um pouco mais animado. Eu desconfio que ele esteja se acertando com a Jackie.
— Não pode ser! Aquela lacraia? Depois de tudo o que ela fez?
— Pega leve, Gabi. Ela tá grávida. Sabe que essas coisas mudam as pessoas.
Gabi calou-se por um tempo, esmorecida. Ela bem sabia o que uma gravidez era capaz de fazer.
— Tudo bem, Gabi? Mudou a cara...
— Não é nada — tentando desviar a atenção de si, Gabi fez uma expressão de conspiração e sussurrou: — acha que eles estão tentando...?
— Eu não tenho certeza. Às vezes ele liga pra ela e... bem, parece que está bem mais afável.
— Gente! Não pensava que essas coisas eram possíveis...
— O quê? Perdoar? Sei lá, Gabi. Pablo realmente amava muito a Jackie. Talvez ela mereça uma segunda chance, assim como outras pessoas...
Cíntia deixou no ar e Gabi captou. Claro que ela captou. Cíntia sempre foi do team Felipe, nunca negou e não precisava de muito para a ruiva insinuar qualquer coisa nesse sentido. Mais uma vez tentando evitar o assunto proibido, confabulou:
— Eu acho que a Graça quer estar aqui quando a criança nascer. Não consigo imaginar aquela mulher fazendo vozinhas engraçadinhas e fofas com um bebê, mas, sei lá...
— Graça não é tão má, ao menos não era comigo...
— Graça? Ela apareceu por aqui? — Diego surgiu do absoluto nada ali na copa e foi logo se metendo no assunto.
Algumas coisas nunca mudavam.
— Quem te chamou na conversa? — Cíntia resmungou.
— Oush, só vim pegar um café!
Como Gabi ainda não conseguia conversar ou sequer olhar na cara do loiro, foi deixando a copa, mas Cíntia a interpelou.
— Gabi, tudo certo pra mais tarde?
— Tudo sim — Gabi virou o rosto e respondeu enquanto cruzava a porta, e acabou se chocando contra uma parede macia e quente.
Mãos também quentes a seguraram pelos braços para que não perdesse o equilíbrio. Antes mesmo de virar o rosto, o perfume e a eletricidade denunciaram de quem se tratava. Ao toque das mãos, ela sentiu o corpo inteiro entrar em curto-circuito. Trêmula e sem jeito, não tentou se desvencilhar, apenas olhou para cima.
Porra! Ele precisa mesmo ser lindo desse jeito o tempo todo?
Gabi levou alguns segundos para se recuperar da visão do deus, cabelos mais longos projetados para frente, barba cerrada, lábios entreabertos e o olhar de tempestade. Ela só percebeu que tinha a boca aberta a ponto de babar quando ele desviou dos seus olhos e mirou sua boca.
— Me desculpa, não vi você saindo — ele sussurrou. Ou talvez tivesse falado normalmente, mas para Gabi, parecia uma brisa de verão acariciando as partes mais indecentes do seu corpo.
— Não foi nada — sua voz saiu bem mais aguda do que gostaria. Desconcertada, ajeitou o corpo e finalmente ele a soltou.
O verão virou inverno em segundos.
— Precisa dar um jeito nisso — ele sinalizou para o busto de Gabi que, confusa, olhou para si mesma.
Um dos lados do vestido cor de creme estava molhado. A mancha esverdeada ia da parte superior de um dos seios e descia até a cintura. A renda do sutiã ficava visível onde o tecido tocava a lingerie, e só nesse instante Gabi sentiu a umidade morna contra a pele.
Ela nem tinha percebido que derrubara o chá em si mesma.
— Ah... merda! — praguejou, depois corou por ter feito isso na frente dele.
Não tinha motivo para se sentir dessa maneira, afinal, ele já tinha até lhe dado um banho.
Tal lembrança trouxe o verão de volta ao seu corpo, e provavelmente isso ficou evidente quando sua pele tornou-se subitamente rosada. Ainda mais vexada pelas próprias reações, olhou para ele e captou o brilho felino no olhar do deus.
Ela conhecia esse olhar. Céus, ela conhecia muito bem esse olhar!
Nesse instante, quando ela se debatia para se afastar enquanto só conseguia pensar em qual seria a sensação de beijar aquela boca com aqueles novos pelos curtos contra o rosto, seu telefone chamou. O toque chegou a sobressaltá-la. Sem se afastar, atendeu e, como sempre, a ligação foi encerrada.
— Inferno! Não aguento mais isso! – praguejou baixinho.
— Quem é? — Felipe indagou com uma voz estranha. Gabi o mirou e percebeu que o brilho no olhar havia se transformado em outra coisa, mais sombria.
— Alguém fica me ligando direto, mas nunca fala nada.
— Você tentou ligar de volta?
— Já tentei, mas só dá ocupado.
— Me passa o número.
— Felip...
— Me passa o número, agora! — percebendo que havia se excedido, ele deu um passo atrás, e completou com uma voz contida — por favor.
— O que vai fazer?
— Conheço alguém que pode rastrear.
— Isso não é contra a lei?
— Assediar pessoas com telefonemas não é contra a lei?
— Eu... não precisa se preocupar com isso. — Assim que falou, Gabi se arrependeu. A verdade é que ela tinha muito medo de qualquer coisa que os colocasse na mesma esfera.
— Me deixa ajudar. Prometo que não vou interferir, ok? Descubro quem é e te informo.
— Tá bom. — Resignada, Gabi passou o aparelho para Felipe. Os dedos se tocaram brevemente quando ele o segurou, e obviamente não passou despercebido a nenhum dos dois.
— Pronto — ele anotou o número no próprio iWatch e devolveu o celular a ela — agora vá cuidar disso aí antes que alguém mais veja — sinalizou para o busto de Gabi.
Obviamente, ela não deixou de notar o brilho de antes de volta ao olhar de prata. A visão transformou o verão em outono, despencando como uma chuva morna que descia da ponta dos seios até o meio de suas pernas, umedecendo-a de modo constrangedor.
Antes que vivesse as quatro estações do ano em alguns minutos e saísse gritando com o corpo que precisava daquele homem, dirigiu-se ao banheiro para limpar a mancha de chá.
Um único toque, e ele me põe em chamas! Cadê todo aquele rancor que eu tava sentindo? Mas que inferno de corpo que pensa por si só! Pare de idealizar coisas, Gabi!
Logo, voltava ao próprio computador para mais uma hora de trabalho. Era sexta-feira, logo mais haveria um happy hour entre os colegas e isso, mais algumas cervejas, a distrairia da dança do banho de chá que tivera com o Deus Criativo.
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