50 - Deus
Quando Felipe entrou pelas portas da agência, Gabi deu graças aos anjos por tê-lo encontrado no banheiro antes. Talvez fosse pior agora, diante de todos, ter que controlar os nervos e o frenesi crescente com a visão do homem que povoara seus sonhos nos últimos três meses.
Aparentemente, nem mesmo Rob sabia que ele retornaria, ao menos não hoje. Ao vê-lo chegar, todos foram erguendo-se das estações de trabalho, incertos sobre o que fazer quando ele se aproximou e encarou um por um, calado e sério. Apenas quando os olhos de prata chegaram nela, ele abriu a boca.
— Bom dia a todos.
Cada um dos colaboradores se aproximou para cumprimentá-lo. Cíntia e Rob o receberam de modo mais caloroso, com um meio abraço; os demais apenas apertaram sua mão. Gabi permaneceu estática, sem saber o que fazer, já que já o tinha visto. Percebendo o olhar de todos sobre si, resolveu se aproximar.
— Bom dia, senhor Felipe.
Uma sombra cruzou o rosto másculo, fugaz, imperceptível aos olhos distraídos. Rapidamente, ele recuperou a compostura e lhe ofereceu um meio sorriso.
— Bom dia, Gabriela. Fico feliz que tenha decidido permanecer na agência.
Ao som daquela voz... as borboletas fizeram uma rave em seu ventre.
— Estou feliz por ter ficado — ela respondeu, acanhada.
De repente, a porta de Pablo se abriu e ele caminhou apressado até as estações de trabalho. Parou a um metro das costas de Felipe, aparentemente muito surpreso.
— Lipe...?
Felipe girou nos calcanhares e encarou o irmão. Naquele momento, ficou claro que Pablo também não sabia do retorno de Felipe. Todos permaneceram em silêncio, estáticos, aguardando por algo, alguma reação. O histórico entre os irmãos era confuso o suficiente para que ninguém se atrevesse a especular o que aconteceria a seguir. Se haveria um bate-boca, uma esquiva, ninguém sabia o que esperar. Contudo, quando Pablo se moveu, jamais poderiam imaginar a cena que se seguiu.
Pablo deu um passo, depois outro, então puxou Felipe para um abraço. O mais velho ficou tenso, com os braços soltos ao lado do corpo, até que lentamente os ergueu e envolveu o mais novo, correspondendo ao abraço. Quando isso aconteceu, Pablo afundou o rosto no peito do irmão, e apenas quando seus ombros começaram a chacoalhar, todos notaram que ele, na verdade...
Estava chorando.
Tal constatação comoveu a todos. Não houve quem, naquela sala, não derramasse uma lágrima ao testemunhar o emocionante reencontro dos irmãos. Nem mesmo Felipe, a quem nunca haviam visto demonstrar esse tipo de emoção, escondeu a lágrima que correu diante da atitude de Pablo. Com carinho, estreitou ainda mais o abraço e depositou um beijo nos cabelos loiros do mais novo.
— Ei, mano... tá tudo bem — murmurou, carinhoso.
Era como se ninguém mais existisse na sala. Gabi imaginou o peso da carga emocional que Pablo sustentara nos últimos meses a ponto de se expor dessa maneira. Era claro que ele se considerava parcialmente responsável pela recaída de Felipe, e estarem ali, juntos, era uma prova de que havia conexões fortes o suficiente para resistir às piores intempéries.
— Por que não me avisou que saiu da clínica? Eu teria ido buscar você! — Pablo murmurou, com a voz abafada contra o peito do mais velho.
— Queria fazer uma surpresa...
Aos poucos, os irmãos perceberam o show melodramático que estavam proporcionando e se soltaram. Constrangido, Pablo enxugou o rosto, e Felipe limpou a lágrima furtiva. Os demais também disfarçaram as emoções e voltaram aos postos de trabalho como se não tivessem acabado de testemunhar uma das cenas mais fofas dentro da agência.
Gabi sentia que poderia explodir de amor. Por meses, desejou que aqueles dois se reconciliassem, que externassem seus sentimentos, e ali estavam, amando-se como dois irmãos de verdade.
E ela estava de fora. Não participava mais nem da amizade, nem do romance.
Do absoluto nada, ela ficou profundamente triste. Acabrunhada, sentou-se em sua estação de trabalho, de costas para os irmãos, e distraiu-se com qualquer coisa na tela do computador. Apenas quando Felipe voltou a falar foi que ela girou a cadeira para ficar de lado, mas não mais o olhou nos olhos.
— Eu quero agradecer a todos pelo excelente trabalho que desempenharam na minha ausência, especialmente ao Rob, que segurou as broncas de maneira espetacular. Não tenho palavras para expressar o quanto sou grato também ao meu irmão, que assumiu tudo na minha ausência. Embora nem eu nem ele tenhamos falado sobre isso, imagino que saibam que tive uma overdose há alguns meses e resolvi me internar para tratar o quadro de dependência. É um assunto delicado; estou sendo honesto com vocês como nunca fui antes, e espero realmente que não deixem isso vazar. Abri o assunto para que saibam que confio em vocês e espero reciprocidade. Quero parabenizar cada um pelo desempenho espetacular, os resultados mostram que vocês são profissionais além da curva. Estou imensamente feliz por estar de volta e espero que a gente construa uma relação mais amigável daqui pra frente. Bom, é isso. Obrigado.
A equipe aplaudiu o discurso. Pego de surpresa, Felipe abriu um sorriso, o sorriso mais lindo que Gabi já viu desde que o conheceu. Foi notória a alegria em sua expressão por estar de volta, por ter sido tão bem recebido, e quando ele puxou Pablo e o abraçou de lado, depositando um beijo em sua cabeça, Gabi deixou escapar mais uma lágrima.
— Vou chamar cada um de vocês ao longo do dia pra gente bater um papo sobre os últimos acontecimentos, ok? — Felipe avisou e voltou-se para Yara, a copeira: — Você pode providenciar um café, por gentileza? — então olhou para a equipe: — Bom, vamos ao trabalho. Me acompanha, Rob?
Rob o seguiu até a própria sala enquanto o demais voltaram ao trabalho. Gabi mantinha-se numa bolha de apreensão, com um medo absurdo de ficar sozinha com ele.'Vou chamar cada um de vocês...'.
Se controla, sua doida! Meses de preparo, mentalizando o momento de dar uma de fodona pra cima do cara, e agora tá parecendo uma gelatina aguada?
Determinada a deixar o assunto de lado o quanto pudesse, acessou seus arquivos digitais e se concentrou no trabalho. Sua mente ia e vinha, tentando se desconectar do instante em que encontrou Felipe no banheiro e o que veio depois, mas foi difícil se desligar. A forma educada como ele havia conversado com todos, a transparência, a gentileza, o carinho com o irmão...
Ele estava mudado.
Seu telefone vibrou na mesa, resgatando-a do momento. Ela atendeu, imaginando que não daria em nada; contudo, para sua surpresa, dessa vez uma voz feminina respondeu do outro lado da linha.
— Alô?
— Alô? Quem é? — Gabi chegou a ficar de pé, surpresa por finalmente conseguir falar com aquele número. Porém, o segundo seguinte, a ligação caiu. Aturdida, encarou o aparelho e tentou ligar de volta para o mesmo número.
Ocupado.
— É aquele número? — perguntou Cíntia, já de pé ao seu lado.
— É... dessa vez alguém falou. Uma voz feminina.
— Ainda pode ser call center. Às vezes eles colocam uma voz humanizada para te forçar a atender.
— E com qual objetivo se não continuam a conversa? Que droga! — Trêmula de nervoso, praticamente jogou o aparelho na mesa.
— Ei... quer conversar? — Cíntia, sempre muito sensível, logo captou o estado emocional de Gabi. Mesmo tentando disfarçar até para si mesma, ela estava uma bagunça por dentro. Sem resistência, seguiu Cíntia até o banheiro.
— Isso foi bem intenso... — Gabi falou, assim que a atendente fechou a porta.
— Foi sim. Como você tá?
— Eu... honestamente? Não sei.
Ambas ficaram em silêncio. Cíntia, pacientemente, esperou que amiga se recompusesse antes de continuar a conversa. Quando Gabi falou, foi num fiapo de voz.
— Eu não imaginava que seria tão difícil... ver ele outra vez.
— Acho que é normal se sentir assim. Você ainda tem sentimentos muito fortes por ele. Não te julgo.
— Tenho medo de me aproximar dele. Não sei como vou reagir, entende?
— Não terá como saber se ficar se escondendo. Tome o tempo que precisar, não exija muito de você mesma. Afinal, se até eu tô nervosa com a volta dele, quanto mais você.
Quando voltaram às estações de trabalho, Gabi estava mais calma. Ao longo do dia, viu um a um dos colaboradores sendo chamados até a sala do diretor de criação. Aguardava seu momento como uma ovelha a caminho do abate. Quando finalmente foi chamada, caminhou até a sala dele e, ao cruzar a porta, antes que a fechasse, ele ordenou:
— Peça para o Rob vir também.
Confusa, ela chamou Rob; ambos entraram e fecharam a porta em seguida.
— Pois não, Sr. Felipe.
— Não precisa do "senhor", ok? — Ele cruzou um olhar com Rob, que se mantinha de pé, em silêncio. Parecia transmitir uma mensagem silenciosa; Gabi especulou do que se tratava. Em seguida, encarou-a de volta. — E então, Gabriela? Como foram esses meses pra você aqui na agência? Fiquei sabendo que você tem desempenhado um ótimo trabalho, até mesmo ampliando nossa carteira de clientes. Meus parabéns, não me surpreende. Afinal, sempre soube que você chegaria longe.
E sorriu. O sorriso e o olhar causaram outro rebuliço em suas entranhas. Naquele instante, ela percebeu que ele vestia uma outra capa: a do profissional. Era como se nunca tivessem desfrutado nenhum tipo de intimidade até então. Ele era polido, educado, controlado... não parecia um... demônio.
— Obrigada. Foram meses realmente incríveis. Aprendi muito, amadureci; só posso agradecer por ter insistido na minha volta.
— Que bom que me ouviu.
— Que bom que te ouvi.
— Pelo jeito, não fiz muita falta.
— Não diga isso, é claro que fez falta... para a agência.
— É bom estar de volta — a voz de chocolate baixou alguns decibéis, o suficiente para ela perceber a mudança da postura profissional para uma ligeiramente mais íntima.
— É bom ter você de volta — ela deixou escapar, rápido demais.
As íris cinzentas brilharam, fazendo-a se arrepiar. Por alguns instantes, ela apenas o observou. Ele mantinha as mãos cruzadas sobre o tampo da mesa, os braços levemente flexionados, sustentando o corpo nos cotovelos. Estava maior, com os músculos bem mais pronunciados. Ela imaginou que devia haver alguma academia onde ele estava internado. No rosto, a barba era mais que uma sombra, e os cabelos agora jogados para trás estavam brilhantes. A tez outrora pálida tinha um leve bronzeado e, não fosse pelo pulsar sutil na lateral do pescoço, ela diria que ele estava tranquilo.
Estava longe de parecer um demônio. Naquele momento, ele se assemelhava muito mais a um deus.
Como se pudesse ler seus pensamentos, o canto dos lábios do recém-promovido a deus curvou-se muito sutilmente. Os olhos de fumaça pareciam desnudá-la, provocando mais uma fisgada em seu ventre. Gabi apertou uma coxa contra a outra, tentando inibir a sensação, hipnotizada pelo olhar faminto, até que um farfalhar às suas costas chamou-a de volta à realidade.
Era Rob, movendo-se atrás dela. Foi só então que ela entendeu o porquê de o artista digital estar ali, aguardando.
Felipe não queria ficar sozinho com ela na sala.
Internamente, ela agradeceu e lamentou a precaução. Se estivessem sozinhos, dificilmente estariam apenas conversando.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro