15 - Delírio
Foi uma semana louca. Entre entender sobre o dia a dia da agência, os processos, metodologias e atribuições de cada membro da equipe, Gabi teve que se adaptar a um novo sistema operacional, visto que nunca usara um computador Apple na vida. Também precisou aprender a usar a mesa digitalizadora e essa parte era a que mais lhe vinha dando trabalho.
Agora ela tinha uma mesa própria, pôde escolher a cor do computador o qual optou por vermelho e possuía acesso a um arsenal de materiais como papéis especiais, lápis de cor, tintas, pincéis e mimos que realizariam os sonhos mais ousados de qualquer designer.
A equipe parecia feliz com sua ascensão ao mundo da criação. Tirando Diego que não estava mais entre os demais e Felipe, que parecia ter sido vaporizado para algum universo paralelo no qual Gabi não existia, toda a equipe se mostrava solícita em treiná-la no uso dos softwares e aplicativos.
Henrique, o novo designer gráfico, era um fofo! Super atencioso, divertido e tinha um jeito engraçado de ensinar as coisas. Com ele, ela aprendeu a usar os principais softwares do pacote Adobe, e Rob a ensinara a usar as ferramentas de desenho e pintura digital.
Por fim, Gabi estava bem animada com tudo o que vinha acontecendo em sua vida. Tinha recebido um aumento significativo no salário ao ser efetivada e comprara roupas novas; não mais obrigada a usar um uniforme no dia a dia, sua inegável beleza se ressaltava, principalmente após as dicas de Niko para maquiagens leves no dia a dia e um corte de cabelo que não diminuiu muito o comprimento dos fios, mas valorizou o volume das madeixas que agora se ajeitavam em camadas brilhantes às suas costas. Mesmo assim, ela os costumava manter presos, pela praticidade e por costume.
Felipe e Pablo andavam mantendo distância dela. Pablo porque andava com muito trabalho — ao menos era o que alegava, sempre — e Felipe porque continuava com ausências que deixavam Gabi obcecada por saber o que vinha acontecendo na vida do Diretor de Criação.
Por aqueles dias, Gabi resolveu fazer algo fora do seu costume. Ela começou a vasculhar a vida dos seus diretores na internet. Agora muito mais antenada com o mundo digital e pela necessidade de se manter atualizada nos assuntos em voga, fossem importantes ou não, Gabi havia finalmente criado um perfil nas redes sociais e enviara solicitações para seguir pessoas de interesse, dentre eles, os irmãos De Santis.
Pablo aceitou sua solicitação prontamente e, para surpresa de zero pessoas, Felipe, não. O que pôde garimpar sobre ele foram informações picadas em websites do seguimento e registros que outras pessoas incluíram sobre ele nos próprios perfis, como Pablo, por exemplo. No perfil do diretor administrativo havia muitas fotos deles em eventos, viagens, com a família e algumas no dia a dia do trabalho, quando alguma campanha obtinha sucesso ou em alguma confraternização.
Felipe estava sempre sozinho em tais ocasiões. Gabi começava a pensar que aquele papo de que ele "pegava todes" não passava de fofoca de corredor de empresa, até que numa manhã, no início da segunda semana de trabalho de Gabi na nova função, ele apareceu no escritório na companhia de uma ruiva. Dois dias depois, chegou com uma morena, e no dia seguinte, com uma loira.
— Nunca tinha visto Felipe trazer tantas mulheres aqui pra agência. Ele está fazendo seleção de casting para alguma campanha? — Gabi perguntou à Diana quando a porta da sala do diretor criativo se fechou com a loira lá dentro. Diana riu antes de responder.
— Pode até ser, mas acho difícil. Embora às vezes ele traga gente aqui, no geral tem a ver com trabalho. Não vejo razão para ele trazer suas ficantes no escritório.
— Felipe é assim mesmo — Rob comentou —, não dá muito pra sacar qual é a dele. Ele faz as coisas meio de improviso, tipo, dá na cabeça e sai fazendo. Talvez ele queira provocar alguém com isso.
— Provocar quem? — a pergunta escapou de Gabi antes de ela poder segurar.
— Sei lá, provavelmente o Pablo — Leo foi quem respondeu —, no começo, quando a mãe deles ainda geria a agência daqui, eles ficavam nessa de disputar troféus. De tempos em tempos apareciam com uma namorada nova, verdadeiras beldades, só para mostrar que podiam, sabe? Aí a gente ficava fazendo ranking disso; era bizarro.
— Que comportamento nojento — foi Diana quem comentou —, decepcionante! Não tinha presenciado isso ainda.
— Você não presenciou muuuita coisa, garota — Nay respondeu. Depois do Leo, ela era a mais antiga na agência.
Gabi ficou com isso na cabeça e, enquanto tentava controlar os próprios nervos, algo que sempre acontecia quando alguém estava com Felipe na sala dele e ela ficava imaginando milhares de coisas que os dois poderiam estar fazendo juntos, Yara, a nova auxiliar de limpeza, pediu ajuda com a máquina de café.
A mulher, mais velha do que ela, era muito prestativa e ágil nos afazeres, mas às vezes se atrapalhava um pouco com botões. Gabi a ajudou a remover uma cápsula que havia ficado presa na prensa da máquina e quando liberou o acesso e limpou o reservatório, Yara foi fazer o café, mas se atrapalhou e uma das xícaras virou em seu uniforme.
— Ai, caramba! O que eu faço agora? O senhor Felipe pediu que eu levasse dois cafés para ele, mas não posso entrar na sala desse jeito!
O Felipe pediu dois cafés? Por que ele nunca pedia nada quando eu trabalhava nessa função?
— Pode deixar que eu levo pra ele — Gabi se ofereceu. Havia dentro dela uma vontade louca de abrir aquela porta para perguntar por que seu chefe pedante não aceitava nem um café vindo dela.
Determinada, marchou até a porta do diretor desafeto e abriu sem bater. Olhou em direção à mesa e não encontrou nem ele, nem a loira. Entrou, fechou a porta e depositou a bandeja sobre a mesa. Quando se virou para sair, foi então que os viu.
Eles estavam no canto da sala, ao lado de uma estante repleta de livros e revistas. Felipe tinha a garota à sua frente e mostrava algo a ela, parecia um esboço. A alça fina da regata que ela usava pendia por um ombro como se ele houvesse acabado de movê-la, embora pudesse ter escorregado sozinha, não tinha como saber. A loira não se dignou a olhar em sua direção, mas Felipe olhou e, quando viu quem estava na sala, não pôde esconder a surpresa.
A mulher disse algo para Felipe, mas Gabi não pôde registrar. Estava embevecida com a aparência do homem que a encarava. Barba por fazer, cabelos (des)penteados de um jeito que só ficava bom nele, uma camisa verde musgo com os três primeiros botões abertos, por onde era possível ver uma porção da pele e o começo de alguma tatuagem misteriosa; tudo isso sem mencionar os olhos, que ele mantinha em sua direção.
Imediatamente, uma chama surgiu na superfície prateada, como um fogo brando, provocativo e extremamente atraente. Sem responder à loira, ele deu um passo para o lado e devolveu o esboço à estante de livros. Com um aceno de cabeça, sinalizou para que Gabi deixasse a sala.
De onde a loira estava, ficava de costas para a sala e não conseguia ver Gabi. Felipe fez questão de ajustar o ângulo do corpo para que fosse possível encarar Gabi por cima do ombro da mulher. Sem desviar os olhos dos seus, ele esperou em silêncio.
Consternada, Gabi deu passos apressados e silenciosos até a porta, passou por ela, fechou e se apoiou ali. Cerrou os olhos e ficou no corredor, imaginando a cena, mergulhando num mundo hipotético onde um príncipe de verde seduzia e rendia sua princesa num delírio fantasioso. Quase pôde ver Felipe deslizando a outra alça da regata, lentamente, e a cada movimento, beijando a pele alva, fazendo a garota suspirar e inclinar o pescoço para tirar os longos cabelos lisos do caminho.
Gabi entrou em stand by. Literalmente. Era como ver um filme erótico estando dentro dele. Imaginou Felipe enfiando as mãos por baixo da saia da garota e puxando sua calcinha, e a loira movendo as pernas para lhe dar acesso. Na sua imaginação, em todo o tempo ele não desviava os pensamentos de Gabi, era como se ele estivesse fazendo aquilo com ela.
Ela resgatou das memórias aquele olhar enevoado de prazer; a boca entreaberta e uma expressão cheia de malícia, só que em sua imaginação, todos estavam unicamente concentrados nela. Era como se cada toque fosse em seu corpo em chamas, como se só houvesse os dois naquela sala, e o prazer desceu pelo seu ventre até o meio de suas pernas, provocando uma sensação quente, pulsante e pegajosa naquela região. Gabi nunca tinha sentido isso antes, e das únicas vezes que tivera uma mostra moderada dessa sensação, havia sido na presença dele.
Do seu Demônio Criativo.
Sua respiração se tornou arfante e seu corpo todo parecia suspenso numa bolha. Sua boca secou e ela desejou tanto estar no lugar daquela rival, que lágrimas subiram aos seus olhos e transbordaram, silentes e embaraçosas. Ela nem sabia se ele estava de fato num momento de intimidade com aquela garota, mesmo assim, a cena conjurada por suas mais promíscuas fantasias ficaria gravada em sua mente. Jamais pensou ser capaz de fantasiar assim.
— Maldito! — praguejou baixinho, enxugando o rosto molhado. Moveu-se ligeira a caminho do banheiro e esbarrou em Cíntia no meio do caminho. Quando viu a colega, as lágrimas voltaram a verter, descontroladas.
— Pelo amor de Deus, Gabi! O que houve? Por que você tá chorando?
— E-eu odeio ele!
— Odeia quem?
— Ele... — subitamente, ela se lembrou que esse enredo malicioso onde estava entranhada era algo muito pessoal, íntimo e, por que não dizer, perigoso. Ela não podia sair falando sobre essas coisas pela agência, não sem causar problemas.
Cíntia era uma boa amiga. Elas haviam se aproximado bastante nos últimos tempos, mas ela ainda era uma funcionária da Limonada e tinha um favoritismo declarado pelo artista polêmico que era seu diretor de criação. Gabi jamais abriria qualquer coisa sobre ele para ela.
— Eu briguei com uma pessoa. Não foi nada, não se preocupe.
— Namorado?
— Não chega a isso...
— Homens não prestam, amiga. Espera! É homem, né?
Gabi sorriu. Cíntia era tão evoluída e engajada em tudo o que era assunto...
— Infelizmente, é homem, sim. Em gênero e identidade.
— Aff... esses são os piores. Machistas de merda!
— Não precisa militar a meu favor, Cíntia. Sou jovem mas não sou ingênua. Ainda assim, talvez eu precise evoluir nesse quesito.
— Precisa mesmo, amiga. Não pode permitir que pisem nos seus sentimentos.
Gabi especulou o motivo de suportar permanecer trabalhando ali. Era por causa do Felipe? Que domínio era esse? Que controle ele tinha sem nunca ter feito nada de fato com ela? Era um completo absurdo! Ela precisava repensar tudo isso. Precisava dar um basta, mas a atração que sentia por ele era forte demais para ignorar.
— Já estou bem melhor — e estava mesmo. O choro ajudou a aliviar a pressão. Não ia mencionar o estado de sua calcinha, mas de resto, havia recuperado o controle.
— Eu estava te procurando para entregar isto — Cíntia estendeu um envelope cor de laranja com um brasão em cera negra. O brasão tinha um "T" estilizado e o nome "Gabriela Telles" estava grafado em dourado.
— O que é?
— Um convite. Vai acontecer um evento de inauguração da Tijolo Engenharia e você é convidada de honra.
— Eu? Mas... Eu?
— Sim, você, sua bobinha. Um dos diretores colocou seu nome na lista.
Pablo. Certeza que foi Pablo.
— Mas, eu não tenho nenhuma condição de comparecer a um evento desse tipo! Não tenho roupas, nem sapatos! Não tenho nada adequado para a ocasião.
— Então, amiga, está na hora de irmos às compras!
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