12 - Tijolo
Fazia mais de uma semana que Gabi não tinha notícias de Felipe. Ninguém comentava nada na agência, mas ela podia sentir um clima tenso, principalmente por parte de Pablo. Ela havia feito perguntas aos colegas de trabalho e ninguém parecia saber a razão da ausência do Diretor de Criação.
— Eu acho que ele voltou a usar — Leo comentou entre uma abocanhada e outra em seu sanduíche.
Estavam Gabi, Rob, Cíntia e Leo acomodados no mirante do edifício. Rob e Cíntia já tinham terminado o almoço e apreciavam o intervalo dividindo uma caixa de bombons.
— Não fica comentando isso, Leo — Cíntia advertiu —, sabe que pega super mal.
Gabi se perguntava por que Cíntia sempre saía em defesa de Felipe. Teriam eles alguma história juntos? O pensamento a aborreceu.
— Ele estava indo bem. Não sei o que aconteceu, mas ele me pareceu bem abatido nas últimas semanas — Rob divagou.
— Deve ser por causa do Thiago... — Cíntia deixou a frase perdida no ar.
— Thiago? — Gabi não se aguentou e perguntou.
— O irmão mais velho — Rob respondeu. — Era para ele completar 30 anos essa semana.
Gabi sentiu vontade de chorar, e nem havia conhecido o rapaz. Por isso Pablo andava tão cabisbaixo e não continuava nenhuma conversa nos últimos dias. Ela achou que era por causa de Felipe mas, pelo jeito, o buraco era bem mais embaixo.
— Como aconteceu? — ela se atreveu a perguntar.
— Morreu num acidente. Tem alguns anos já — Foi Leo quem respondeu —, a família não divulgou como aconteceu, mas todos desconfiam que o motivo tenha a ver com Felipe. Ele era "porra louca" total naquela época e parece que estavam voltando de alguma rave. Especula-se que a culpa tenha sido do irmão que sobreviveu.
Gabi sentiu o coração apertar. Que situação horrível! Se estar chapado fosse o catalizador de uma tragédia assim, por que então Felipe transitava por esse caminho? Não seria razão suficiente para se manter limpo?
Bem, ela não tinha nenhum vício, portanto não poderia julgar. Tudo o que sabia era o que tivera que aguentar por anos. Estar do outro lado não lhe dava argumento para determinar como uma pessoa lidava com os próprios dramas.
— E o Pablo, onde estava quando aconteceu? — ela perguntou.
— Ele estava em uma viagem. Ficou sabendo quando os pais apareceram do nada para avisar sobre o enterro.
— Que coisa horrível...
O silêncio perdurou por algum tempo entre eles, como se cada um estivesse meditando sobre vida e morte, cada qual em seus próprios termos. Quando o horário do almoço terminou, enquanto subiam pelo elevador, Gabi entrou em outro assunto, ainda envolvendo Felipe.
— Quando o Diretor de Criação se ausenta por tanto tempo assim, como a agência faz com as demandas?
— Depende do período — Rob respondeu —, geralmente a equipe se vira bem; pode não parecer, mas Felipe dá espaço e confia nos colaboradores. Complica mais quando começamos com algum novo cliente, ou quando entra alguma campanha nova e fora do roteiro.
— Então vocês devem estar preocupados por causa da conta da Tijolo Engenharia — Gabi gostava de mencionar o cliente; gostava de pronunciar o nome; era como lamber a colher do brigadeiro recém cozido.
— Você é muito atenta, Gabi! — Leo exclamou — a gente tem que tomar cuidado com o que fala perto de você.
— Não quero parecer intrometida...
— Relaxa, Gabi. Isso não é um problema. Nada do que fazemos é segredo entre nós e todos ali estão cientes de que o que discutimos pode ser ouvido. Além do mais, você assinou um contrato de confidencialidade — Cíntia concluiu.
Assinei?
— Você podia fazer uns cursos, Gabi. Quem sabe você faz carreira na agência? É um desperdício uma garota linda como você perder tempo servindo cafés — Leo brincou, mas Cíntia girou os olhos não gostando nada do comentário.
— Não sei o que mais me irrita em você, Leo! O fato de você achar que uma mulher bonita merece mais oportunidade do que outra não tão atraente, ou por generalizar que pessoas que trabalham numa função mais simples devem ser desprovidas de beleza. Pensamento obtuso do cacete esse o seu! — E virou para Gabi — não estou negando que você é bonita, mas esse comportamento machista me irrita demais!
— Concordo com você, Cíntia. Para com esse papo, Leo! Eu não gosto, ok? — Gabi alertou, mas não estava totalmente irritada. Gostava de ser elogiada e desde que viera para capital, notara o quanto sua autoestima melhorava aos poucos.
Demorou muito para ela se importar com o que via no espelho. Tendo crescido como "bicho do mato", só passou a se atentar para a própria aparência quando já estava no ensino médio e virou alvo do interesse dos adolescentes em seu auge hormonal. Não que fosse uma beldade na época, mas tinha encorpado muito nova e suas curvas no lugar atraiam o olhar lascivo dos garotos de sua idade. O cabelo também chamava atenção, o tom de caramelo das madeixas sempre mantidas num comprimento longo, associado ao amendoado dos olhos, davam a ela uma aparência singular entre os demais, que ela só aprendeu a valorizar muito tempo depois.
Constrangido com o rumo da conversa, Leo trocou um olhar com Rob, que riu sonoramente.
— Cara, esse é um problema que você cavou — Rob caçoou —, eu não me meto nesses assuntos de mulher. Sabe muito bem que sou casado e prefiro o outro gênero.
— Vocês estão certas — Leo assumiu um olhar de quem foi posto no "cantinho do pensamento" —, me desculpem por ser um idoso de 30 anos criado num contexto paternalista e opressor de minorias.
Apesar da tensão aparente, todos acabaram rindo do comentário e, quando entraram na agência, o clima já tinha descontraído.
O resto da tarde passou sem novidades. Gabi continuava encanada com o sumiço de Felipe e irritada por estar tão obcecada com o assunto. Desde quando o "patrão do mal" tinha virado alvo de tamanho interesse? Há semanas, ela praticamente torcia para que ele não viesse trabalhar, agora ficava olhando para a porta de cinco em cinco minutos esperando que ele surgisse em todos os seus um metro e oitenta de massa magra dourada e cabelos revoltos.
Mais chateada do que gostaria de admitir, principalmente consigo mesma, foi se punir limpando os banheiros. Quando terminou, cuidou da copa e fez café. Separou os utensílios para servir a equipe, e quando bateu à porta de Pablo, ele não respondeu. Ouviu a voz dele por trás da madeira; devia estar ao telefone e parecia alterado, mas ela não ficaria ali ouvindo atrás da porta.
Serviu os demais colaboradores e voltou em direção sala dele. Enquanto decidia se voltava a bater na porta ou não, a mesma se abriu, fazendo-a dar um salto para trás. Pablo estancou à sua frente e parecia consternado.
— Oi. Eu ia te oferecer um café... — ela murmurou.
— Não posso agora. Preciso sair. Com licença.
Ela saiu do caminho e o viu deixando a agência a passos largos. Era meio da tarde e ela se descobriu como a pessoa mais xereta do planeta. Por que tinha que ficar teorizando sobre o destino de Pablo, onde Felipe estaria e tantos outros assuntos que não eram de sua conta?
Talvez um curso para ocupar a cabeça vazia fosse uma boa ideia. Buscando se distrair do seu par de diretores confusos, ela voltou aos afazeres.
Perto do fim do dia, ela passava pelas mesas dos colaboradores retirando o lixo e enquanto isso, eles discutiam sobre o cliente novo.
— Eu não sei se dá pra acrescentar mais alguma coisa na apresentação — comentou Nay —, sem entender a cabeça de quem escolheu o nome, a coisa fica muito solta.
— Não penso que o cliente vá se importar — Diego argumentou —, ele já aprovou o logotipo, as diretrizes de aplicação e todo o conceito visual.
— Você precisa entender que o conceito de uma marca não é só estético, Diego — Nay insistiu. — A marca é o que conecta as pessoas à empresa, e se ela não comunicar o que deve, não gera afinidade. Um bom argumento vai reger tudo, desde a filosofia da empresa até seus valores.
— O tijolo foi inventado a mais de dez mil anos — Gabi murmurou, enquanto recolhia alguns papéis do chão.
Toda a equipe ficou em silêncio. Ela estava agachada e, de onde estava, olhou para cima e percebeu a expressão interessada de Rob. Foi suficiente para que ela sentisse confiança em continuar:
— Pode parecer algo bobo e simplório, mas o tijolo existe desde a era neolítica. Os egípcios, maior fenômeno arquitetônico da história, foram os primeiros a usar tijolos cozidos no forno. Tijolos têm história e também fazem parte dela porque foram usados para construir as mais icônicas estruturas do mundo, como as Pirâmides, a Grande Muralha da China, o Taj Mahal e o Coliseu. Além disso, eles fazem parte da construção deste edifício enorme e também de barracos em favelas espalhadas pela cidade. Eles conectam tudo porque não têm um rótulo ou um limite de pertencimento.
— Isso é... bem interessante... — Rob anuiu.
— Sim — ela continuou, estimulada pelo interesse da equipe que agora estava toda inclinada em sua direção —, além do mais, tijolos passam várias mensagens: durabilidade e resistência, pois precisam suportar a força do tempo e da natureza; acessibilidade, pois são relativamente baratos e fáceis de fabricar; e por fim, têm um valor estético tão interessante, que há colunas nesse estúdio que os usam como elemento de decoração. Podem ser velhos ou novos, coloridos ou opacos, eles se dão bem em qualquer espaço. Eles têm longevidade, expressão e função. Acho que dá pra trabalhar um conceito com base nisso.
O silêncio perdurou, até que Gabi percebeu o olhar da equipe em outra direção.
— Muito interessante, Gabriela.
Gabi congelou, e achou que partiria do estado sólido ao líquido numa poça no chão assim que identificou a voz de Felipe, bem atrás de si.
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