Capítulo Trinta e seis - Aline
Anteriormente em 'Desde Agora e Para Sempre': Após a tragédia no final da festa universitária, Aline e Cris passam a noite com Olivia.
Boa leitura =D
(Capitulos novos toda quarta feira)
13 de Julho de 2014.
Saco o celular ao sair do hospital, ignorando o olhar confuso das pessoas para minha roupa.
Várias ligações perdidas. Meu pai deve estar preocupado, aposto que assustei todo mundo lá de casa desaparecendo assim, sem dar sinal de vida. O problema é que não cheguei a pensar em mais nada até a situação de Olivia se estabilizar.
Mando uma mensagem para Verônica e outra para meu pai, só por via das dúvidas.
Pouco depois de uma da tarde, entro aliviada em casa. Tiro os sapatos e o frescor agradável dos azulejos alivia o desconforto em meus pés. Suspiro, satisfeita.
Está tão quieto, nem ouço o som do videogame de João Victor. Nunca entendi porque ele gosta de ouvir aqueles tiros e explosões em um volume tão alto.
Descubro o motivo da ausência quando passo pela cozinha. Na ilha de mármore claro tem um bilhete.
"Aline, fomos almoçar fora. Dolores ficou em casa."
Reconheço a letra de Júlio, os garranchos de meu pai chegam a ser caricatos.
Descarto a folha e me dirijo para a escada. Talvez Dolores concorde em pedir algo para comer se eu falar com jeitinho. Meu apetite voltou como um soco forte no estômago, até consigo escutar roncos ocasionais.
A porta do quarto da garota está aberta. Estranho. Caminho lentamente pelo corredor até lá. O quarto está escuro e vazio, além de ter um cheiro azedo peculiar. O que assusta é ver a quantidade de embalagens de chocolate vazias na cama. Quem consegue comer tanto doce assim?
Viro-me para a direção contrária, desconfiada. Em vez de seguir para meu quarto paro em frente à porta do banheiro do andar de cima. Permaneço em silêncio. Lá dentro escuto alguém tossir e resfolegar, claramente passando mal. Então o som do vômito de encontro a água do vaso.
Levo as mãos até a boca e me afasto da porta, chocada.
- Dolores? - não consigo evitar. Minha voz sai em um guincho de preocupação. Ela não responde, só dá a descarga.
Ouço o estalo do trinco quando a porta é destrancada. Como ela não sai de imediato, me adianto em abrir a porta.
A garota passa água na boca e cospe, o rosto extremamente pálido.
- Está tudo bem. - declara antes que eu possa falar qualquer coisa. - Foi só um mal estar.
Permaneço em silêncio, não sei o que pensar.
Quando Dolores volta a falar, percebo sua voz rouca.
- Que tal pedirmos alguma coisa pra você comer? - sugere. Um sorriso fraco tentando se formar.
Devolvo o sorriso, um pouco mais aliviada, mas ainda com um péssimo pressentimento.
A noite de domingo e a tarde de segunda parecem fazer parte do mesmo ciclo de apatia. Apenas durante a noite me dou o trabalho de levantar. A faculdade continua lá. Não que eu ligue para as matérias no momento, mas tenho assuntos a tratar.
Entro pelos portões me sentindo fumegar com a raiva e agitação. Tenho que me controlar caso queira atingir meu objetivo.
Entre assistir a primeira aula e ir até a reitoria, escolho o segundo. Que se foda.
Subo muitas escadas e ladeiras até alcançar o patamar da recepção. A geografia física de Salvador pode ser um pouco frustrante para quem não está disposto a subir colinas. No meu caso, nem cheguei a me importar com a queimação nas panturrilhas proveniente dos tanto que andei.
A UFBA fica realmente sombria durante a noite. Apesar de postes e lâmpadas espalhados pela extensão do campus, sempre há vãos escuros tomados pela vegetação e grandes árvores que tampam o céu estrelado. O ambiente nada receptivo combina com minha áurea.
- Ele não está. - a secretária declara.
- Claro que está, eu vi a luz da sala ligada lá de fora.
Ela pigarreia.
- Eu quis dizer que ele não está atendendo no momento.
- Eu insisto. - minha voz firme. - Tenho a noite inteira.
A mulher levanta, contrariada e sobe até o gabinete do reitor. Minutos depois está de volta e faz um gesto para que eu suba.
As escadas e paredes de concreto armado ao meu redor dão a impressão de se encolherem a cada passo. Forço-me a controlar os sentimentos ao bater na porta do patamar superior.
Uma voz grossa ecoa lá de dentro.
- Entre. Espero que o que quer que tenha para dizer valha meu tempo gasto.
Não dou "boa noite", porque ele também não se deu ao trabalho.
- Venho por um incidente infeliz que aconteceu envolvendo o curso de jornalismo.
O reitor, que até agora estava de costas, encarando a escuridão lá fora finalmente se vira para me encarar. Tem um risinho impaciente nos lábios.
- Deixe-me adivinhar uma coisa. - ele diz usando um tom condescende. Parece já saber do que se trata sem eu ter falado mais de uma palavra. - Aconteceu aqui, na propriedade universitária?
Engulo em seco.
- Não, mas...
- Então já pode se retirar. - me interrompe.
Custo a acreditar na forma grosseira como me trata.
- Uma aluna foi ferida. Gravemente.
- Imagino.
- Por alunos da faculdade. - continuo.- O senhor precisa tomar alguma providência.
- Se aconteceu fora do campus, não tenho obrigação para com alunos dentro dessa situação.
- Acho que o senhor não entendeu a gravidade do assunto.
Ele ergue uma sobrancelha.
- Não vejo gravidade nenhuma, a não ser o fato de a senhorita estar matando aula para vir até aqui falar asneiras.
Minha paciência que já estava curta vai por água abaixo.
- A garota foi estuprada! - exclamo, dando um passo para mais perto do homem.
- Certo. E...
A resposta me pega de surpresa. Como assim? Diante do meu silêncio perplexo ele decide continuar.
- Não é a primeira vez que acontece. - diz. - E não será a última. Essas coisas acontecem.
Meu peito se inflama de um ódio pouco característico de minha personalidade. Cerro os punhos com força até sentir a pele sendo machucada.
- Seu filho da puta! - berro.
Ouço os passos apressados da secretária subindo rapidamente pela escada para conferir a comoção.
O reitor finalmente se mostra alterado. Espalma as mãos na mesa, se inclinando com um olhar ameaçador.
- Não é da minha conta o que essas putas fazem fora daqui!
- Isso é ridículo!
- Saia!
A secretária de repente aparece segurando meu braço e me puxando firmemente para fora. Me solto violentamente do aperto e o fuzilo com o olhar por mais alguns segundos, certa de que meus olhos transmitam todo o ódio e repulsa que inundam minha alma.
Empurro a porta, que não estava totalmente aberta e saio pisando firme.
As aulas seguintes se tornam simplesmente impossíveis de suportar. Não consigo processar nenhuma frase, nenhum exercício. Bato o lápis impacientemente na borda do caderno pensando estar perfurando aquele reitor com a ponta afiada.
- Ei. - Cris sussurra. Sua expressão está carregada de preocupação. - Aguenta mais um pouco, já está dando a hora.
Como se influenciado por suas palavras, a professora decide nos liberar mais cedo e todos levantam automaticamente. Cris me arrasta para um banco escuro no térreo, longe dos olhares. Ela sabia o que eu tinha em mente e notou minha ausência na primeira aula.
- Ele disse que não é da conta dele o que as putas fazem fora daqui. – relato o que foi me dito por aquele maldito.
- Você só pode estar brincando.
- Queria estar. - suspiro.
- Não acredito que um homem desses controle a universidade.
- É difícil acreditar mesmo. O pior é que não sei o que fazer agora.
Um silêncio pesado se instala entre nós enquanto remoemos os acontecimentos. Mas Cris é mais rápida em encontrar uma solução.
- Tem o responsável pelo curso de jornalismo. - sugere.
Vejo uma luz "acender" em seus olhos. Talvez ainda seja possível tomar alguma providência por meio das autoridades da faculdade.
- Mas como acharei esse cara? - franzo o cenho. - Ele não para na sala dele, fica perambulando por aí.
Cris dá de ombros.
- Espero que tenhamos sorte.
- Ou eu posso ir atrás dela.
- Ir atrás da sorte?- Cris indaga, como se minhas palavras não fizessem o menor sentido.
- Isso. Vou ficar por aqui, perambulando. Uma hora o encontrarei.
Ela sorri, ainda duvidosa:
- Você está bem determinada.
- De fato. - concordo.
Cris sobe para sua próxima aula, ao contrário de mim, que fico sentada naquele canto escuro por muitos minutos. Pensando, ponderando e criando esperanças de que o coordenador Moreira seja de alguma ajuda.
Começo a andar com passos lentos pelo campus. Moreira é um dos melhores coordenadores de cursos na universidade. Hoje em dia atua no curso de Jornalismo, mas já teve passagem por Ciências Sociais. Costuma ser um cara agradável.
Não demora para que eu o encontre debatendo com alunos em uma das mesas redondas perto da cantina. Permaneço afastada, esperando a conversa acabar para que tenha uma chance.
Moreira nota minha presença, constante, inflexível. Despede-se dos alunos e vem em minha direção.
- Aline, não deveria estar em aula?
- Acho que no momento não.
Ele solta uma risada baixa.
- Boa resposta.
Moreira parece ter em torno de quarenta anos. Usa uma de suas muitas camisas de flanela e carrega uma pasta sob o braço direito. Poucos traços de idade se mostram presentes em sua compleição. O mais notável são os pés de galinha na beira de seus olhos, por tanto sorrir. Um rosto marcado por bons momentos da vida.
- Qual o problema? - pergunta.
Tenho certeza que minha cara entregou que era, de fato, um problema; e não só mais uma questão comum.
- Soube do que aconteceu na festa do curso de jornalismo? - vou direto ao ponto.
Uma sombra passa por seu rosto, o sorriso gentil vacila.
- Olivia, não é? - diz.
Então ele sabe, mas não está fazendo nada? Seguro a alça da mochila com mais força.
- O que vai ser feito a respeito, professor?
Ele interrompe a caminhada. Estamos em um corredor iluminado, mas tudo ao redor é negro, como se o mundo parasse e se focasse apenas naquela conversa.
O rosto de homem não está virado para mim, então só posso imaginar sua expressão quando diz:
- Se conversou com o reitor, sabe como as coisas funcionam por aqui. - ao olhar para mim, pesar cobre sua expressão. - Sinto muito, Aline.
- Mas você não pode fazer nada?
- Além de contatar a polícia? Infelizmente não. E isso já fizeram. Devem estar trabalhando no caso. - ele diz sem muita convicção.
- Até parece.
- Olha... - segura meu braço e me vira em sua direção. - Queria muito poder ajudar, só não faço a mínima ideia do que possa ser feito.
A decepção me atinge novamente, foi bobagem da minha parte achar que o fato de procurar um professor simpático mudaria alguma coisa. Solto meu braço de seu aperto e dou um passo para trás.
- Claro. - respondo mecanicamente. - Obrigada.
Ele me chama quando já estou a alguns passos de distância.
- Conte comigo para qualquer coisa! - ergue a voz. - Se eu puder fazer algo.
A proposta amigável ajuda a me acalmar, mas no momento, duvido poder encontrar alguma coisa à ser feita. Saio do campus em direção ao ponto de ônibus, decidindo não ir ao restante das aulas.
Separar papéis, xerocar, alinhá-los, grampear. É como passo a manhã. O sol atravessa os vitrais da empresa e ilumina as letras impressas em tinta ainda fresca. Não preciso usar nem dez por cento do cérebro para fazer essas atividades, e me sinto contente por isso.
Nem me sobressalto quando sou abraçada por trás. Reconheço o perfume, e o volume da câmera. Marcos.
É bom poder vê-lo, apesar de ter me virado muito bem sem sua presença nos últimos dias. Deixo que me guie para longe da bancada de trabalho até aquele depósito secreto onde o namorado de Khaliu sempre nos pega. Em vez de trocar beijos, ele só me abraça, me dando o conforto que tanto preciso.
Quando começa a sentir minha respiração mais pesada, ele toma meu rosto entre as mãos delicadamente. Os olhos castanhos perscrutam os meus, como se buscassem tentar entender os meus sentimentos. Mas ele já sabe o que é.
- Sinto muito por Olivia, Line. - fala baixinho.
O calor de seu corpo contra o meu é tão reconfortante. Sua voz, seu toque. Deixo-me vulnerável, mas quando vejo, desabo completamente.
Ele me segura firme enquanto os soluços tomam contam de meu corpo e me fazem tremer. Após alguns minutos sem conseguir me acalmar, tenho que abaixar até conseguir sentar em cima de uma caixa lacrada. O choro está se transformando em uma crise de ansiedade. Em vez de me sentir aliviada, meu coração bate cada vez mais rápido e a euforia toma conta de mim. Sinto dificuldades em respirar e dou grandes arfadas na esperança de conseguir mais ar para meus pulmões. Meu peito dói muito.
Marcos permanece ao meu lado, afagando o coque elegante que tentara fazer mais cedo. Ele se oferece para buscar água, mas recuso. O quero ao meu lado.
- A polícia não vai fazer muita coisa, né? - consigo dizer depois de um tempo.
Ele não responde, só passa os braços por meus ombros. Sei a resposta.
Claro que não.
A tristeza se esvai e a raiva ameaça tomar seu lugar.
- Aline? - a voz suave de garoto chama. - Posso falar uma coisa que estava pensando?
Afirmo com a cabeça.
- A universidade e o pessoal da delegacia não serão de muita ajuda, certo? - faz uma pausa. - Mas você é inteligente e persistente. Confio que é capaz de encontrar uma solução para isso. Não é impossível, posso ajudar se quiser.
Se cala, provavelmente esperando uma resposta.
As palavras são processadas lentamente em minha mente enquanto agarro sua camisa. Sinto uma espécie de determinação invadir e tomar conta do que resta dos meus sentimentos confusos.
Conseguirei provas. Acharei os culpados.
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Obrigado por ler. Até o próximo. Beijos e abraços <3
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