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Capítulo Setenta - Marcos

Anteriormente em 'Desde Agora e Para Sempre': Após uma perseguição alucinante, finalmente o bandido que atormentava a vida de Marcos e Nick foi preso.

Boa leitura =D

Obs: O capitulo a seguir tem um salto temporal de 2 semanas em relação ao anterior de Marcos.

(Capitulos novos toda quarta feira)



18 de Agosto de 2032.

- Precisa de mais alguma coisa? – indago ao colocar o prato com o sanduiche na mesinha de plástico ao lado da cama.

- Não, tô de boa. – Nick responde.

Com uma cueca samba canção com estampa de sabre de luz e o notebook no colo, ele ajeita o travesseiro onde se recosta. Nas últimas três semanas sua recuperação foi boa pós-cirurgia. Dou graças a deus que amanhã fará o último curativo, está sendo bem chato ter que fazer quase tudo por ele, principalmente levando em conta que Nick é o rei do comodismo.

- Estou saindo para o coquetel. – aviso ao deixar o quarto.

- Beleza, bebe muito por mim. - lança uma piscadela.

Sorrio e sigo até o banheiro, tomando um comprimido para a dor. Apesar de já recuperado, ainda sinto meu nariz latejar às vezes. Pego a jaqueta de couro, as chaves e o celular e rumo até Alexia.

A loja fica no bairro de Brotas, mas próximo dos grandes comércios. O prédio pomposo se agigante a minha frente, as vitrines largas ainda vazias estão iluminadas. Passo pelos detectores ao lado da entrada e fico surpreso, todos vestem roupa de gala, serei o único forasteiro de calça jeans, camisa, jaqueta e sapatênis. Mas não tenho culpa, Bia disse que essa seria uma festa casual com o único objetivo de mostrar a loja. Pelas vestimentas, até parece que estão leiloando o lugar.

Como minha irmã comentou dias atrás, o local é similar a uma loja de grife: o branco predomina do chão ao teto; o forro é mais alto que o comum se comparado a outras lojas; há uma área com plantas ao fundo, próxima a um extenso balcão.

Caminho admirado com a beleza da construção. Poucas peças estão expostas nos longos cabides metálicos embutidos nas paredes, provavelmente parte da coleção exclusiva que Diego desenvolveu.

É realmente impressionante ver como todas as promessas de Bia para esse empreendimento se concretizaram. Meu peito se enche de orgulho da minha irmã mais velha. E não demoro a avistá-la, conversando em uma rodinha com pessoas que não faço a mínima ideia de quem são. Afonso está ao lado, a mão ao redor da sua cintura, eventualmente descendo para o quadril. Meu lado de irmão ciumento não se manifesta, acho que já acostumei com as demonstrações de carinho dos dois, sem contar que minha irmã está radiante sobre esse relacionamento, e se ele a faz feliz, fico feliz também.

Driblo um dos garçons que carrega uma bandeja cheia de canapés apetitosos e aproximo.

- Boa noite. – interrompo a conversa.

O casal imediatamente me julga com o olhar, em especial o que estou vestindo. Todos devolvem o cumprimento de forma educada.

- Esse é meu irmão Marcos, e esses são Cátia, Evandro, e Maria da glória. – Bia direciona a eles depois a mim.

Aperto a mão dos convidados, abrindo um sorriso simpático.

- Como estava falando, abriremos para encomendas na terça feira, e durante toda a semana teremos desconto de quinze por cento. – minha irmã continua. – Nosso estilista é maravilhoso. Espero vê-los aqui.

- Com certeza virei, querida. – Maria se pronuncia.

- Não sei se poderei terça, mas verei o resto da semana. – Cátia diz.

- Acho que a patroa já falou tudo. – Evandro direciona à Cátia.

- Confeccionaremos ternos também, o Senhor pode acompanhar sua esposa. – Afonso se mostra prestativa.

- Não incentiva não, se deixar, ele gasta mais que eu. – Cátia ri.

O casal ao meu lado força um sorriso e faço o mesmo.

- Se me dão licença, checarei os outros convidados. – minha irmã fala.

Com um sorriso, Bia e Afonso se distanciam e os sigo.

- Que porra é essa que está vestindo? – ela diz.

- Roupas. Acho que esqueceram de me mandar o convite do baile de inverno. – uso de sarcasmo.

- Não liga pra ela Marcos, a jaqueta é maneira. – Afonso elogia.

- Mas deveria saber o nível de gente que estaria aqui essa noite. – fala baixo.

- É só uma roupa Bia, para de ser chata, isso não atrapalhará o seu negócio.

- Nosso negócio. – enfatiza. – E lembra o que a mamãe diz: não importa o lugar ou a ocasião, esteja sempre bem apresentado.

Reviro os olhos.

- A mamãe diz muita coisa, e mais da metade delas entra por um ouvido e sai pelo outro.

Afonso começa a rir, mas se contém.

- Falando nisso, cadê ela? – olho ao redor.

- Chegará mais tarde. – esclarece. – Vou tentar fazer meu trabalho aqui e puxar o saco desse povo, sugiro que façam o mesmo, pelo bem da empresa. – diz ao sair. Rebolando no vestido verde. Logo percebo que usa uma daquelas cintas modeladoras, mesmo sem precisar. Não mais sei o que dizer para que pare com essa paranoia em relação ao corpo.

- Vem beber algo. – o homem interrompe meus pensamentos.

- É uma boa.

Nos aproximamos do pequeno bar montado no canto direito, mais ao fundo, ele pede um whisky e eu uma caipirinha. Surpreendo quando Afonso toma toda a dose de uma vez, fazendo careta em seguida.

- Coloca mais, por favor.

A bartender obedece.

- Está acontecendo alguma coisa? – demonstro curiosidade.

- Muitas. – ri de nervoso. – Não sabe quanta dor de cabeça me vem mesmo vendo isso aqui pronto. Foi um inferno tirar esse projeto do papel e todas as etapas seguintes.

- Imagino. – me compadeço e levo o copo a boca, o gosto cítrico do limão causa uma boa sensação.

- E sua irmã não ajudou nem um pouco, em relação ao estresse, digo. – sorri, tomando mais um gole.

Sorrio, sabendo exatamente do que está falando.

- Bia pode parecer assim calma, mas consegue te levar a loucura em dois segundos.

- Exatamente. – ri.

Silêncio se segue. Aproveito mais um pouco da bebida enquanto observo o restante das pessoas socializando, não suporto esse tipo de confraternização, me sinto com setenta anos.

- Você que tem razão em vir com essa roupa. – fala de repente. – Eu trabalho de terno de segunda a sexta, o ano inteiro, e quando tem uma celebração como essa, cá estou usando essa roupa de pinguim de novo. – vira o restante da bebida.

Busco entender o significado da sua fala.

- Fazer relatórios; verificar planilhas; reuniões; checar a verba para determinada atividade..., esse esforço repetitivo causa um desgaste, sabe, é difícil fazer só uma coisa durante grande parte da vida. – desabafa.

- Concordo plenamente. – falo, pensativo. – Imagina trabalhar com o que não quer?

Ele lança um olhar amistoso, parece entender o que quero dizer.

- Mas você se adaptou bem. – tenta elogiar, mas acaba errando no argumento.

- Sim, mas sinto falta da liberdade que tinha antes, de explorar o mundo através das minhas lentes, de ver perspectivas que as pessoas geralmente não veem. – sinto uma ponta de tristeza tomar meu interior. – Infelizmente ser artista no Brasil é pedir para passar fome.

Ele permanece calado, os dedos correndo pelo copo. Não sabe o que dizer.

- Sinto muito. – enfim fala.

- Não sinta. Independente disso, no final do mês temos que pagar as contas, não é?

Suspira, acenando positivamente.

- Pena que tudo nessa vida gira em torno de dinheiro. – concluo.

- Eu que o diga, trabalho com isso durante os últimos vinte e cinco anos.

Sua fala me traz a lembrança da primeira vez que o vi: o estudante de contabilidade recém-formado, tímido, adentrando a sala do meu pai, informando que seria o novo estagiário, enquanto eu estava ali, no auge dos meus dezoito anos, cheio de sonhos, sendo forçado a trabalhar naquela fábrica.

- Está preparado para assumir esse lugar? – sua voz me traz de volta a realidade.

Após muito pensar, aceitei a proposta da minha irmã para administrar a loja. Penso que aqui terei uma independência maior daquele ambiente corporativo e estarei mais próximo da cidade, e das pessoas, diariamente.

- Não, mas eu me viro.

Afonso se limita a rir, pedindo que a bartender sirva outra dose. Acho que alguém terá uma ressaca daquelas amanhã.

- Marquinhos! – sobressalto com a voz masculina atrás de mim, quase cuspindo a bebida.

Viro para encarar um senhor de barba e cabelos grisalhos, uma mulher se põe ao seu lado.

- Ei... – procuro familiaridade em seu rosto, mas não encontro.

Encaro Afonso e ele também não aprece conhece-lo.

- Como está diferente! Também pudera, a última vez que o vi era só um garotinho.

Sorrio, fingindo lembrar.

- Como é o seu nome mesmo? – indago.

- Gustavo. E essa é minha esposa Magda. – indica a mulher, que sorri.

- O rosto está igual ao que era antes, tão fofo. – ela ressalta.

Rio, lisonjeado.

- Obrigado. – não sei o que dizer.

De repente o rosto do homem ganha um ar melancólico.

- Sinto muito pelo seu pai, queria ter comparecido ao enterro, mas estava no Rio de Janeiro desde o começo do ano, estabelecendo meu novo escritório.

- Entendo, obrigado pela consideração.

Ele faz uma pausa e suspira, agarrando meu ombro direito:

- Seu pai era um cara que eu admirava muito, homem de bom coração, que se importava mais com o bem estar dos outros do que o próprio. – percebo uma emoção verdadeira em seus olhos.

Só consigo permanecer calado e ouvir.

- Lembro quando o ajudei no processo de adoção seu e da sua irmã. – revela. – Tomás estava devastado na época por não poder ter filhos biológicos, mas quando vocês vieram, preencheram esse vazio em sua vida.

A informação surpreende e a emoção se faz presente. Mas não quero pensar sobre o meu pai agora, afinal ele é o culpado por minha vida ter se transformado nesse caos cansativo e repetitivo.

- Agradeço tudo que fez por nós. – falo e ele se limita a sorrir.

Silêncio se segue, o homem retorna a compostura.

- Já falei com sua mãe que estou disposto a dar todo o suporte que esse comércio precisar. – diz. – Queria falar com sua irmã, mas não a encontrei.

- Ela está por ai... – olho ao redor, mas nada de Bia, estranho. – Se a ver, peço para falar com o senhor.

- Certo, querido.

A bexiga reclama.

- Se me dá licença, vou ao banheiro.

- Use o do primeiro andar, o daqui de baixo está faltando o vaso. – Afonso se pronuncia.

Franzo o cenho, não havia notado que o local tinha um andar extra. Aceno com a cabeça, depositando o copo vazio no balcão do bar.

Alguns metros à esquerda e lá está a escada larga, como não a percebi antes? Agarro um canapê na bandeja próxima e subo.

O local se encontra na completa escuridão, tateio a parede até encontrar o interruptor e fico surpreso com o que vejo: dois corredores lotados de cômodos, me pergunto qual será minha sala. A vontade de explorar é grande, mas ao sentir uma pontada na virilha, sei que as necessidades naturais terão que vir primeiro. Coloco o enroladinho de camarão todo na boca e sigo a procura do banheiro.

Após me aliviar, deixo-me guiar pela curiosidade, abrindo uma a uma as portas de madeira. Duas salas pequenas, uma média e uma grande, e é nessa última que adentro.

O local é bem espaçoso. Faz eco enquanto caminho pelo cômodo vazio. Há um vitral grande a frente, proporcionando uma bela visão da rua. Estou decidido e não aceito outro local de trabalho.

A luz do poste me ilumina enquanto chego mais perto da janela que dá para a frente da loja, a rua parada nessa noite fresca de Salvador. Duas pessoas conversam próximas a um carro, nada demais, mas de repente noto algo familiar, uma delas usa um vestido verde muito parecido com o de..., espera, é a minha irmã.

Colo o rosto no vidro e aperto os olhos, tentando enxergar entre a penumbra. Com quem está conversando? As sombras não me possibilitam ver. É então que se despede e volta em direção à loja. Um homem loiro, mais velho, segue para o lado oposto. Nunca o vi na vida.

Hipóteses rondam minha mente, e logo descarto apossibilidade de Bia estar traindo Afonso, o outro homem é muito velho e feio,a não ser que ela adquiriu um gosto peculiar para homens nos últimos meses.



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Obrigado por ler. Até o próximo. Beijos e abraços <3

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