Capítulo Sessenta e três - Aline
Anteriormente em 'Desde agora e para sempre': Aline foi convidada pelo patrão a fazer parte do time seleto de jornalistas que escreverão matérias para a cobiçada edição de aniversário do jornal, mas acabou em uma mini disputa com outro estagiário. Em busca de ganhar tal disputa, nossa protagonista seguiu pelas ruas de Salvador e se deparou com uma situação complicada envolvendo um assunto delicado: aborto. Em uma abordagem inesperada, Cardoso convidou Aline para sair.
Boa leitura :D
(Capitulo novo toda sexta feira)
26 de agosto de 2014.
O espelho reflete uma silhueta com seios e quadris bem delineados por um vestido vermelho escuro que ressalta a palidez de minha pele. Os cabelos estão bem comportados, em cachos espaçosos e perfeitos. A maquiagem é discreta e de bom gosto, com um batom nude puxado para o marrom. Meu rosto não chamaria atenção de primeira, mas se passarem os olhos por ele, perceberão a beleza delicada que a maquiagem de Verônica conferiu a mim.
- Vai sair com Marcos? - ela questiona.
Não tenho certeza se de alguma forma ela viu o garoto e eu nos pegando no dia do jogo ou em outras ocasiões quando ele veio escondido aqui em casa, pondero até a possibilidade de Cris e sua boca enorme ter deixado algo escapar na frente dela. Como Verônica é inteligente, não surpreendo de desconfiar que está rolando alguma coisa.
Hesito a principio, mas a barreira da insegurança logo desfaz. Desde o hospital minha relação com Verônica tem se tornado cada vez mais amistosa, familiar.
- Não.
- Ah... - surpresa desponta em sua expressão. - Você está linda, aliás. A cor do vestido realmente combina com sua pele.
Minha autoestima aumenta ligeiramente ao receber o elogio, fazendo com que me sinta mais bonita e confiante.
- Obrigada. - respondo com sinceridade. Qualquer incentivo é bem vindo em uma noite como essa. Primeiros encontros sempre causam nervosismo.
- Mas..., e Marcos? – ela insiste. - Você gosta dele ou algo assim?
Desvio o olhar do espelho, olhando para a mulher.
- B-bem... - gaguejo. Não quero pensar sobre isso agora. – Gosto, mas... é complicado.
Verônica sorri e permanece em silêncio.
- Achei que namoravam. - não perde a chance de dar uma última "cutucada" antes de sair do quarto com o secador e escovas de cabelo.
Dou de ombros, relanceando para minha matéria mal concluída, e penso na oportunidade que terei hoje. Além do fato de que dizer não para um homem de tanta beleza e poder é assustador. Posso tirar proveito desse jantar com Cardoso, é o que repito para mim mesma.
- Line. - escuto a voz de João Victor chamar. Ele aparece no vão da porta e ergue as sobrancelhas para minha aparência. - Tem um carro foda parado lá no portão. Vi do meu quarto.
Não pode ser Cardoso, eu não havia lhe enviado a localização da minha casa. Ainda assim...
- Obrigada. - respondo. - Vou dar uma olhada.
Desço as escadas vagarosamente, já com a bolsa em mãos. Uma forte intuição faz com que tenha certeza que não retornarei ao fechar a porta às minhas costas e seguir para o portão escuro.
E de fato, um belo carro esportivo aguarda a frente da moradia. Quando o vidro dianteiro abaixa, não fico surpresa.
Cardoso encara do volante. Os olhos brilhantes dando a impressão de estarem quase semicerrados. O sorriso contido é a primeira coisa que chama a atenção quando o homem desce do veículo e se dirige até mim para abrir a porta. Quando era pequena, meu pai também abria a porta para mim; para que não a batesse forte demais e estragasse alguma peça. Seria esse o motivo? Contenho com pouco êxito o sorriso.
- Está deslumbrante, Aline. - o diretor comenta ao dar a volta e sentar ao meu lado. – Mas tem algo faltando. – leva a mão até o bolso e retira uma caixinha dourada.
Demoro um segundo para perceber que está me oferecendo.
- Abra. - diz. Acho a voz baixa muito sensual, mas meu foco volta para o presente.
Um colar, também dourado, brilha do fundo acolchoado da caixa.
- Nossa... - expiro, maravilhada. - É lindo.
Ele sorri satisfeito.
- Obrigada.
Cardoso permanece em silêncio, me fitando com os olhos enigmáticos. Após alguns segundos de uma estranha, porém deliciosa, tensão surgir entre nós, tento pensar em qualquer assunto para puxar a conversa. Ergo uma sobrancelha, o olhar inquisitivo:
- Como descobriu onde moro?
Ele apenas gira a ignição, desviando o olhar com o mesmo sorriso nos lábios e dá partida no carro. Contenho um calafrio.
- Não acha que eu, diretor de uma redação cheia de jornalistas, sei onde conseguir informações?
Uma breve risada escapa:
- Tem razão. Deve saber o endereço de todos os outros funcionários.
Ele solta uma gargalhada. É a primeira vez que escuto o som potente e alegre, tão diferente de sua postura no trabalho. As luzes dos postes delimitam o maxilar forte enquanto percorremos o asfalto, e sinto a tensão dissipar.
- Como anda a matéria? Muitas andanças pela cidade? - ele pergunta casualmente, os olhos fixos na pista e ao mesmo tempo distantes. Pode ser minha chance.
- Está indo bem. Só precisei ir a poucos lugares. Mas... - não perco tempo. - Qual o nome daquele garoto que está competindo comigo?
- O que tem o cabelo meio espetado?
- Esse mesmo
- Cristian. Mal posso esperar para ler a matéria dos dois e escolher a dele. – o homem brinca.
- Ei! - respondo, fingindo indignação, mas logo deixo uma risada escapar.
Talvez sair para jantar com ele me dê alguma vantagem. Sinto uma pontada de culpa, e decido afastar a ideia da mente.
Sua mão desliza do volante e prendo a respiração quando ela paira, na marcha, próxima a minha coxa. Cardoso não olha para mim, mas sei que está ciente de cada pequeno movimento, de cada respiração. E durante todo o tempo, a mão permanece ali, centímetros da minha pele exposta, a fazendo formigar.
Paramos em uma grande construção de vidro, no centro de uma espécie de jardim. Posso ver pessoas brindando no andar de cima. As luminárias douradas pendem do teto junto dos garçons vestidos de branco que caminham pelo salão.
Um empregado abre a porta para mim, como se fosse algum tipo de madame. Não me permito dar a mesma risada de antes, ao entrar no carro. Cardoso entrega as chaves e seguimos para o interior brilhante.
Ele deixa que eu aponte a mesa que prefiro, contanto que seja em uma certa região que parece ser vip, voltada para os jardins adornados com uma enorme fonte. Após poucos minutos de espera, conseguimos uma perto dos vitrais. Um pequeno lago artificial é visível dali e a brisa da noite entra por uma das portas atrás de mim.
- Boa escolha. - o homem comenta, sorrindo.
O garçom se apressa em nos entregar o cardápio. Quando abro, me deparo com uma variedade surpreendente de vinhos.
- Não posso dizer que tenho o mesmo bom gosto para bebidas. - na verdade não conheço nada sobre vinhos, apenas os com nomes engraçados que papai escolhe para a ceia de natal.
Cardoso sorri de lado, o que causa arrepios em meu estômago. Os cabelos com apenas alguns fios grisalhos estão penteados para trás. Olhando melhor para o rosto anguloso, imagino que seja bem mais novo do que antes presumira. Com o terno escuro impecável moldando perfeitamente o corpo e a sobrancelha afiada erguida naquele ângulo provocante. Teria o que, no máximo trinta e sete anos?
- Parece pensativa. - ele comenta, fazendo com que pare de fitá-lo como uma maníaca.
Desvio o olhar para o vinho que o garçom já trouxe ao mandato do homem, sentindo as bochechas queimarem. Estranho, isso não costuma acontecer. Homens não têm esse efeito sobre mim, não desde a adolescência. De qualquer forma, sei que fico um pouco mais atraente com as bochechas levemente coradas.
Ergo os olhos, mirando por baixo das sobrancelhas bem delineadas. Não consigo conter um sorriso travesso quando o percebo me fitando com um novo tipo de intensidade.
- Então... - pigarreia, a voz rouca. - Me conte sobre sua família.
- Ah, não esperava por essa. - comento. - Achei que estaria mais interessado no meu curso de jornalismo ou algo do tipo. - levo em conta nossa relação cotidiana.
- Não essa noite.
Remexo no acento, não conseguindo ficar parada sob os olhos claros que não se afastam dos meus.
- Bem, moro com meus irmãos, meu pai e minha madrasta. – exponho.
Ele parece curioso.
- Aposto que se dão bem. Você e sua madrasta.
- Agora sim. - respondo brevemente.
- Agora? - ele ergue uma sobrancelha. - Minha mãe ficou bastante doente quando era pequeno, e nunca tive um bom relacionamento com as namoradas posteriores do meu pai.
- Meus pêsames.
Cardoso hesita por um instante.
- Ela não morreu, meu pai a enviou à uma clinica.
Fico um pouco constrangida pela gafe, mas a empatia por ele se faz mais presente. Também fui afastada da minha mãe, cedo demais. Temos mais em comum do que inicialmente pensara.
Os olhos do homem brilham. Não é tristeza, talvez apenas... saudade. Surpreendo-me por perceber tais sentimentos.
- Mas, então... - ele prossegue. - Gostaria de te pedir alguma coisa?
- Sim Cardoso.
- Me chame de Rique. - sua voz adquire um tom mais íntimo, ligeiramente amigável. Abre um sorriso de lado. - Não quero que me veja como seu chefe quando estivermos juntos.
Pisco, surpresa.
- Claro. - digo com um sorriso involuntário se abrindo.
Nesse momento, as luzes ao nosso redor perdem um pouco de seu brilho, mudando a atmosfera naquela parte do ambiente e surpreendendo os clientes bem vestidos.
- O que está acontecendo? - pergunto, olhando ao redor. As outras pessoas fazem o mesmo. Posso ouvir uma senhora reclamando por não conseguir ver seu prato com clareza. Porém todos os garçons que são consultados apenas apontam para as janelas.
- Eu sinceramente não sei. - Rique sussurra. - Mas se fosse chutar diria para olharmos a fonte.
Admiro a cascata de água lá fora quando esta ganha cores. Roxo, rosa, azul, dourado. As pessoas ao nosso redor suspiram, e o burburinho ganha um tom de excitação.
Os jatos de água ficam cada vez maiores. Alguns permanecem do mesmo tamanho, e outros surgem, do pequeno lago. O líquido forma padrões iluminados e estonteantes.
As cores refletem no perfil de Rique e em seu maxilar forte. Está escuro demais para que decifre sua expressão, mas sinto o calor de sua mão quando ele a desliza sobre a minha. O toque me excita.
As luzes voltam ao normal mais cedo do que gostaria, mas todos riem uns para os outros, surpresos pelo entretenimento.
- Uau. - solto uma risada incrédula.
Ele ergue as sobrancelhas, mas não parece compartilhar do mesmo sentimento, apesar de estar contente. Pergunto-me se sabia.
- É. - sorri.
A voz da velhinha chama nossa atenção. Ela está se dirigindo a um dos garçons.
- Eu venho nesse restaurante há anos e nunca vi isso acontecendo!
O garçom sorri educadamente, se inclinando para servir o vinho.
- Foi um pedido especial de um dos clientes.
- Eu até esqueci sobre o que estávamos falando. - ele comenta passando a mão nos cabelos. Dando certo movimento aos fios precisamente penteados. O acho mais sexy assim. - Mas então, o que gosta de fazer?
- Costumo ler. - respondo. - Apesar de fazer algum tempo que estou afastada desse "mundo" por conta da faculdade e do TCC.
- Imagino. - comenta, e então assume um ar misterioso. – Gosta de balé?
- Hãn, sim. – levanto as sobrancelhas, sentindo um misto de confusão e surpresa. Não lembro de tê-lo contado sobre isso. - Como sabe?
- Vi as sapatilhas despontando de sua bolsa um dia desses. - responde simplesmente.
Dou um sorriso sarcástico.
- Não sabia que prestava tanta atenção nas bolsas das funcionárias.
- Pois é. - ele entra na brincadeira. - Quem imaginaria?
Rio.
- Meu pai trabalha em uma pizzaria. - conto, retomando o assunto inicial. Sinto-me mais confortável falando de coisas não diretamente relacionadas a mim. - O negócio vai bem ultimamente, mas isso o faz ficar mais tempo fora de casa.
- Imagino. - Rique se mostra interessado, porém sua expressão se altera para linhas mais rígidas. - Às vezes o trabalho pode consumir muito de nossas vidas.
Lembro da foto na parede de seu escritório, na história da empresa. Talvez o trabalho tenha lhe consumido toda a vida, se esteve preso nesse meio desde pequeno.
- Foi o que aconteceu com você? - a frase sai antes que possa refletir se é apropriada para o momento.
A expressão dura permanece em sua face. Na linha tensa dos lábios e o maxilar travado.
- De certa forma.
Ele continua, desviando um pouco o assunto.
- Mas e Verônica? - pergunta. - Costuma ajudar seu pai?
- Um bocado. Fico feliz por serem companheiros assim.
O homem me lança um olhar compreensivo e estende um dos cardápios. Só após pedir a refeição, percebo que não lhe falei o nome de Verônica em momento algum, mas dou de ombros, devo ter soltado algo no escritório e provavelmente ele ouviu.
O resto do jantar decorre bem. Simples assim. Mantenho uma conversa fluída, ainda com aquela tensão deleitante que encobre nossas frases e gestos. Nem me dei ao trabalho de tentar convencê-lo a dividir a conta. Como meu chefe, ele sabe muito bem quanto ganho, rio internamente.
- Suponho que possa te deixar em casa. – o homem sugere ao se por de pé, abotoando o paletó em um movimento fluído.
- Não recusarei.
Ganho um sorriso afiado em resposta. Por seus olhares, juro que tentaria me levar para outro lugar, mas a mente desse homem é simplesmente uma incógnita. Independente dos sorrisos e palavras.
Cardoso, digo, Rique, dirige devagar. Como se quisesse que nosso tempo junto não terminasse. Pega o caminho mais longo até minha casa e finjo não perceber.
- Aline. - ele chama antes que possa abrir a porta do carro, quando finalmente chegamos. A caixinha com o colar está em meu colo. Afasto uma das mechas para trás da orelha, me virando em sua direção.
O olhar que recebo me pega se surpresa. Ele está próximo, e continua se inclinando. A colônia amadeirada me envolve, e a mão desliza delicadamente para minha nuca, só para depois me puxar com firmeza, quase me faz gemer.
O beijo é cheio de desejo. Porém não demora muito. Quando se afasta, a respiração está mais pesada.
- Sei que pode ser muito cedo, mas... – as pupilas claras perscrutando minha alma. - ...gosto muito de você, como pessoa, como profissional, como mulher..., espero que queira repetir essa noite mais vezes. - a voz rouca e baixa junto com um sorriso de lado, e arrepios me cobrem.
- Foi tudo incrível. – não contenho o sorriso, decidindo por deixa-lo com a resposta ambígua, tenho coisas a ponderar.
Respiro fundo, mordendo o lábio inferior enquanto observo o carro dar partida e distanciar pela iluminação fraca da rua.
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Obrigado por ler. Até o próximo. Beijos e abraços <3
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