Enquanto passo com pressa pelas ruas molhadas, penso em você. Penso que seus olhos são mais escuros que as nuvens chuvosas, que seus lábios são sempre pintados do mesmo tom de vermelho do guarda-chuva da mulher à minha frente, que você sempre anda de sandália então chegava em casa com os pés sujos em dias como hoje, como eu briguei com você por isso. Por quê? Você mesma limpava a lama, por que te aborrecer em vez de te receber com um beijo? Você detestava minhas blusas listradas, mas nunca falou nada, só comprava uns estilos diferentes, porém nunca me obrigou a usar. Quando me olhou triste por eu estar zombando de você nunca escolher uma camisa decente para mim em um grupo de amigos, não me senti mal, apenas ri. Passo pela nossa antiga padaria preferida, nossos cafés de sábado, nunca mais consegui entrar lá, mas já te vi comprando pão algumas vezes. De vez em quando penso em mudar de bairro, meus amigos falam que não é saudável morar tão perto de você. Uso a desculpa de que é perto do trabalho, mas todos sabem, inclusive eu, que é para te ver as vezes. Nunca te persegui, não sou tão maníaco, mas tento passar despercebido quando te vejo na rua. Por outro lado, sempre que me vê me cumprimenta e tenta puxar conversa, na maioria das vezes digo que estou atrasado porque te ter tão perto simplesmente dói demais. Lembro que sempre quis um gato, eu dizia que eram bichos agressivos e ingratos. Agora você tem um cachorro, um labrador marrom. Só de birra, adotei o gato mais feio do abrigo. Magricelo, sem um olho e com um pedaço da orelha comida. Pela ironia da vida, caolho nunca me arranhou e me espera na porta todos os dias, agora que engordou está mais simpático. Alguém esbarra em mim e quase cai, então seguro o braço da moça.
-Márcio?
-Oi Patrícia_ digo gaguejando e sentindo meu coração acelerar.
-Você sempre me pegava assim, lembra? Continuo desastrada. Você está muito ocupado? Podíamos ir naquela padaria de sempre, sinto sua falta.
Hoje choveu, coloquei um pano perto da porta para a Patrícia secar os pés, caolho estava no meu colo, mas correu para a porta junto com bolinho quando ouviu a chave rodar.
-Não devia ter saído de sandália, realmente choveu.
-Devia sim, seus pés são os mais lindos.
Ela sorriu sem graça e eu a puxei para um beijo.