Capítulo 25 - Isso é um adeus? (Parte 1)
"É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas."
- Charles Bukowski
***
Meu corpo está frio, sinto o suor descendo vagarosamente pela minha lombar e a mão de Lucien ainda está posta sobre meu ombro. Seu toque é a única coisa que me impede de surtar de uma vez.
— Greg — disse Linda com um sorriso debochado nos lábios — Há quanto tempo.
De imediato não soube com qual dos dois caras ela está se referindo, até que o senhor de cabelos grisalhos se vira na direção dela e eu deduzo que ele era o Greg.
— Até você faz parte dessa liga rebelde? Por que não estou surpreso?
"Liga rebelde?" Penso nessas palavras sem entender absolutamente nada.
O segundo cara - mais jovem - continuou parado com a arma apontada para Lucien ameaçando atirar com qualquer sinal de movimento suspeito e, para piorar, meus braços, a cada minuto que passa, doía mais. Eu só quero sair dali junto com Sam e nunca mais olhar para essas pessoas.
— Eu sempre te disse para não mexer com meus amigos. — responde Linda.
— Sam é uma traidora, juntamente com você, pelo que percebo. E agora ambas tem que pagar.
Linda não respondeu. Noto que ela tenta parecer tranquila com as palavras de Greg, mas seu queixo treme levemente revelando o medo. Ela trava o maxilar e continua encarando o senhor com mais ódio.
— Larga a arma rapaz. — ouço a voz suave da namorada de Linda. — Põe no chão devagar e se afasta do Charlie.
O cara ameaçador, parado à minha frente, ignora a ordem e não mexe um músculo sequer. Observo, pelo canto do Olho, que Sam começa a se remexer ao poucos, mas ainda sem abrir os olhos completamente.
— Você não me ouviu? — continuou ela
Todos ficam em silêncio. O homem mais novo parecia que ia atirar, seu olhar é firme e mortal.
Não escuto as respirações das pessoas que estão aqui, pois estou concentrado demais nos olhos escuros do moço a minha frente, com medo. A tensão dentro de mim aumenta e meu coração parece cavalgar contra minha caixa torácica, me deixando desnorteado.
— Você não quer fazer isso Linda. Eu cubro qualquer oferta que Lucien tenha feito e ainda ti perdoo por esse showzinho aqui. Tudo bem? — oferta Greg
— Sério? Eu estou há anos trabalhando nesse grupo e você ainda acha que eu não sei como essas coisas funcionam? — responde Linda severamente. — Manda seu capataz largar a arma, agora!
Greg não responde.
— Manda ele soltar! — grita Linda enquanto dá alguns passos na direção de Greg, ficando apenas alguns metros. — Você sabe que não estou para brincadeira.
O celeiro fica alguns segundos em silêncio até que Greg ordena que o moço jovem largue a arma e, assim, ele faz. No exato instante que a arma toca o chão, ouço as armas de Linda e sua namorada sendo acionadas e estremeço com o estalar de cada bala saindo do cano. Vejo o sangue deles espirrar no chão sobre o amontoado de feno e algumas gotas até acertam meu rosto. A sensação de horror do dia que a minha mãe morreu volta com tudo e sinto meu estômago embrulhando.
Antes que pudesse ter um colapso nervoso, Lucien corta a corda dos meus pulsos e passa suas mãos ao redor do meu corpo - evitando minha queda certeira - me rodopiando e encaixando meu rosto em seu pescoço. Seus braços firmes me embalam em um abraço apertado no qual eu não podia e não queria fugir.
— Vai ficar tudo bem agora. — ele sussurra em meu ouvido direito diminuindo o barulho das balas enquanto suas mãos acariciam minhas costas.
E, por mais que eu não quisesse, por mais que eu lutasse contra, as suas palavras, o seu toque e o seu cheiro único, fizeram eu me acalmar e ignorar o barulho alto ecoando pelo celeiro. Passamos alguns segundos assim até que os tiros param de vez e tenho a certeza que ambos os caras estão mortos.
Quando as mãos de Lucien finamente desgrudam de mim, viro-me na direção de Linda e vejo o corpo de Greg caído a sua frente parecendo um queijo suíço com uma poça enorme de sangue ao redor. O rapaz jovem não tá tão diferente.
— Charlie? Linda? — ouço a voz de Sam vindo da minha direita e meu coração pula de felicidade em vê-la bem. — O que tá acontecendo?
— Oi amiga. — Linda responde levemente emocionada enquanto larga a arma no chão sobre o sangue. — É uma longa história.
Sem perder tempo, pego o canivete da mão esquerda de Lucien e corro em direção a Sam. Corto a corda com a mão direita e com a esquerda seguro seu corpo para não deixá-la cair de cara no chão.
— Charlie! — ela grita quando está finalmente livre e me abraça apertado de forma angustiada, o que faz eu ficar sem respirar por alguns segundos.
Não consigo conter o sorriso e retribuo seu abraço com força. Sinto lágrimas se formando ao redor dos meus olhos por finalmente tê-la em meus braços.
— Eu estava com tanto medo de você está morta, Sam. — as palavras saem embargadas da minha boca e a aperto mais intensamente, com receio de solta-la e a mesma sumir de novo.
— Charlie... — ela sussurra contra meu pescoço. — Eu tinha certeza que você ia me achar. Nunca duvidei.
Ela se afasta ainda com o sorriso nos lábios e encara meus olhos com certa ternura e alívio. Suas mãos permanecem segurando as minhas. Olho rapidamente por cima do seu ombro e vejo Linda e sua namorada tentando tirar um pouco de sangue dos rostos e braços.
— Você achou meu diário, certo? — ela pergunta.
— Sim. A propósito, temos muita coisa para conversar sobre aquilo lá.
— Realmente temos. — ela não consegue conter o sorriso e nem eu. — Estou tão feliz em ti ver.
— Eu também estou.
E ficamos assim, sorrindo um para o outro e ignorando a presença dos outros ao nosso redor. Só Sam importava naquele momento. Não estava nem mesmo dando relevância para meu braço sangrando devido aos cortes que Lucien fizera.
— Desculpa atrapalhar o momento de vocês, mas preciso fazer o curativo nele. — ouço a voz rouca de Lucien e automaticamente viro-me na sua direção.
Percebo que Sam se enrijece ao encara-lo e seu corpo se volta a minha frente como se tentasse me proteger de Lucien.
— Ele é perigoso Charlie. Fique longe dele. — fala Sam quase gritando.
— Fica tranquila amiga. — diz Linda se aproximando de Lucien - depois de ter tentando tirar o máximo de sangue do seu rosto - e dá leves tapinhas no ombro direito dele. — Graças a ele conseguimos salvar vocês.
— A propósito, não há de quer. — Lucien diz encarando Sam e a mim, parecendo levemente irritado.
Sam parece incrédula com as palavras de Linda e percebo que em nenhum momento ela deixa de ficar tensa.
— Obrigado. — responde ela. — Mas não confio em você.
— Tranquilo. Fiz isso aqui pelo Charlie mesmo. — Lucien fala e, no mesmo instante, seus olhos vão de encontro aos meus.
Retribuo seu olhar e sinto as palavras evaporarem em meu peito. O clima fica tenso, com as palavras dele ainda ecoando pelo celeiro, até que Linda resolver quebrá-lo.
— Sam, sua vadia. — sorri — Eu tava com tanta saudades. — ela caminha até Sam e a abraça, tirando seu corpo do chão e a rodopiando.
— Tanto tempo que não te vejo. Nem acredito que você veio me ajudar. — ouço Sam sorrir enquanto fala.
Aproveito esse momento delas e me afasto, indo até Lucien que está ao lado da namorada de Linda.
— Acho que não fomos apresentados, eu sou Grace. — ela sorri abertamente para mim quando estou próximo e estende sua mão.
— Sou Charlie. E é um enorme prazer finalmente falar com você. — retribuo seu sorriso gentil e aperto sua mão. — Muito obrigado por ter se arriscado. Eu estaria morto sem a ajuda de vocês.
— Eu faço tudo que a Linda pede. — ela brinca. — Se você e Sam são amigas da minha namorada, com certeza são meus amigos também.
Fico tão contente em ouvir aquela palavra "amigos" que sem nem pensar eu a abraço calorosamente. Noto que ela se assusta de primeira com minha atitude, mas depois retribui, passando os braços ao redor da minha cintura. Nos afastamos e ela se direciona até Sam e Linda, que pareciam ter assuntos ilimitados, deixando eu e Lucien sozinhos.
De imediato, o clima fica completamente estranho, quase sufocante por ter Sam e Lucien no mesmo ambiente. Sinto como se meu dois mundos tivessem colidindo aqui e agora. Fico observado Lucien pegar algo no bolso do seu sobretudo e descubro que é uma faixa de gaze. Os dedos quentes dele seguram o pulso do meu braço cortado e ele, com o maior cuidado do mundo, começa a fazer o curativo.
Permaneço em silêncio analisando as belas feições de Lucien, até que ele, sem tira os olhos dos meus cortes, diz:
— Não vai me agradecer também?
— Agradecer por me machucar? - retruco.
— Agradecer por bolar esse plano em minutos. — ele volta seu olhar frio para mim.
— Muito obrigado Lucien. — digo com sinceridade, mas ele ainda parece chateado comigo quando desvia os olhos dos meus e retorna a encarar o curativo. — De verdade mesmo.
— Não há de quer. — ele diz, sem sorrir.
— Ainda precisamos falar do meu pai. E dessa liga rebelde. Fiquei sem entender nada quando Greg falou dessas coisas.
— Acho que te devo isso. Você merece saber de muita coisa, mas só te peço uma coisa. — sinto certa aflição nas últimas palavras de Lucien.
— O que?
— Quando eu te contar tudo... — Lucien engole em seco e encara cada um dos meus olhos procurando apoio — Não me odeie.
Prendo a respiração e, consequentemente, sinto calafrios em meu corpo quando ouço as palavras que ele disse. Antes que eu pudesse responder, Linda fala:
— O papo está ótimo, mas a gente tem que ir.
Lucien termina o curativo e eu permaneço atônito sem saber o que pensar e com medo sobre o que ele irá me falar.
— Linda e Grace, levem a Sam para aquele lugar seguro que eu disse a vocês e depois pegue a mãe dela e sua irmã. Eu e Charlie precisamos conversar e depois alcançamos vocês.
— Charlie não vai ficar sozinho com você. — ouço Sam dizer ao meu lado enfurecida.
— Fica calma. Lucien não vai me machucar. — respondo, mas sem parar de martelar em minha mente a ideia de que ele já me machucou uma vez. — Será rápido, eu prometo.
Sam olha para mim com certa preocupação e depois encara Lucien com raiva.
— Tudo bem. - diz ela dando o braço a torcer.
Antes que pudesse me mexer e ir até Lucien, Sam passa os braços ao redor do meu pescoço e me abraça mais uma vez. Sinto sua leveza sendo passada para mim e fico bem com isso. É sempre bom ser tocado por ela, sentir seus braços finos ao redor do meu pescoço e poder cheirar seus cabelos curtos. Sam se afasta alguns centímetros e encara meus olhos. No fim, deposita um beijo suave em meus lábios, pegando-me de surpresa.
— Não demora muito, por favor. — pede ela.
— Não vai.
— Tudo bem.
Sam caminha até Linda e Grace e as três se despendem enquanto caminham até a saída.
Viro-me para Lucien e percebo que ele está com a cara emburrada.
— Vamos até meu carro, tenho medo deles mandarem alguém para checar se tudo ocorreu bem aqui e flagrarem nós dois. — diz Lucien preocupado olhando para os lados. — Onde você deixou a caminhonete?
— Deixei numa estradinha que divide a BR. Não é longe.
— Okay, você me guia. — Lucien retira um celular do bolso e ligar a lanterna.
Ele segura minha mão e saímos do celeiro. Para minha surpresa, o céu já está escuro e cheio de estrelas, o clima está frio e levemente macabro. Aperto sua mão com mais força para não ter um ataque de pânico e passamos novamente pelo trigo até acharmos o veículo. Durante toda essa caminhada eu só conseguia pensar em uma coisa:
"Finalmente vou saber de tudo"
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