Capítulo 21 - Diferenças (Parte 2)
"Mas, enfim, existem coisas que somente o coração é capaz de explicar."
-Tati Bernardi
Ficamos em silêncio e eu tento pensar na resposta adequada. Algo que agrade meu interior e exterior. Mas não há nada que eu possa falar, estava em uma rua sem saída, pego pelo muro de tijolos. Só cabia a mim abrir uma passagem.
— Tem outra pessoa. — admito, tentando mudar de assunto.
— A Sam?
— Você sabe dela?
— Lucien me contou.
"Ah claro. Os meus segredos ele pode contar." Penso chateado. Mas pelo menos isso me poupa dos detalhes de explicar para ela quem é Sam.
— Pois é. Eu acho que...gosto dela. — novamente fico impressionado por tais palavras escaparem de minha boca, mas nem consigo acreditar em mim mesmo.
— Você acha que gosta dela? Ou você acha que deve gostar dela?
— Não, eu gosto dela. Eu senti algo quando nos beijamos. Algo diferente.
— Vocês se beijaram? — ela põe a mão na boca e seus olhos se arregalam de uma vez. Por incrível que pareça, sorrio. Ela fica surpresa por eu ter beijado uma menina mas acha normal eu beijar um menino.
— Sim, pouco antes de ter acontecido aquele "negócio" — faço aspas com os dedos
— Entendo. — ela põe a mão direta no queixo enquanto pensa. — Agora você está uma situação complicada meu rapaz. — sorri e levanta o copo já cheio para mim. — É melhor beber.
Nem penso. Apenas viro o copo e ponho-o em cima da bancada.
— E você? — pergunto depois da acidez da bebida ter diminuído no meu estômago.
— Eu o que?
— Você nunca ficou com algum menino?
— Não. — ela sorri — Eu sempre soube o que queria. Apenas tive medo por um tempo. Mas meus amigos fizeram esse medo desaparecer completamente.
— Sorte a sua. — digo de forma esganiçada enquanto brinco com o copo — Acho que o medo persegue todo mundo.
— Sempre meu amigo. — ela pega a garrafa e enche meu copo. — O medo é um filho da puta maldito.
Ambos sorrimos e por esses breves momentos acabo esquecendo o porque estou aqui. As luzes pareciam girar. Algo aqui dentro está leve e flutuando como um balão.
— Ao medo. — pego meu copo cheio e ergo
— Foda-se o medo. — sorrimos enquanto brindamos e depois viramos todo o líquido por nossa goela.
Já não ardia tanto quanto antes e eu podia jurar que não conseguia sentir minhas pernas. Algum efeito de eu está bêbado? Talvez. Tudo parecia mais engraçado do que a normalidade.
— O que eu devo fazer? — ponho minha mão esquerda na bochecha enquanto apoio meus cotovelos na bancada.
— Olha para mim? Estou tão ferrada quanto você.
— Mas você é mais bem resolvida que eu. — sorrio e ela também.
— Um elogio. — ela bate palmas bem devagar e sem fazer muito barulho — Acho que já devo te chamar de amigo.
— Se quiser. — levanto os ombros.
Ela bagunça meu cabelo com sua mão direta e abre um largo sorriso para mim.
— Bom já tive amigos que estiveram na mesma situação que você.
— Ainda bem, já estava me sentindo especial.
Ela apenas revira os olhos, mas sem tirar o sorriso dos lábios, e continua a falar.
— Voltando. Esses meus amigos tinham dúvida sobre o que gostar. Tenho diversas histórias como a sua. E eu acabei tirando minhas próprias conclusões dessas histórias.
— Que foram?
— A resposta é apenas uma palavrinha.
— Uma palavra? — fico imediatamente surpreso, ela apenas afirma com a cabeça.
— Intensidade! — diz por fim.
— Intensidade?
— Intensidade! Tudo é questão de quão intenso é esse sentimento que você sente dentro do seu coraçãozinho.
— Deixa de besteira. — sorrio como se não acreditasse, mas essa ideia tava sendo mastigada na minha mente de tal maneira que eu passei acreditar que talvez essa fosse a solução. Mas era simples demais. — Sua teoria é essa, certo?
— Sim, mas ou menos isso.
— Então. Em uma hipótese, bem longe da realidade, essa pessoa hipotética. — ela sorri quando falo. — Decida fazer uma escolha que desagrada muita gente e talvez ela mesma. E...e é considerada. Inapropriada. O que ela faria?
— Primeiro tenho uma pergunta.
— Faça minha querida amiga que não sei o nome.
— Por que a escolha da "pessoa" tem haver com que os outros vão pensar? Quem vai passar o resto da vida tendo que si esconder é a pessoa, não o resto do mundo. Então só ela vai saber o peso da sua escolha. Ou é a sua felicidade ou a felicidade da sociedade.
As suas palavras passaram por cima de mim como um trator desgovernado carregando uma tonelada de areia. Ela está coberta de razão e sempre esteve.
— Mas ainda sim é difícil, é difícil lutar todos dias contra todo mundo. É difícil ter que amar escondido. Tudo é difícil nesse século. Isso só torna as pessoas diferentes e vergonhosas.
— Vergonhosas? - seu tom de voz parecia que eu a tinha ofendido.
— Descul...
— Você acha que eu tenho vergonha de amar minha namorada por sermos diferentes?
— Não era essa palavra que eu queria usar. Me expressei ma...
— Idaí ser diferente? — ela me ignorou e continuou a falar de forma autoritária. — Idaí que as pessoas vão te olhar torto na rua? Idaí? — ela falava parecendo que estava fazendo um discurso, aumentando a fala compassivamente. — Todos os integrantes de Harry Portter são diferentes e isso não é ruim, eles são FODAS e não sentem vergonha em fazer magia com suas varinhas. Basta olhar por outra perspectiva. Você Charlie, é especial, e o que te faz diferente não é ser gay ou bi. É amar. Você apenas ama, enquanto as outras pessoas apenas expõe seu preconceito por aí.
Agora é minha vez de bater palmas. Não há palavras que eu pudesse utilizar para contestar tudo que ela disse. Só cabia a mim admira-la e ficar feliz por tê-la como amiga. No fim ela não parecia extremamente enfurecida. Chateada? um pouco. Mas parece que havia me entendido.
— Perspectiva interessante essa sua. Principalmente por ter citado Harry Potter. Estou impressionado.
— Ei, só porque sou garçonete de um bar não quer dizer que eu não conheça ótimas obras.
— Longe de mim dizer isso. — sorrimos, mas um barulho de cadeira sendo arrastada nos distrair e ambos viramos em direção ao som.
Lucien já está de pé juntamente com Linda Wolf. Os dois caminhavam até nós. Meu coração parecia que ia escapar pela minha boca. Minha última chance de salvar Sam está aqui.
Viro-me para moça novamente, mas dessa vez ela está de costas pegando algo dentro de uma das prateleiras de madeira. Ao se virar, percebo que traz consigo um papel e o põe na minha frente. Em cima do balcão. Analiso aquilo sem tocar e vejo um mapa com alguns "x" vermelhos marcados em lugares diversos.
— O que é isso? — pergunto
— Localização de alguns esconderijos dos Unknow. Sam está em alguns deles.
— Então Lucien conseguiu convencer Linda a nos ajudar?
— Não! Você conseguiu isso. — suas palavras não fizeram sentindo de imediato me deixando desnorteado. — Eu sou Linda Wolf.
Sinto minha boca se abrindo um pouco, ainda surpreso. Esse tempo todo estive falando com Linda, revelando coisas de mim. Com certeza estou encrencado. Olho para o lado e observo Lucien passar por nós e parar perto da porta como se tudo estivesse correndo o mais natural possível.
— Tudo isso foi um acordo que fiz com Lucien quando ele chegou aqui. Eu precisava conhecer o amigo de Sam, não ele. Desculpa se sentiu enganado.
— Eu entendo, esse é único jeito para saber se pode confiar em mim. Estou acostumado com isso. — minha voz sai com pitadas de raiva.
— Não fica chateado. Temos que fazer isso, se não estaríamos mortos a essa altura. Mas não menti das coisas que falei para você. Tudo aquilo era sério.
— Muito obrigado Linda.
— Não há de quer. Agora sei porque a Sam gosta de você.
— Obrigado mais uma vez. — sorrio tímido enquanto me levanto — Acho que tenho que ir.
Ela passa por cima do balcão deslizando suavemente suas pernas pela madeira e caminha até ficar na minha frente. Pela primeira vez noto que ela é um pouco mais baixa que eu e está usando uma calça preta justa.
— Espero que consiga achar ela. — diz e, ao ouvir isso, sinto algo que eu esqueci durante toda essa conversa, voltar. Algo doloroso de carregar.
Sinto braços em volta do meu ombro e ao focalizar minha visão vejo Linda me puxando para um abraço. Seu cheiro é doce e seu toque, mesmo que inesperado, me acalma. Parecia que eu á conhecia a muito tempo. Uma ligação instantânea.
— Ela é especial, eles não a matariam assim. — ela sussurra no meu ouvido, parecia uma tentativa de me acalmar ou uma tentativa de manter minhas esperanças. — Apenas tome cuidado com Lucien. Ele é perigoso. Isso eu sei bem.
Linda se afasta, porém suas palavras me deixaram esquisito e mais uma vez sem compreendê-las. Muitas perguntas surgiram agora, entretanto não tínhamos tempo. Cada segundo que passo aqui, só aumenta a chance de Sam já está morta.
— Ah, meu nome verdadeiro é Raina. — diz ela sorrindo — Achei que ficaríamos quites se eu te contasse a verdade. Você me disse seu nome verdadeiro e eu nunca gostei de dívidas.
— Claro. — aperto os olhos, "sempre cometo esse erro" — Acho que isso vai acabar me matando um dia.
— Com certeza sim. — sorrimos.
Nossas risadas se misturaram aos poucos e se espalharam pelo ambiente opaco daquele bar por um tempo, um tanto que grande, enquanto ficamos nos encarando, como se não quiséssemos nos despedir. "Ela seria uma ótima amiga" penso. Tudo pareceu constrangedor por um momento, mas ela quebra no fim.
— Tchau Charlie.
Respiro fundo.
— Tchau Raina.
Ando devagar até Lucien com receio de que quando eu passar por essa porta, todos os problemas cairiam em cima de mim como granitos em noites frias e de minutos infinitos.
Ele abre a porta para eu passar no momento que me aproximo. De imediato sinto o cheiro forte e amargo do mundo urbano e sempre em movimento. Olho de relance para trás e antes da porta se fechar, vejo Linda/Raina abraçando a moça que estava conversando com Lucien e aquilo de alguma maneira fez eu ver as coisas diferentes. Como própria Raina disse "De uma outra perspectiva."
A porta se fecha e sei que não as verei por um bom tempo.
— Temos que ir logo Charlie. Tudo será questão de tempo.
— Agora você quer ajudar? — falo enquanto caminho ficando detrás dele. Ele está completamente atordoado.
— Óbvio que sim. Agora é tudo ou nada! — afirma ele, o tom da sua voz é rouca me deixando nervoso. Lucien para de caminhar e eu também. Todo o mundo, por alguns segundos, pareceu em silêncio.
Carros não pareciam buzinar, as pessoas não falavam, não xingavam. Nada podia ser ouvido, apenas meu coração batendo fortemente contra minha caixa torácica. Simultaneamente, minha ficha cai e sei que, depois de irmos atrás de Sam, eu possivelmente não verei mais o Lucien. Algo deve ser feito.
— Charlie. — ele começa a se virar enquanto fala e encara meus olhos quando está totalmente de frente para mim, sem desviar nenhum milímetro. Ele não consegue continuar a fala.
O encaro por alguns segundos e não consigo sustentar seu olhar flamejante diante e mim. Aperto os olhos e os deixo fechados por longos segundos, tentando ter certeza se devo falar. Quando me decido, volto a encara-lo.
— Lucien precisamos conversar. — no instante que início Lucien da um passo na minha direção, sem tirar os olhos de mim, e esqueço por alguns segundos o que ia falar. O vento sopra do oeste fazendo seus cabelos serem jogados ligeiramente para a esquerda revelando uma parte da sua testa. Dessa vez não me mexo. Tento novamente do começo. — Lucien, ontem à noite você disse umas coisas e eu... Quero saber o que significou tudo aquilo que você me disse.
Lucien não responde, mas observo suas mãos se levantando devagar e fixando na minha nuca. Fecho os olhos e sinto o toque calejado do polegar de Lucien passear pela minha bochecha direita e indo até minha boca, a qual ele parece admirar. O gosto salgado da sua pele preenche meu paladar, o cheiro doce das suas roupas invadem meus pulmões e seu hálito mentolado me faz querer invadir aquele espaço com minha própria língua. Suas mãos grandes seguram minhas bochechas com tamanha delicadeza que meu coração se aquece. Em seguida seus lábios tocam os meus.
Suas mãos deslizam até minha nuca e ele me aperta com mais força, posso sentir a angústia dele, a felicidade dele e também sua dor quando sua boca abre e sua língua encontra a minha. Todo esse momento parecia uma grande despedida, pois ambos sabemos que não podemos ficar juntos. Lucien tem uma missão para continuar quando tudo isso acabar e eu tenho que tentar recomeçar, sem ele.
As mãos de Lucien deixam minhas bochechas e agarram minha cintura enquanto minhas mãos passeiam livres pelos cabelos dourados e macios dele. Algo parece crescer dentro de mim e ao meu redor, como se raízes cercassem meu coração e brotasse flores me fazendo sentir quase intocável, como se estivesse sendo banhado pela glória. Um verdadeiro momento infinito.
Ele me faz sentir mais do que eu podia, mais do que eu queria e precisava. Minhas emoções escapam pelos meus poros enquanto o sol da tarde esquenta minhas pálpebras me fazendo acreditar que aquilo é verdadeiramente e completamente real. E, durante toda esse misto de estranheza e sentimento escondido, uma lágrima brota dos meus olhos, não por dor, não por despedida. Um sentimento diferente brota junto dessas outras emoções, algo pecaminoso que - mesmo depois das palavras de Raina - ela continuavam existir dentro da minha cabeça, algo que cresci cultivando. A vergonha.
Aos poucos sinto vergonha de está beijando Lucien e com medo de algumas pessoas flagrarem esse instante íntimo e verdadeiro. Afasto vagarosamente meus lábios dos dele e, como consequência, posso ter total certeza de que meus olhos estão marejados. Abaixo a cabeça envergonhado, apertando os olhos para as lágrimas se dissiparem. Lucien coloca ambas as mãos em meu rosto acariciando-o com o polegar e - mesmo que eu esteja me sentido bem com isso - ainda dói internamente.
Levanto o olhar devagar até achar o rosto de Lucien. Ele está contra o sol alaranjado criando uma auréola natural detrás de sua cabeça e aumentando o brilho do seu olhar. Prendo a respiração. Esse momento parecia destoar depois de tantos problemas na minha vida, como se isso tudo fosse a pequena calma que vem depois da chuva, para logo em seguida voltar a trovejar.
— Eu não menti em nada do que falei ontem. — diz Lucien, porém sua voz evidenciava, que por entre as entre-linhas, havia algo a mais.
"Pelo menos ele se lembra." Penso feliz, mas a tristeza logo volta.
— Mas não podemos não é mesmo? — digo quase gaguejando. Ele está próximo, muito próximo. Sua barriga está colada com a minha, seu polegar ainda acaricia minha bochecha e sinto seu hálito quente atingir meu rosto quando fala.
— Sim. — Lucien abaixa a cabeça e respira fundo. — Não podemos.
Assinto já sentindo que minha garganta dando um leve nó.
— É melhor voltarmos para o Motel. — digo segurando todas as forças dentro de mim. — Vamos se preocupar só com a Sam nesse momento.
— Vai ser melhor assim?
— Sim, vai ser. — digo, não consigo encara-lo.
Ele desgruda o corpo do meu e nós dois entramos dentro carro sem dizer mais nenhuma palavra. Tudo que havia para ser dito, já dizemos com esse beijo. Olho para o lado de relance enquanto ele continua a dirigir e encaro Lucien por um tempo. Vendo o sol contorna-lo novamente e em como ele parecia diferente. Um belo anjo ou minha luz, talvez. Decidi registrar todo esse momento na minha mente como uma câmera fotográfica, queria relembrar disso para sempre. E então pensei enquanto encarava toda essa cena.
"Isso é um adeus Lucien e nós sabemos disso"
😆Mdss, tanto tempo que não postava, estava com medo de ter sido permanente kkkk.
Gente meu atraso nas postagens aconteceu apenas por causa dos vestibulares, tive que estudar, o que me deixou sem tempo para escrever. Mas agora voltei. Não desistam de mim.🙏🏼🙌🏻😉😭
E RainaWinny4 espero que tenha gostado, sinceramente.☘️❤
Um beijo a todos bbs💕💕🎈😃, até o próximo a capítulo. Ah, estamos entrando na reta final de Desconhecidos.
Estou ansioso e com medo. Abraços.
Se tiver gostado do capítulo deixe seu 🌟 e 💬 é sempre motivador. Sinal de você está gostando da história.
Amo todos
❤
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