Capítulo 21 - Diferenças (Parte 1)
"Nós nunca descobriremos o que vem depois da escolha, se não tomarmos uma decisão.Por isso entenda os seus medos , mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos."
- Alice No Pais Das Maravilhas
Mais uma vez em um carro. Eu deveria está acostumado com esse calor infernal e minhas pernas batendo constantemente no porta luvas enquanto o sol da manhã agride meu rosto sem pena. Porém, não me acostumei. "E olha que não são nem dez da manhã e o sol já está quente desse jeito." Penso. Mesmo com tudo isso o dia parecia mais bonito que ontem. Talvez seja meu estado de espírito que esteja diferente. Ou talvez não. Talvez Deus apenas queria caprichar no dia de hoje. "Um bom sinal? Espero que sim."
Lucien está dirigindo faz meia hora, sem descanso e nem paradas para fazer xixi. Estamos indo de encontro a Linda Wolf o mais depressa possível. Ao amanhecer, contei tudo sobre o que tinha descoberto no diário, principalmente o recado que Sam deixou para mim. Não tivemos tempo de conversar durante seu estado catatônico, popularmente conhecido como bêbado.
Hoje pela manhã tentei tocar em relação ao que ocorreu ontem à noite, mas ele me disse que não se lembrava de nada, apenas uns detalhes, e nesses detalhes não incluía a parte do "gosto de você". O que é bom para falar a verdade, menos uma vergonha na minha listinha de vergonhas que passei com Lucien e que provavelmente irei passar.
Saímos do motel bem cedinho e desde então Lucien tem ficado com a cara constantemente emburrada e mal fala comigo, e se fala são poucas palavras. Acho que é sua maneira de alto defesa, já que agora ele está vulnerável. Eu sei seus segredos, ou a maioria. Bom, Lucien voltou a ser um completo babaca que sempre foi, isso é fato.
Aproximo minha cabeça da janela e puxo o ar profundamente encarando a paisagem seca do lado de fora, enxergava apenas terra e algumas árvores contorcidas distantes uma das outras. Estou nervoso e o ar parecia pesar uma tonelada aqui nesse cubículo, como se meus pulmões estivessem morrendo aos poucos. Olho para frente e vejo casas, pequenas por sinal, se aproximando, porem quando mais adentramos, casas maiores começam aparecer e englobar o carro. Em poucos minutos vejo a placa do bar e sua estrutura pequena entre dois prédios enormes.
As letras "Dinner" estão em tom violeta, contrastando com as cores marrom da entrada. Há duas janelas, uma de cada lado da porta, e está recheada de vidro coloridos em forma de losangos. "Não parece tão ruim" penso analisando toda aquela estrutura um pouco desgastada mas que parecia si sustentar bem. Pelo movimento das ruas tenho certeza que deve está fácil. Ninguém vai ao bar em uma segunda, principalmente nesse horário. Isso é óbvio.
Não espero Lucien chegar até mim, adentro o recinto sem presa e dou de cara com um ambiente escuro e bem frio, algumas teias de aranhas ao redor das lâmpadas e apenas um senhor dormindo no balcão. Uma música antiga toca em algum lugar ali dentro e fico nervoso. Parece que o tempo parou nesse bar, como se eu estivesse preso nos anos 90. Começo a apertar meus dedos e a respirar fundo, mas até o ar fedia. Estou paralisado na porta com medo de eu entrar e ser contaminando pelas doenças que com certeza existem aqui dentro.
Sinto uma mão me afastando levemente para o lado e dou de cara com as costas de Lucien passando na minha frente. Com esse movimento acabo voltando ao meu estado normal e estremeço pela ideia de ficar sozinho aqui.
— Lucien... — sussurro — Me espera! — DROGA, ele não me ouve ou finge não ouvir.
Observo ele ir até a balconista e ambos conversam baixo. Não sei se devo me aproximar, então continuo parado observando enquanto toda minha perna treme. Lucien fica com a cara séria o tempo todo, o olhar sempre fixo na mulher. A conversa demora apenas uns segundos, rapidamente Lucien se afasta dela e adentra mais o local, indo para uma parte quase sem luz. "O lado negro da força" sorrio para logo em seguida ficar novamente nervoso.
Decido segui-lo quando me dou conta do que ele está fazendo. Não deixarei ele sozinho com Linda Wolf, não confio no que ele pode fazer.
— É melhor esperar aqui. — ouço uma voz feminina vindo da minha esquerda.
Olho para o lado e vejo a balconista me encarando enquanto enxuga um copo sem pretenção de realmente deixá-lo limpo, como se fosse apenas para passar o tempo. Os cabelos cacheados estão cobrindo boa parte das suas bochechas, escondendo um rosto esguio. Sua pele é morena como a noite e está usando uma camisa preta manga curta de alguma banda de rock que desconheço, mas que está molhada. Sinal de que estivera lavando aquele mesmo copo.
— Eu... preciso ir... com...
— Eu sei do que precisa. — a moça pega uma garrafa de um líquido amarronzado e põe no balcão — Ela vai demorar com ele, a conversa vai ser beeem longa. Vá por mim.
— Então você sabe? — me aproximo do balcão com curiosidade enquanto ela pega dois copos que estavam em cima da pia.
— Claro que sei.
Aproximo-me mais um pouco até sentar na cadeira alta do bar. Olho para o cara gordo mais uma vez para ter certeza que está dormindo. "Quando se trata daquele grupo todo cuidado é pouco."
— Você faz parte dos "Unknow"? — sussurro
Permanecemos em silêncio depois da minha pergunta que ecoa pelo ambiente. Em menos de segundos começa a surgir uma tensão e ela me encara sem desviar, com expressões sérias. Como se eu não devesse ter falado aquilo naquele lugar.
Quando me espanto ouço uma risada aguda vindo da mesma deixando-me um pouco constrangido, parecia que debochara de mim.
— Óbvio que não. — disse entre sorrisos, os olhos estavam cheios de lágrimas, aos pousos ela tenta se conter — Ela me contou tudo. Bom quase tudo. Temos uma relação complicada.
— Sei como é que é. — sorrio amargamente.
Ela assente com a cabeça e ficamos novamente em silêncio, mas logo é quebrado pela balconista que decide encher dois copinhos pequenos. Percebo que ainda não sei o nome dela.
— Então... o que vocês são? — pergunto e de imediato ela me encara seria, me deixando arrependido de ter feito a pergunta, é precipitado demais da minha parte. Tento contornar o assunto. — São amigas, irmãs ou...
— Namorada. — ela sorri para mim enquanto enxuga o balcão e depois se vira para encarar alguma coisa. — Ela é minha namorada. É estranho sabe, um dia alguém simplesmente entra na sua vida e deixa tudo de perna pro ar.
Olho na mesma direção que ela e vejo uma moça de cabelos lisos e castanhos, olhos cor de âmbar e grandes. Extremamente bonita, com certeza é a namorada dela. De frente para ela está Lucien. Aqui dava para ver perfeitamente os dois. Ele parecia extremamente sério e tenso, conseguia ver sua pele brilhando de suor e o jeito que aperta as mãos em cima da mesa revela tudo. Nunca o vi assim.
— Vira. — Olho para frente e vejo a moça segurado o copo e estendendo para mim.
— Como assim? — pergunto
— Toda vez que eu responder uma pergunta sua, você bebe e vice-versa.
— Não sabia que estava fazendo parte de um jogo.
— Agora sabe. — ela sorri de canto.
— Se eu não quiser participar?
— Você já começou! — continua sorrindo, ela parecia legal e um pouco inofensiva.
— Okay? — digo ainda duvidado se devo realmente fazer aquilo. Pego o copo de vidro da sua mão e viro tudo de uma vez
Rapidamente o fervor se espalha pelo meu estômago e não consigo deixar os olhos abertos. Essa é mais forte do que as que eu já tinha tomado. Não devia ter topado participar disso. Ela ri da minha situação e eu sorrio no fim.
— Agora minha vez. — ela apoia seus cotovelos na bancada e me encara. Percebo que seu cabelo fica abaixo do ombro e ela tem uma pequenas covinhas ao lado dos lábios, seus olhos são completamente escuros. - O que vocês têm?
— Eu e Lucien? — arregalo os olhos surpreso.
— Não, eu e você... É claro que você e Lucien.
— Ah, foi mal. Sou meio lerdo.
— Tudo bem. — ela sorri.
Excito por um instante. Mas eu não tinha nada a esconder. Eu só diria a verdade e logo logo eu sairia dali. Olho para o copo e penso no que vou falar.
— Acho que nada. — digo por fim — Seria estanho nos dois e bem fora do meu padrão. Nunca ia da certo. — No momento que minhas palavras saíram da minha boca eu a encarei e senti que tinha ofendido-a. — Não é isso que eu quis dizer... É óbvio que é normal... Mas... Não para mim... — bufo frustado, é bem difícil explicar isso. — Desculpa.
— Relaxa eu entendo você. Já passei por isso no início. É sempre difícil essas emoções estranhas que sentimos quando estamos perto de alguém, mesmo a sociedade dizendo que não devemos. — Ela toca meu braço, reconfortando-me. — Você faz eu lembrar de mim antes de começar a namorar. — sorri
— Eu te faço lembrar?
— Sim. Esse seu jeito confuso e estranho. A dependência que parece existir entre você em relação a ele. — ela encara Lucien e eu também.
— Você percebeu tudo isso apenas em 5 minutos? — pergunto, mas não consigo parar de encarar Lucien.
— Sim, isso e mais...
Paro de ouvi-la aos poucos e me concentro nele, tentando achar as verdades nas palavras dessa moça. "Eu dependo dele, será? Acho que não, não sou tão trouxa assim."
Agora, enquanto eu encaro Lucien, percebo que parecia está mais calmo, relaxado até. Seus ombros não estão tensos e suas mãos se desgrudaram. Ele parecia tão, tão, tão ele. Não ele no dia a dia, mas ele no meu sonho. Lucien está radiante.
Percebo que seus ombros se movimentam e quando olho para seu rosto os seus olhos vem de encontro aos meus. Sinto meu coração acelerar e por incrível que pareça Lucien sorrir de canto mostrando levemente os dentes. Rapidamente quebro os olhares e encaro minhas pernas.
— Não precisa responder.
Levanto a cabeça e olho confuso para ela. Quando me espanto ela já tinha virado o copo.
— O que você quer dizer? — pergunto
— Esse seu olhar diz tudo sobre você... — ela balança a cabeça na direção do Lucien — E ele.
— Não é nada do que você está pensando. —
digo apressado
— Por que não? Você tem namorada?
— Não.
— Ele tem namorado?
— Não.
— Então o que impede de vocês ficarem juntos?
— Nada, não há como impedir algo que não existe — sorrio, mas por dentro estou completamente nervoso.
Ela sorri muito alto e fico com medo dela atrapalhar a conversa de Linda com Lucien. Mas logo ela para de gargalhar e enche os dois copos novamente enquanto solta, de vez ou outra, uma risadinha. O som do líquido batendo contra o copo intensifica meu nervosismo.
— Você mente muito mal! — diz ela — "Não há nadar entre nós" — fala imitando minha voz, porém de um jeito mais boba do que o normal e volta a sorri.
— Eu não estou mentindo. — digo tentando ficar sério, mas a cada risada dela a vontade sorrir era maior.
— Vai continuar mentindo? — a gargalhada para, mas o ar divertido permanece — Porque se não, eu paro a conversa bem aqui mesmo e você vai morrer no tédio esperando aquela conversa terminar.
Essas palavras me deixou um pouco preocupado, eu não queria parar de conversar com ela. Faz tempo que não falo com alguém a não ser Lucien. E tudo isso aqui está divertido. Decido fazer uma lista mentalmente do lado positivo e negativo que essa conversa pode ir.
Lado positivo:
1ª - Ela podia solucionar esses meus problemas emocionais que estão ocorrendo dentro da minha cabeça
2ª - Estarei morto, então não a verei novamente.
3ª - Se eu sair dessa confusão vivo, esse bar fica bem longe de onde moro e tenho a certeza que ela não conhece ninguém que eu conheço.
Lado Negativo:
1ª - Ela pode contar a alguém e usar isso contra mim.
Mas ela parecia diferente. Então está decidido
— Pois tá. — sorrio e levanto ambas as mãos como se estivesse sendo pego por um crime. - Eu me rendo.
— Finalmente. — ela levanta aos mãos aos céus e sorri. — Então... Já aconteceu alguma coisinha... — ela passa uma das mãos pelo meu braço direito sorrindo maliciosamente. — Uma carícia?
Puxo minha mão e sorrio alto.
— Claro que não... A gente só... meio... que... se... Beijou. — sussurro e estremeço por essas palavras saírem da minha boca. Eu nunca as falei em voz alta. Agora tudo isso se torna mais verdadeiro.
— Só? Você é fraco demais. Se fosse eu no seu lugar já tinha feito de tudo um pouco. — sorrimos junto.
— Ir além de beijos vai contra tudo que eu acredito. E nem foi nos beijamos porque quisemos. Ele me beijou quase todas as vezes e...
— E você retribuiu. — ela levanta uma sobrancelha e me encara.
— Isso.
— Então ambos queriam, não?
Eu meio que não tinha olhado por esse lado.
— Acho que sim.
Ele encara meus olhos intensamente me fazendo petrificar na cadeira.
— Você gosta dele?
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