Capítulo 19 - Algo estranho.
"Temos de nos contentar em descobrir, abstendo-nos de explicar."
- Georges Braque
Uma luminosidade forte aflige meu rosto o que me faz despertar da escuridão que está sendo meu sonho. Tento abrir os olhos mas eles pesam, consequência da minha péssima noite de sono onde toda vez que fechava os olhos eu via pessoas mortas. Mas mesmo assim consigo despertar.
Num sobressalto me deparo com Lucien deitado em cima de um colchonete sobre o carpete ao lado da cama. A primeira coisa que vejo são suas expressões suaves do rosto e em como seu peito nu sobe e desce devagar acompanhando sua respiração compassadamente. Tudo isso me faz esquecer por um milésimo de segundo a merda que tá acontecendo sobre minha vida e eu posso ter certeza que se existisse uma personificação para a palavra "maravilhoso", seria Lucien dormindo.
Porém, toda a realidade cai sobre mim como um meteorito atingindo minha cabeça. Me sento na cama e ajeito meus braços em cima do joelho colocando a palma da mão sobre minha testa, já que ela doía bastante. Começo a repassar tudo o que aconteceu desde a mensagem, tentando realmente acreditar que aquilo tudo foi real. Minha mãe morreu. Sam sequestrada. Estou fugindo, mas não sei para onde. Não sei de quem estou me escondendo. Tudo isso me atormenta.
Quando finalmente passo a crer no que aconteceu vou até o banheiro, saindo pelo outro lado da cama afim de não acordar Lucien. Faço minhas higienes pessoais e me sento novamente na colchão. Pego o controle em cima da mesa de cabeceira e ligo a TV tentando me distrair. Barulho sempre consegue calar meus pensamentos por um tempo. Rapidamente a tela é preenchida com a cena de uma mulher conversando com o limpador de piscina, rapidamente me dou conta que é um canal pornô, pois ambos começaram a se beijar sem explicação e os péssimos diálogos apenas me confirmam isso.
Aperto todos os botões do controle atrapalhado a mim mesmo. Fiquei com medo de Lucien ter visto tal cena e me achar um pervertido. Enrubesço só de pensar. Passo alguns canais até chegar no noticiário local e de imediato me dou conta que devem falar alguma coisa sobre a Sam.
Ela sumiu faz um dia e sua mãe morre de preocupação por qualquer demora dela. Teve uma vez que a mãe de Sam chamou a polícia porque ela não chegou em casa depois do horário de saída da escola, sendo que ela havia parado para ir na minha casa.
Assisto o noticiário apreensivo. Quando ouço a repórter falar de um sequestro fico totalmente atento e desperto, me posiciono de joelhos em cima da cama e todo meus ombros estão tensos, porém não é sobre o da Sam. Respiro aliviado quando percebi que é um caso de uma namorado que sequestrou a ex. Começo a roer as unhas quando a mulher do tempo fala que hoje será um dia de chuva e péssimo para ir aos parques ou sair para qualquer canto. Então os créditos começam a rolar e nada sobre a Sam, uma preocupação se instala em meu coração como se fosse uma espécie de sinal que algo está incrivelmente errado.
Corro até o Lucien e me agacho ao seu lado. Balanço seus ombros com rapidez até eu ver seus olhos surpresos me encarando. Mesmo sonolento ele conseguia me fazer estremecer com sua presença. Seu cabelo estava um pouco amassado do lado que estava sobre o travesseiro e seus lábios estão ressecados e pelas suas olheiras tenho certeza que não gostara de dormir no chão.
— O que... foi? — diz entre um bocejo.
— Tenho que ver a mãe da Sam!
— Por quê? Temos que nos preocupar com a gente Charlie, esquece eles um pouco.
Ignoro as palavras do Lucien
— Eles precisam saber o que aconteceu com a Sam. E... eu sinto que tem alguma coisa está acontecendo por lá.
— Como assim?
— Pode parecer loucura da minha cabeça mas... — respiro fundo — Agora a pouco passou um noticiário e não falava nada sobre a Sam.
— E qual é o problema então? — ele se senta no colchão e me encara, suas sobrancelhas se unem e vejo a confusão estampada no seu olhar.
— Você não conhece a mãe da Sam, ela é muito preocupada. — me levanto e me viro de costas, pois sei que tá soando estranho. — Anastasia já teria notado alguma coisa, ela ia as autoridades e uma equipe de busca iria atras dela. É sério, a mãe da Sam é paranóica às vezes.
Volto a ficar de frente para Lucien - que agora já havia se levantando do colchonete - e dou de cara com seu corpo sem camisa a minha frente o que, consequente, faz meu rosto ferver de constrangimento. Ele é magro com certeza, mas havia sinais que ele praticava algum esporte, pois aquele pequeno tanquinho não estaria ali por nada.
Rapidamente paro de olhar sua barriga e me concentro nos seus olhos. Ele sorri de canto. "Merda!." Lucien notara que eu encarei seu abdômen, consequentemente, sinto meu rosto ficar ainda mais vermelho.
— Você vai me levar? — continuo
Observo sua mão ir de encontro com sua testa. Ele está apreensivo e meio cansado.
— Tem certeza que é necessário?
— Sim! Absoluta.
Ele solta ar pela boca e estrala os dedos enquanto pensa.
— Vou tomar o banho e te levo lá.
Sorrio e afirmo com a cabeça. Ele passa por mim e seu ombro toca o meu por um milésimo de segundo, mas é o suficiente pra me sentir ondas elétricas pelo meu corpo.
Quando escuto a porta do banheiro se fechando, me jogo em cima da cama.
***
— Aqui estamos! — diz Lucien ao pararmos em frente à casa de Sam.
Fixo meus olhos na enorme estrutura de madeira pintada de branco, me lembrando das vezes que vinha deixar a Sam aqui. Olho para a janela do seu quarto no andar de cima e lembro-me das vezes que brincávamos de frente aquela janela. Toda onda de nostalgia me cerca de repente e sinto meus olhos marejarem. Estou com saudades dela. Preciso encontrá-la.
— Lucien, dê uma volta por aí. Qualquer coisa te ligo, okay? — abro a porta do carro.
— Não é melhor eu esperar por você aqui?
— Acho que não vai ser necessário.
— Okay! — escuto Lucien, sua voz soa relutante, sem convicção. Fecho a porta e início minha travessia até as pequenas escadas da varanda.
Bato de leve na porta de madeira e ponho as mãos no bolso esperando apreensivo. Quando estou prestes a bater novamente a porta se abre e vejo um sorriso no rosto da mãe de Sam.
— Oh Carlie meu querido! — ela me abraça com força — É tão bom ver você.
— Oi tia. — sorrio meio tímido enquanto ela se afasta e encara meu rosto.
Anastasia acaricia meu ombro com sua mão esquerda e sorri com um ar tristonho.
— Sinto muito o que aconteceu com sua mãe. Fiquei com medo que você estivesse lá dentro.
Solto o ar e algo pesa sobre mim.
— Aconteceu muitas coisas. — abaixo a cabeça, é a única coisa que consigo fazer quando se trata desse assunto.
— Então entre. Estou preparando o almoço. — ela passa os braços por meus ombros e me dá pequenos empurrãozinho para eu entrar — Aí você pode me contar o que aconteceu.
Passo por ela sem relutância e fico parado na sala encarando a decoração retrô e aconchegante. Várias lembranças me bombeiam e a saudade me sufoca. Não consigo encarar aquele lugar nem por mais um segundo. Viro-me e a mãe de Sam ainda está porta, me deixando preocupado. No mesmo instante ela fecha a porta com a expressão assustada, mas quando seus olhos se encontram com os meus Anastasia sorri nervosamente.
— Venha, não repara na bagunça. — ela passa por mim e vai até a cozinha e eu a sigo em silêncio.
O cheiro que vinha das panelas é delicioso e mais lembranças de eu e Sam sentados naquela mesa de jantar me cercou. Riamos como nunca antes e eu nunca havia sido tão feliz. Aperto os olhos e a cena desaparece da minha mente. Não me atrevo a passar da entrada da cozinha
— Tia, eu vim aqui pra conversar com a senhora.
— Conversar? — ela pergunta enquanto corta alguns tomates em cima da pia — Sobre o que querido?
Encaro suas costas e respiro fundo antes de falar.
— Tem haver com a Sam.
Observo suas mãos cambaleares e a faca cair em cima da pia. Anastasia fica completamente parada, a preocupação está por todo meu corpo. Ela se vira devagar até encarar meus olhos.
— Ela está b-bem. — seus olhos estão cheios d'Água e começo a ficar muito nervoso. — Só f-fez um p-pequena viagem.
Anastasia aperta os olhos e uma lágrima escorre pela lateral do seu rosto. Quero abraçá-la, mas não consigo sentir meu corpo. Quero contá-la a verdade, mas sei que vai doer. É como se eu estivesse na areia movediça e cada movimento que fizer irá me levar ainda mais para o fundo.
— Charlie venha aqui e me ajude a cortar alguns tomates. — ela volta a sorrir porém seus olhos expressam tristeza. Percebo que a lágrima ainda está no seu rosto.
Ando até ela devagar e seguro a faca que está em cima da mesa. Anastasia vai até a pia e começa lavar suas mãos retirando o excesso de tomates que grudaram entre seus dedos. Tudo está tão estranho que finjo não nota-lá e me concentro em cortar o tomate. Tentando esvair meu nervosismo.
Num sobressalto as mãos dela seguram meu pulso com uma força que eu desconhecia e a faca escapa dos meus dedos e cai no chão estalando alto. A torneira ainda está ligada e enquanto encaro seus olhos sinto a enorme angústia que está corroendo-a.
— Eles estão nos ouvindo. — ela sussurra tão próximo do meu rosto que sinto o cheiro da sua pasta de dente.
— Então você já sabe?
— Eles vieram aqui. Me ameaçaram. Esses caras a levaram e eu não posso fazer nada. — seus olhos estão marejados.
Passo os braços em volta do seu corpo e abraço tentando reconforta-lá.
— A casa está cheia de escutas. — murmurou em meu ombro. — Quando eu desligar a torneira finja que está tudo normal, okay?
Assinto com a cabeça ainda analisando suas palavras. Sinto-me oco, paralisado. Não gosto disso.
— Vá no quarto de Sam. Ela vai querer que você saiba a verdade sobre tudo. — continua a falar sussurrando enquanto desfaz o abraço.
Fico observando-a fechar a torneira e mexer a cabeça na minha direção. Acho que é alguma espécie de sinal pra eu fazer alguma coisa, mas minhas pernas tremiam e o oxigênio parecia me sufocar em vez de me libertar. Puxo todas as forças que tem dentro de mim e digo uma frase simples.
— Tia... — dou uma leve torcida, pois sinto que minha voz saiu fraca demais. — Aonde fica o banheiro?
— Lá em cima querido, primeira porta à esquerda.
Assinto com a cabeça e saio da cozinha devagar com minhas pernas bambas. Cada passo parecia uma eternidade e o medo está percorrendo minhas veias, sinto como se os Unknow pudessem invadir a casa da Sam e me levarem a qualquer momento. Decido apressar os passos e chego no quarto dela.
As letras "S.S" se faz presente na porta e eu sei que - quando eu abri-la - ficarei destroçado por dentro. Encaro o glitter rosa que compõem as letras e toco a maçaneta lentamente. Abro a porta mais devagar ainda e vejo todo mundo que criamos juntos diante dos meus olhos. Os pôsteres que eu ajudei a colar estão ali, nossas fotos postas em um mural perto da cama e acima de tudo os livros que ambos líamos. Até seu tapete horrendo não parecia ter sido mexido. É como se não tivesse acontecido nada e ela está apenas dado um longo passeio e que logo voltaria. Porém, não é simples assim. Esse quarto tem o cheiro dela, tem a alma dela. Tem a nossa vida.
As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto sem que eu pudesse impedir, mas as limpo com a palma da mão ligeiramente. Não posso perder tempo. Corro para dentro do quarto e procuro qualquer coisa. Anastasia disse que Sam tinha algo para me falar. Então devo procurar um diário ou uma carta?
Quer saber? Decido procurar pelos dois. Vasculhos as gavetas apressados e em seguida parto para sua estante. Tento não bagunçar muito, porém já havia derrubado alguns livros no chão. Vou para sua cama e levanto o colchão. Pode parecer idiota, mas eu tinha que achar alguma coisa. Anastasia contava comigo. Sam contava comigo. E eu não vou decepciona-las.
Sam sempre foi ótima em esconder segredos assim como eu, porém toda vez eu achava seus esconderijos. Era uma brincadeira nossa e hoje não pode ser diferente. Preciso achar. Vasculho seu guarda-roupas, porém não acho nada. Bufo com raiva e respiro fundo. Enquanto vasculho suas roupas o cheiro de Sam fica mais fortes - lavanda com menta. Sinto meus braços amolecerem e seus olhos castanhos invadem minha mente. Quero ela em meus braços. Quero abraçá-la. Tenho a vontade de chorar. "Preciso sair daqui, não dá mais" penso e me afasto do guarda-roupas.
Ando até a porta, porém:
Poc!
Um barulho estranho soa pelo quarto. Dou alguns passos pra trás tentando achar de onde veio. Piso no chão perto da porta e nada. Piso no chão perto da cama e nada. "Deve ser loucura da minha cabeça" penso e volto a andar passando por cima do tapete de bolinhas. Até que escuto o barulho oco novamente. Agora sei de onde vem.
Levanto o tapete e bato nas madeiras que forram o chão, ouço o som novamente e, utilizando o restante de unhas que eu tenho, tento deslocar o pedaço de madeira. Ele sai com facilidade e por meio da sujeira percebo que tem um caderno preto escondido ali. Pego-o e sinto a textura grossa do couro sobre meus dedos. Folheio e reconheço a letra dela.
Desço as escadas e vou até a Anastasia na cozinha.
— Eu preciso ir tia. Tem alguém me esperando. — minto e sei que ela entendeu.
Anastasia sorri de canto.
— Claro querido. Na próxima fica por almoço okay?
Retribuo o sorriso e saio correndo pela porta já ligando para Lucien. Preciso ler isso urgentemente. Antes de Lucien atender o telefone vejo seu carro parado no outro lado da rua, desligo o celular e vou até ele. Entro e me sento no banco do passageiro.
— Você acha mesmo que eu te deixaria aqui sozinho? — Lucien diz sorrindo de canto.
Finalmente capítulo novo!!
Os anjos digam amém?? Amém!!😂💥🎉🎉🎁
Gente prometo que não vou demorar mas
a postar capítulos
por favor não desistam
de mim kkkk🙏🏻🙏🏻
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