Capítulo 14 - Por que você contou?
Às vezes, quase sempre, eu queria ter o teu colo pra me consolar.
-Caio Fernando Abreu
Dia da mensagem
Paramos em frente à casa de Lucien depois de algum tempo no carro em silêncio total. Em toda viagem só se podia ouvir sussurros que vinham da minha mente, me implantando teorias do que ele poderia me falar.
— Não vai descer? — ouvir a voz de Lucien ao meu lado no banco do motorista me traz de volta.
De uns tempos para cá, ando perdido pelos pensamentos, está virando rotina.
Assinto com a cabeça e saímos do carro ao mesmo tempo. Olho em direção à casa impressionado com a semelhança com a minha. Admiro as colunas vitorianas que cercam a residência, percebo a palidez das paredes da frente enquanto as telhas, nessa hora da noite, parecem cinzas quase pretas e, repentinamente, sinto um cheiro de rosas invadindo meu nariz. Ao olhar pra o jardim, vejo o porque desse aroma.
Andamos pela pequena trilha de pedras que abre o jardim ao meio até a escada que dá para a pequena varanda onde se localiza a porta de entrada. Lucien retira as chaves do bolso e coloca no trinco. Entro dentro na casa depois de Lucien e mais uma vez fico surpreso. Tudo está muito bem organizado como se ninguém morasse ali, tinha até cheiro de casa nova. Analiso cada detalhe da sala e um certo quadro com um buraco preto no meio na parede próxima ao sofá me chama a atenção. Havia algo em buraco negros que me deixam intrigado. A ideia do vazio me agrada.
Escuto passos na escada e vejo que Lucien está subindo apressado. O sigo rapidamente até chegarmos em frente a uma porta de madeira, com detalhes geométricos. Ele a abre e por um momento congelo. Aquele é quarto de Lucien, um espaço íntimo no qual eu não tinha o direto de entrar, mas ele havia deixando a porta aberta. Então caminho devagar até o centro do quarto
Passeio meus olhos pelas paredes brancas cheias de desenhos e frases em tons escuros. Há algumas roupas espalhadas no chão e por cima de algumas cadeiras. O quarto está uma completa bagunça, o que me fez sentir menos porco e mais como um adolescente normal.
Olho para janela que fica perto da cama e fico de cara com uma árvore grande e a rua escura.
— Aqui é um lugar seguro para podermos conversar — diz Lucien olhando ao redor, como se estivesse procurando alguma câmera escondida ou escuta.
Volto a atenção para ele.
— Como assim seguro? Todo lugar fechado é seguro Lucien. Até no seu carro era seguro, não entendo porque todo esse suspense.
— Depois do que eu te contar você vai entender. — o seu ar sombrio me pega de surpresa.
Sinto um arrepio percorrer minha coxa e aperto meu braço esquerdo com minha mão direita a fim de me acalmar.
— O que você sabe Lucien?
Ele se aproxima um pouco de mim e abaixa a cabeça para ficar mais ou menos na minha altura.
— Antes deu te dá as respostas que tanto deseja, eu preciso saber uma coisa de você.
— Como o que? — cruzo os braços na altura do peito e o encaro sério.
Lucien pega seu celular e abre algumas pastas até chegar em algum vídeo.
— Assista isso.
Pego o celular da sua mão e dou play. A imagem minha e de Sam na sala de estar da minha casa preencheu toda a extensão do smartphone. Minha voz saia baixa, mas dava para identificar o que eu estava falando. Essa cena foi gravada quando eu contei a ela, sobre tudo, sobre o grupo, sobre mim.
"Merda"
— O que é isso Lucien?! Quem te mandou esse vídeo?!
— Por que você contou isso a ela? Eu te falei que não devia contar para ninguém?! — seu tom de voz era baixo, porém impaciente.
Decido ignora-lo até ele me responder.
— Me responde Luc...
— Me responda você! — grita ele apontando o dedo na minha cara — Porque você contou a ela, o que essa garota tem de especial?!
Fecho os olhos com força e dou um passo para trás assustado. Eu só queria poder acordar desse pesadelo e dessa situação que me encontrava. Meu coração aperta. Abro os olhos marejados e encaro a íris azulada e flamejante de Lucien.
— É complicado!
— Ótimo. — sua voz sai no seu tom normal. — Eu amo coisas complicadas.
Há uma sorriso escondido por entre sua raiva, parecia que estava se divertindo por está me deixando sem escapatória.
— A Sam não é importante Lucien.
— Por que não? Você contou a ela sobre nós. Sobre o grupo. Então com certeza ela é importante.
— Você não vai entender.
— Me conta, Charlie! Agora
Seguro o choro e balanço a cabeça negativamente. A Sam me conhece desde meu antigo "eu", tenho medo deu voltar a esses pensamentos e aquela sensação vier junto.
— Charlie, me escuta, muita coisa aconteceu antes deu ir buscar você. Então, preciso saber o que contou a ela, que tipo de laço vocês têm e se isso me prejudicará futuramente, só assim poderei contar as coisas a você. Por favor, me fala.
Aperto os olhos e uma lágrima escapa. Não digo nada.
— Eu não quero ser agressivo Charlie. O que você esconde de mim?
Permaneço em silêncio e noto que Lucien está perdendo a paciência comigo.
— Me conta agora Charlie. Por que a Sam é importante? por qu...
— Ela me salvou! — grito forte e finalmente sinto o peso dos meus ombros sumirem, mas as lágrimas ocuparam seu espaço — Ela me salvou de mim mesmo. Está feliz agora?!
Lucien me olha meio pensativo. Sua irís - antes azul - parecia ilusoriamente violeta, principalmente por causa dessa iluminação baixa, o que o deixou com certo ar de mistério e pesar.
Uma raiva se acende em mim quando encontro seus olhos. Eu não posso ficar aqui, isso é loucura. Lucien é louco. Minha vida é louca e ficar aqui só vai piorar isso. Não sei aonde eu estava com a cabeça quando decidi vim para cá.
"Claro que você sabe, sua cabeça estava naquele beijo, naqueles olhos" meu subconsciente deu o ar da sua graça, porém ele tinha razão. Aquele momento mexeu comigo e bagunçou todo meu raciocínio, não deixarei isso acontecer novamente.
— Foda-se tudo isso aqui! — digo raivoso.
Passo por Lucien batendo meu ombro no seu. Me sinto sem ar estando aqui, quero sair desse quarto, dessa casa, da minha vida, desgrudar do meu corpo e sumir.
Sinto Lucien atrás de mim e vejo sua mão fechando a porta a minha frente com uma rapidez surpreendente. Seu corpo cola em minhas costas e consequentemente, sinto sua respiração contra minha nuca fazendo aqueles malditos arrepios surgirem e seu quadril contra minhas costas. Me viro e vejo seus lábios tão próximos dos meus pegando-me de surpresa enquanto seu corpo me prende contra a parede.
— Como assim ela salvou você? — a voz dele era apenas um sussurro próximo ao meu rosto.
Suas mãos descem pela extensão dos meus braços, passando pelo meus cotovelos e indo de encontro com as minhas mãos. Ele as segura me transmitindo uma sensação boa. Encaro seus olhos por alguns segundos e depois olho para cima na falha tentativa de segurar as lágrimas, mas elas continuavam a vim.
— Teve um tempo em que eu pensava muito na ideia de suicídio. Eu me sentia sozinho e ver meu pai batendo em minha mãe sem poder fazer nada, me matava aos poucos. — respiro fundo. Sinto meus braços tremerem e Lucien aperta minha mão com carinho.
Paro alguns segundos devido a enxurrada de lembranças inundando minha mente. Lucien, com seu polegar acaricia a palma da minha mão e isso, loucamente, me acalma. Então, continuo.
— Então certo dia pensei. "Talvez se eu morresse eu poderia me livrar de tudo isso". Sim, eu sei que foi um pensamento idiota. Não se livra dos seus problemas assim, mas eu tinha 15 anos, a morte pareceu ser a única saída. — engulo em seco sentindo o nó se formando na minha garganta — Certo dia acordei e peguei uns comprimidos da minha mãe. E tomei uma caixa inteira...
Ficar falando está ficando cada vez mais difícil. Cada palavra dita parecia cortar meu peito e o nó na minha garganta só aumenta. Com muita luta, continuo.
— Mas minha mãe chegou a tempo e me salvou. Acho que foi a única coisa boa que ela fez por mim. — sorri tristonho por entre as lágrimas que escapam sorrateiramente — Alguns dias se passaram desde minha tentativa de suicídio, e no lugar que eu mais odiava Sam apareceu. No meio de tantas pessoas legais naquele refeitório ela me escolheu. — dou de ombros enquanto as lágrimas escorriam com força.
"Até hoje não entendo o porque dela ter me escolhido." Penso.
— Dentre tantas pessoas legais naquele lugar, ela me escolheu Lucien. Eu. Um garoto magricela sem nada a oferecer, aquele garoto solitário que gosta de musicas depressivas. Ela viu algo em mim que nem eu mesmo vi. Por isso ela é importante.
As lágrimas vieram, mas vieram devagar, o que foi bom. Ficamos em silêncio um tempo, minhas palavras ainda pairavam no ar repercutindo por todo meu corpo. Lucien olha para mim com ternura e isso me conforta. Fecho os olhos envergonhado. Só queria sair dali.
Aos poucos sinto algo quente e suave tocar meu rosto e instintivamente me permito viajar naquele toque. Abro os olhos devagar e encontro a mão esquerda de Lucien sobre minha bochecha e - em seguida - o sinto limpar uma lágrima com seu polegar. Minha bochecha cabe perfeitamente na palma da sua mão e me conforto ali. Algo no meu estômago queima com seu toque.
Entretanto, para meu desagrado, aquela sensação de que essa aproximação é errado volta com força. Eu simplesmente não consigo explicá-la. Travo o maxilar e me afasto da palma da mão de Lucien indo sua prateleira. Apoio minhas mãos na superfície de madeira e respiro fundo.
"Não posso perder o raciocínio de novo, não mais." digo mentalmente.
Levanto a cabeça e vejo os papéis de Lucien colados na parede branca. Havia desenhos ali que eram magníficos. Admiro seus traços fortes que formavam um olho, em outra folha havia uma boca e por meio de tantos desenhos havia um poema.
"todos os dias
existe
alguma
coisa
indo
embora
de
mim
por isso eu nunca paro
por isso eu nunca fico"
É tão profundo e intenso que quando terminei de ler pensei qual sentimento Lucien sentira quando escrevera isso. Podia ser raiva, dor ou até mesmo medo. Lucien não tem cara de ser uma pessoa que tem medo, mas havia algo naquele poema que me dizia que alguma coisa o assombrava.
Ouço os papéis sendo amassados e acordo das minhas reflexões sobre esse poema.
Lucien está pegando todos os papéis da parede e pondo em uma gaveta de forma brusca.
— Por que está fazendo isso?
— Não é pra você está lendo essas coisas, são idiotas!
Claro. Lucien nunca me permitiria saber nada sobre sua vida, sua personalidade. Isso me deixa com raiva, mas não me queixei, estou tendo que dormir aqui, se eu brigasse com ele era capaz de dormir na rua.
Reviro os olhos e tento mudar de assunto.
— Já dei a resposta que você queria, agora é sua vez.
Ele termina de guardar os papéis e encara meus olhos enquanto se aproxima.
— Bom, você foi expulso do grupo. Na verdade nós dois fomos.
— Como assim nós dois? — minha respiração está totalmente irregular.
— Eles que gravaram o vídeo, você quebrou a regra essencial do grupo, então se tornou a próxima vítima e como eu estava com você, fui junto. Eu te trouxe ao grupo, tenho minha parcela de culpa.
— Então... É por isso que na ligação você disse que nossos...
— Celulares não são mais confiáveis?
Assenti lentamente assimilando ainda tudo o que acara de dizer.
— Sim! — afirma Lucien — Eles estão rastreando nossos celulares a partir de hoje, nossas mensagens fotos, ligações. Tudo.
"Puta merda" era a única coisa que eu podia pensar nesse momento.
— O que eu faço com meu celular então?
— Não utiliza, não fale com ninguém por meio dele. Entendeu?
— Entendi!
Mas por uma fração de segundos, algo veio em minha mente. Se eles fizeram isso comigo, o que será que fizeram com Sam.
— Você acha que vão fazer alguma coisa com ela? A Sam?
Lucien não me respondeu, apenas baixou a cabeça e começou a sair, corro até ele e o faço virar para mim. Meu coração batia rápido.
— Lucien, o que eles vão fazer com ela.
Ele pôs as mãos sobre meus ombros.
— Durma um pouco Charlie, amanhã vamos na casa da Sam, Okay?
— Mas Lucie...
Ele beija minha testa e eu paro automaticamente de falar.
— Apenas durma, eu cuidarei de algumas coisa lá em baixo, nada vai acontecer enquanto estiver dormindo. Confie em mim.
Assenti lentamente ainda assimilando aquele beijo na testa. Ele sorri de canto e se afasta fechando a porta quando passa por ela. Vou até a cama dele e retiro minha camisa, jogo-me na cama e tenho uma excelente surpresa. Os lençois tinham o cheiro de Lucien e era tão delicioso, macios que acabei me perdendo nas imagens dele que começaram a ilustrar minha mente e ocuparam todos os espaços que me deixavam aflito.
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