Terça-feira (A última carta).
A porta está aberta...
02/10/18 - Terça-feira.
Hoje é a primeira terça-feira do mês, por isso esforcei-me para estar apresentável mais uma vez. Sei que você não ficaria satisfeito ao saber que desperdicei um dia de sol deitada na cama, então estou sentada no sofá de uma sala vazia, com minha xícara de chá, provavelmente já fria, sobre a mesa de centro que usaste durante anos para apoiar os teus pés, escrevendo mais uma carta, talvez a última, como se tu pudesses ler. Todas as portas da casa estão abertas, como em todas as primeiras terças após a terça-feira em que me declarei para ti. Sei que se estivesses aqui, estarias reclamando da minha preguiça de viver a vida... Gostaria de te ouvir reclamar mais uma vez sobre qualquer coisa, porém, me contento com as lembranças de todas as portas que abriste para mim.
O sol está invadindo a casa através das janelas e portas. Em qualquer situação eu seria capaz de ignorar toda essa iluminação, mas hoje tudo parece cooperar para o sentimento de gratidão que carrego no peito. Estou a espera de nossa primeira neta, para partilhar com ela aquilo que era nosso, querido: A primeira terça-feira de todo mês. Mês passado ela esteve aqui, fazendo-me a pergunta que te marcou em mim. Naquele dia decidi deixar-te em paz, pois não sinto-me mais sozinha.
Vou explicar-me, para que então eu me despeça finafinalmente. O rompimento começou pela manhã...
- Vó! Vovó! - A voz de Sophia, sempre com a animação que recorda-me você, ecoou pela casa vazia. - A porta está aberta, querida! - Respondi o mais alto possível, e esta frase fez-me sorrir. Mais uma vez terça-feira teve o sabor da saudade, meu amor. Ouvi os passos apressados e a respiração ofegante da única neta que tu conhecesseste. Eu sou grata por nossa família ter herdado o seu bom humor; eram dez horas da manhã e eu ainda estava mal humorada, mas quando Sophia invadiu a sala, o seu riso contagiaou, eu abri os braços para recebe-la e para tentar conter sua energia. Abraçei-a e lhe ofereci o meu colo que, tão logo, ela, argumentando seus 13 anos, negou, sentando-se ao meu lado. - Bom dia, minha linda. Tudo bem?
- Eu estou bem, vovó, mas quero saber uma coisa. - Seus olhos castanhos estavam brilhantes de expectativa. Eu amo a sensação de ser vista como alguém que sabe tudo. - O que quer saber, Sophi?
- Perguntei pra mamãe o porquê vocês sempre dizem "a porta está aberta" quando alguém chega, mesmo quando todas as portas da casa estão mesmo abertas... Ela mandou eu perguntar pra senhora.
Essa pergunta traz-me ótimas recordações contigo, então apenas balançei a cabeça positivamente para uma menina irrequieta que não parava de balançar as perninhas.
- Antes de eu te contar essa história, quer comer alguma coisa? É uma história longa. - Sophia franziu o cenho e inclinou a cabeça para o lado esquerdo, como faz sempre que pondera sobre algo. A mesma expressão que você fez quando eu disse, pela primeira vez, que te amava.
- Não Vovó, eu já comi. Agora que eu quero saber mesmo essa história. Não é normal! Mais ninguém fala que isso é declaração de amor. - Ela ajeitou-se sobre o sofá e fez perna de índio, como quando eu lia os contos de fadas, para que dormisse, até os seus sete anos. Suspirei para lidar com a carga emocional que nossa história me traz e, conhecendo a teimosia de Sophia, comecei a história de nossas vidas como se fosse um conto de fadas...
- Era uma vez uma terça-feira... Eu estava deitada, no impasse da vida de ser responsável ou ser feliz. Lá fora o céu caía e por dentro eu me segurava. Me recusava a molhar o meu rosto com a saudade dele. "Ser responsável ou feliz?" Me perguntei em voz alta, e o eco no quarto denunciou sua ausência mais uma vez. Me ouvia, mas não a ele...
- Ele quem vovó?
- O vovô João. Agora fique em silêncio! - Sophi concordou com um aceno de cabeça e eu prossegui.
- Eu amava ouvi-lo rir de piadas sem graça. Ele ria às seis da manhã só porque eu estava brava com o fato de ter acordado "Queria ter morrido durante a madrugada?" Me questionava aos risos, como alguém que estava embriagado no início de uma festa de fim de semana, mas era terça-feira, ele estava sóbrio, ainda achava -me linda e me amava, por isso tirava o dia e o terno para ficar comigo. Nós tínhamos um sábado no início da semana e eu só tinha isso porque tinha o João. - As lembranças faz-me sorrir mais e nossa neta me acompanha. Sophia não se lembra de ti, mas possuí muitos de teus traços. Seus olhos castanhos claros, os fios de cabelos lisos e muito de sua personalidade. - Eu sempre fui acelerada, é verdade. "O dia só tem vinte e quatro horas e eu tenho tanta coisa para fazer" esse pensamento fez sua vó saltar da cama naquele dia, querida. "Eu preciso ser responsável, outro dia eu tento ser feliz!" Disse contrariando minhas emoções.
Você falava com o vovô como faz hoje em dia, né vó? Tipo quando fica sussurrando na cozinha. - E diante dessa observação de Sophia, me senti exposta, por isso não lhe disse nada e prossegui com a nossa história.
- A felicidade estava distante e, embora eu me encontrasse com ela todas as segundas à noite, naquela noite João não foi ao meu encontro; mesmo assim meu sono foi passear como em todas as segundas, isso fez-me pensar nele; A saudade é a maior fábrica de gratidão que eu já conheci, querida. Era uma terça-feira solitária, e eu, sempre tão ranzinza, estava agradecendo por ter vivido com João Pedro as terças anteriores por quase dois anos. Mas eu estava enlouquecendo! Por isso sussurrei ao vento "Sobe naquela moto, que eu odeio tanto, e traz a felicidade para mim outra vez, por favor. Só não se atreva a correr! Antes a angustia da sua demora do que a tristeza do nunca mais."
Hoje eu sei disso mais do que nunca, meu amor...
- Ele sempre dizia-me que eu sou dramática ao nível novela mexicana. Homem sacana! Adorava provocar a minha raiva. Quer saber, vou dar-te um conselho de graça: Se um homem foge de ti quando estás brava, fuja desse homem para não voltar mais!
Bem... Não considere-me ao pé da letra, João Pedro também dizia que eu sou drástica.; e sua mãe me mataria se me ouvisse falar-te coisas assim. No banho eu deixei cair toda a saudade por meu rosto; chorei dentro do banheiro e o céu me fez companhia chovendo do lado de fora; a água do chuveiro escondeu a saudade, assim como o meu sorriso faz ainda hoje, depois do banho. A saudade tem sabor de mar...O amor também parecia ter. Eu achava que o amor tinha gosto de mar, mas João quem tinha gosto de amor.
Ele adorava surfar. Lembro-me quando me fazia acordar às nove da manhã de terça para ir à praia, me carregava para dentro do mar frio, mas ele estava sempre quente e eu mal sabia que na verdade me treinava para a sua partida... Eu mergulhava no mar, achando que esse era o gosto do amor, mas é o gosto da saudade. O mar é frio e salgado, ele era quente e extremamente doce. A saudade é quente e salgada; eu estou fria, mas nunca fui doce.
- Você ê doce para mim, vovó. - Nossa menina interrompeu-me com um sussurro e então seus dedos delicados deslizaram sobre as rugas do meu rosto. Ela tem a sua coragem também, quando se trata de demonstrar amor. E outra vez eu não soube o que dizer, tu sabes como sou, apenas continuei a nossa história.
- Eu dizia o tempo todo que sou estressada e declaração de amor tem gosto amargo em minha língua. As palavras "eu te amo" sempre foram como cacos de vidro rasgando a minha garganta; me subia refluxo, eu vomitava, mas não dizia "eu te amo."
- Você me ama, vovó?
- Eu te amo demais, minha linda. - Sempre que digo isso para alguém, eu te agradeço. Quando percebi que Sophia não falaria mais, voltei a contar-lhe sobre a terça-feira em que soubes que eu te amava.
- Naquele dia eu perdi tanto o controle das minhas emoções, sempre tão equilibradas, que falei sozinha como se pudesse ser ouvida por ele, como faço ainda hoje. "Agora o que eu mais quero é dizer que te amo tanto... Você está em casa? É terça-feira, terça tinha que ter gosto de amor, você me ensinou isso, mas tem gosto da saudade. Droga!"
-Droga! - Sophi repetiu com a mesma intensidade em que eu disse; me perguntei se deveria contar-lhe a versão curta, mas logo desisto. Era a nossa terça-feira, como hoje, queria mais tempo contigo de algum jeito. Por isso prossegui.
-Eu, que sou tão acelerada, fiquei paralisada na porta de casa, decidindo-me entre ser responsável ou ser feliz... "Se eu for responsável deixo-te ir, para o seu bem, e tu encontrarás alguém que conseguirá te acordar com beijos e sorrisos. Poderás encontrar alguém que acorde mais cedo só para dizer primeiro que te ama. Eu não sou assim, desculpa."Eu falava tudo em voz alta! Foi assim que comecei a expor minhas emoções. Contei ao vento os meus segredos e torci para que ele levasse todos até João. "Eu sou estressada e declaração de amor tem gosto amargo em minha língua.
Dizer "eu te amo" é como ter cacos de vidro rasgando a minha garganta; me sobe refluxo, eu vômito, mas não digo que te amo."
Eu confessei-me que o amava, já que ele não estava ali para ouvir. O céu estava soluçando de chorar... "Eu tenho medo de trovões, mas eu te amo, João!"Acho que o céu estava chovendo por nós; eu tenho a saúde frágil, mas era terça-feira e terça devia ter gosto de amor, não de saudade. "Outro dia eu serei responsável, hoje eu quero ser feliz!" Gritando para o vento, eu abri a porta e deixei céu fazer -me sentir falta do abraço quente do seu avô. A minha carne tremia, e o cheiro do asfalto molhado me fazia sentir falta do perfume dele. O céu chorava por nós dois!
- Mamãe disse que quando chove é porque Deus está triste e chora. Deus estava triste por que o vovô tinha ido embora? - Essas palavras foram como um punhal em meu peito. No seu velório também choveu... Deus chorou comigo, querido.
- Talvez, minha linda, mas eu sei que naquele dia o mundo estava sendo afetado porque eu o amava, acredite. A água da chuva tinha gosto de nada, definiu muito bem a minha vida antes do seu avô.
"Viver no automático é só sobreviver, Luíza!" Ele me dizia em terças com sabor de amor, sempre que o meu medo da vida falava mais alto do que o meu desejo por experiências novas; com essa frase, João Pedro me convenceu a entrar como penetra em uma festa chique e também saltar de paraquedas. Ele dizia que me amava... Todos os dias disse-me isso como se fosse fácil para ele... Doce! Eu era amarga, mas, por vezes, João afirmou que minha falta de doçura era apenas "armadura." Ele era bom com as palavras, por isso desmontou-me inteira.
Bem, eu me sentia sufocada quando ouvia suas declarações de amor; isso pesou sobre mim quando acordei naquela terça-feira sem a voz rouca e animada do seu avô, pronunciando palavras que confrontavam a minha alma amarga.
"Me desculpa meu amor, eu não estou acostumada a ser tocada só para ser mimada." Confessei com o que restau do meu folego. A culpa estava sentada sobre o meu peito, eu mal respirava. Ele me chamava de "gatinha" e acariciava a minha alma arisca com suas palavras, eu só o arranhava com meu silêncio constrangedor.
Eu já não estava mais de baixo do chuveiro, ms chorava diante da porta de casa por onde eu deixei a felicidade partir.
"Eu sou estressada e declaração de amor tem gosto amargo em minha língua. Dizer eu te amo é como ter cacos de vidro rasgando a minha garganta; me sobe refluxo, eu vômito, mas não digo que te amo. Juro-me que te amo tanto, João!"
E eu ainda te amo, querido, mesmo que não possas ouvir, te escrevo.
Eu queria que ele pudesse me ouvir... A sensação de perda sempre nos faz beber doses de coragem como se fossem morfina para a dor. Por isso, minutos depois eu estava de maneira dramática de baixo do céu cinza, tendo a alma lavada pela chuva para correr para ele e dizer que eu também o amava, mesmo que isso me fizesse sangrar, não aguentava mais trancar esse segredo de terça à terça. Não aguentava mais o peso daquela armadura. Eu desejei acordar às seis da manhã da terça-feira seguinte com o riso exagerado do homen confiante que ele sempre demonstrou ser, até aprender a rir junto.
"Ser responsável ou ser feliz?" Minha mente não parava, mas os meus pés também não; eu corri, sem noção de distância ou tempo, em direção a casa de João. Era terça-feira e ele não trabalhava... "Me espera!" Sussurrei ofegante, com o rosto molhado pela saudade e pela chuva.
em minha vida, alguém que não tem para quem declarar amor, não é saudável; mas concordei com Sophi, porque na quarta-feira acordei gripada, lembra-se? - Era terça-feira, eu estava à beira da insanidade, tremendo diante da porta da casa de seu avô...
Eu havia bebido coragem o bastante para chegar até a casa dele, mas a porta estava fechada, embora o portão estivesse aberto, eu não bebi coragem o suficiente para gritar para um João que realmente pudesse me ouvir. Minha respiração estava descontrolada e o meu coração me batia forte para que eu batesse na porta.
"Me desculpa meu amor, eu sou covarde para gritar ou bater na porta até que tu apareças, mas eu te amo!" Sussurrei tão baixo que tive a sensação de ter apenas mexia os lábios.
Sentei-me na escada, diante da porta burra, que me olhava, mas não se abria, e esperei... Por coragem, por milagre... Por ele!
. "Você me esperou tanto, me lembro bem... Será que ainda me esperas? Hoje é a terça da saudade, e eu que te espero, meu amor." Com essas palavras encolhi os meus joelhos e os abracei para diminuir o tremor do meu corpo, porém, eu tremia de tristeza, não de frio.
A verdade é que o amor não é para todos, de fato. Não importa o que digam os romances que tu irás ler... O amor não é para covardes! Eu só o esperei porque não fui corajosa ao ponto de dar mais um passo até aquela porta fechada, não tem nada de romântico no meu ato covarde, mesmo que eu estivesse de baixo da chuva aos prantos. Para a minha sorte, João Pedro sempre foi melhor do que eu... Ele finalmente apareceu, atravessou o portão, de bermuda e chinelos, tão lavado pela chuva quanto eu. Ele também não quis ser responsável naquela terça.
Esperei por um olhar surpreso, mas pareceu aliviado. Achei, por um momento, que estava imaginando o que tanto desejava e não via a verdade... Cautelosa e tremendo, me levantei de vagar. O olhar quente, do homem que era o alvo do meu amor, cobriu todas as partes do meu corpo, até agarrar o meu olhar; a reação do seu corpo foi como se cadeados tivessem sido destrancados e as correntes estivessem caídas aos seus pés, mesmo assim ele não se moveu. Hoje eu considero justo! Quem deveria ter dado passos a frente era eu. João me olhou fixamente, com seus olhos castanhos, como se eu fosse desaparecer se ele piscasse. Em minha mente eu falava: Sou eu mesma, querido; e estou aos pedaços, mas todos os pedaços estão na sua frente; entretanto, meus lábios não se mexiam mais... De novo.
Eu planejei tentar dizer "olá", pelo menos; não estava disposta a perde-lo por medo e não por falta de amor, então esforcei-me; porém, quando vi o sorriso do seu avô tão inteiro, percebi que disse "Eu te amo". Eu disse o segredo da minha alma e não senti gosto de ferro em minha boca. Eu tremia pelo frio, mas me sentia leve e aquecida por dentro.
"A porta está aberta!" João Pedro respondeu-me em um tom que denunciava o seu cansaço e eufória. Essa foi a sua melhor declaração em uma terça-feira de manhã. - Então é por isso que "A porta está aberta" é a declaração de amor da nossa família. - Sophia sussurrou com a voz trêmula, só assim percebi que ela chorava. Senti-me culpada, questionei-me internamente se deveria ter contado a ela dessa maneira... De repente sua pequena mão direita tocou o meu rosto e eu notei que suas lágrimas eram reflexo das minhas. Ela as enxugava com um sorriso triste em seus lábios fartos, como eram os seus. - Sim, querida, é por isso que "A porta está aberta" é o nosso "Eu te amo!" - Consegui responder baixinho, como quem conta um segredo.
- Afinal o amor não faz isso mesmo? O amor destranca e abre portas onde o medo nos faz olhar pela fechadura! O amor da a coragem necessária para girar a maçaneta, não só para expor a chave. E, se necessário for, o amor dá uma voadora, porta se abre de qualquer jeito. Eu demorei para girar a chave e, talvez por isso, o amor me deu uma rasteira, logo, naquela terça-feira, eu girei a maçaneta da minha porta. Isso não foi poético, mas é verdade! A porta estava aberta porque ele largou tudo para correr atrás de mim, a diferença naquele dia foi que eu corri para ele também.
Hoje eu acredito que o amor abre portas e destrói muros, até que os que se amam se toquem do avesso em lugares nunca tocados antes.antes. O amor possui diversas linguagens, todavia, precisamos aprender a amar na linguagem do outro. Por isso eu aprendi a dizer ao João o quanto eu o amava, com todas as letras necessárias, e ele sempre deixou a porta aberta para mim.
Era terça-feira e eu estava de pé diante do homem que eu amava, de baixo de um céu que chorava, mas eu sorria. "Eu te amo, meu amor, obrigada por me ensinar a dizer isso!" Eu disse a ele antes de atravessar a porta de sua casa em Santos. Naquele dia o céu caiu em cima de nós, de tanto chover, e eu me senti nas nuvens, nos braços do seu avô.
- A minha porta sempre vai estar aberta para você, vovó. - Depois dessas palavras, entre lágrimas, a nossa terça-feira passou a ser minha terça com Sophia.
Obrigada meu amor; ainda hoje, depois de seis anos, você me abre portas. Eu só tinha você. Tu me deste a sua família, até que construíssemos a nossa, desde então, sempre há uma porta aberta para mim, eu que não as atravessava mais. Sophia lembrou-me que não estou sozinha.
Por isso, em gratidão, me despeço com sinceridade dessa vez
Eu te amo, João. Descanse em paz!
Att, Sua gatinha.
(@demimenezes).
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