Atual
O atual
Os irmãos vasculham a pequena caixa cheia.
João nota que as irmãs sorriem timidamente a cada foto, faz tanto que as duas não conversavam como irmãs que ele ficou repentinamente alegre e mais leve. João sempre esteve mais ligado à mãe do que ao pai, ele tinha certeza que se fosse a mãe, ele a acharia em menos de cinco minutos.
Ele e a mãe tinham um lance especial. Ele sentia saudades dela um pouco mais todos os dias como se a cada dia que passasse a dor aumentasse mais um pouco.
E do outro lado, uma linha tênue, seu pai e ele viviam em um pé de guerra imbatível. Não por causa do pai, mas por causa de João, que vivia carregando culpa nos ombros por não ter seguido os passos do pai, feito uma faculdade e ter uma carreira sucedida como Ana.
— Não sei como vamos encontrar o pai. — Paula se levanta e fecha a cara, como um dia ensolarado que se transforma com um vento em um dia tempestuoso. — Apenas olhando pra essa foto, é claro.
— Talvez, ele estivesse entediado ou com uma ideia nova de livro. — Aninha diz sorrindo. — Lembram daqueles dias que ele lavava a casa com água todos os dias porque queria escrever mas não conseguia colocar no papel?
Os irmãos mais novos de Ana sorriem e concordam.
— Sim, era muito chato. — Paulinha balança a cabeça. — A mãe ficava louca da vida.
— Mas no fim, ela gostava. — Jão entra na conversa. — Faz tanto tempo que não ficamos juntos. Assim. — Aponta para as irmãs. — Vocês precisam resolver suas diferenças. — João, o calmo dos três, sempre tentava isso mas nunca tinha sucesso
— Só se essa aqui... — Aponta com o dedo desdenhoso, Paula está fervilhando mais uma vez. — Admitir que deu em cima do meu ex-marido.
— O que isso importa, Paulinha? — João grasna. — O cara era um safado, traia vocês a reveria, vocês já se separaram, deixa isso para lá. — Ela bate o pé.
— Eu não fui mais uma que ele deu em cima, Jão.— Ana grita, indignada com a insinuação.
— Mas, poxa, ela era minha irmã. E foi madrinha de casamento, a gente dividia tudo, entende. Mas o marido era meu. — Paula explica. Enquanto Ana do outro lado vai ficando pálida.
— Você não sabe o que aconteceu de verdade, Paulinha. — Ana diz, respirando com dificuldade e entrando em um dilema mental consigo mesma. — E na verdade, fico grata por você ter nos flagrado. Deus sabe o que aconteceria se você não tivesse aparecido.
— Não meta Deus nessas coisas, Ana. — Ela está espumando outra vez.
— Você quer mesmo saber o que aconteceu naquele dia, Paulinha? — Ana se escora na parede. Está nervosa e aliviada ao mesmo tempo. — Acha que vai aguentar quando a merda cair no ventilador?
— Do que você está falando, Aninha? — Ana tem um sorriso amargo no rosto. — Ana? — João está ficando preocupado com a irmã mais velha que nunca foi muito falante.
Ela fica muda, rolando os olhos para lá e pra cá e após alguns instantes ela vai até a mesa da cozinha, enche o copo de café e se senta no sofá. Deixando seu irmão mais ansioso que o normal, já se passa das três da manhã e eles não acharam nenhuma resposta a respeito do pai mas naquele momento parece mais importante saber interpretar toda aquelas palavras de mãos dadas que saiu da boca de Ana.
João está cada vez mais tentado a entregar isso nas mãos da polícia. Precisava encontrar seu pai com urgência e cada minuto que passa é um minuto a mais de desespero. Mas ele sabia que Ana tinha algo a contar e que o quer que saísse da boca dela, seria desagradavel de ouvir, não por ela mas pelo fato de ouvir o sofrimento sendo derramado dos lábios de sua irmã mais velha.
Ele tinha uma garotinha agora e desde então aprendeu entender os problemas da vida feminina, começou a ter medo de forma absurda e agora isso parece ter triplicado porque pelos olhos da irmã parecia ser algo que só poderia ter acontecido contra sua vontade e isso doía nele.
— Então, vamos lá, Paula. — Ana diz depois de longos goles no seu café que já deve ter esfriado. — Acho melhor você se sentar, vai ver que seu queridinho intocado não é esse santo que você pensava.
— Ana, você está me torrando a paciência. — Paulinha se senta.
— Não faz mal. — Ana diz irônica. — Acho que guardei isso muito tempo, acho que estou pronta pra falar e acho que é isso que o pai e eu queremos que seja feito.
— Então, desembucha. Vamos ver qual a sua desculpa. — Paula não lhe dar trégua.
João se senta ao lado de uma de suas irmãs, absorto ao assunto que parece ser coisas delas, assim como as maquiagens que ele insistia em mexer quando pequeno. Lembrar disso, fez ele sorrir sozinho.
— Eu nunca dei em cima do seu marido. — Ana fala com a voz controlada. Os vestígios de um sol saindo pela janela, mostra que um novo dia tinha começado e eles ainda não sabiam do pai. — Nunca faria isso com você.
— Eu sei o que eu vi, Ana. — A voz de Paula está falhando e ela gagueja. O que mostra que talvez ela esteja aberta a ouvir e acreditar no que a irmã tem a dizer.
João nunca quis se meter nesse assunto, até porque na época que o incidente aconteceu, ele não estava falando com o pai. A mãe estava viva mas ele foi tolo o suficiente para se afastar de casa e dar as costas aos últimos suspiros de vida da mãe.
Se ele soubesse, tudo seria diferente.
— Ele vivia me assediando, Paula. Mas você nunca via. — Ana acusa a irmã.
— Eram só brincadeiras e você sempre ria. — Paulinha rola os olhos.
— Não era brincadeira pra mim. E eu nunca ri, eu torcia que você notasse isso. — Os pássaros cantam do outro lado da janela.
— E se incomodava, por que não falou?
— Você acreditou quando eu disse que ele tinha me tocado naquele natal? — Paula recolhe as mãos chocadas.
— Espera ele o quê? — João se intromete na conversa.
— Sim, ele me tocou. Milhares de vezes, eu sempre me esquivava e ameaçava a falar pra alguém. — Ana recolhe uma lágrima que desliza como pingos de chuva de seus olhos. — E ele me ameaçava a contar falando que você nunca acreditaria no que eu te diria, bom, ele não estava errado.
— E o que aconteceu depois disso, Ana? Por que nunca me contou? — João tem uma expressão dolorosa em seu rosto como ele suspeitava, sentia-se impotente e culpado por não estar ali pra proteger a irmã. Se deu conta que também chorava. — Meu Deus, Ana. Ele... ele?
— Não. Ele não conseguiu. — Ela murmura. — O dia que ele conseguiria foi o dia que Paula nos flagrou. — Ela sorri para Paulinha, que chora todas as suas lágrimas de culpa. — Sei que naquela noite, nossa amizade se rompeu, mas sou eternamente grata por você ter aparecido.
Os três estavam chorando compulsiva e dolorosamente. No interior de João acontecia um rodízio de sentimentos, raiva, medo, vergonha e culpa. Sentia raiva por não estar lá com Ana, medo por tudo que ela passou calada e sozinha, vergonha por ter deixado as coisas tomarem esses rumos e culpa por não ter percebido a tempo antes de tudo acontecer.
Paula se ajoelha em frente à Ana, coloca as mãos em seus joelhos e encara os olhos pretos feito jabuticabas da irmã mais velha. Ana sempre foi muito reservada e fria, João nunca tinha a visto chorar tanto daquele jeito e aquilo só se tornava mais difícil e doloroso.
— Me perdoa, Meu Deus, Ana me perdoa. Eu sinto muito por ter deixado isso acontecer. — Ela deita sua cabeça no colo da irmã e chora tão alto que assusta João. — Meu Deus, meu Deus, meu Deus. — Ela repete tão rouca e com a voz cheia de dor. — Imagina, Jão. A dor dela de passar isso tudo sozinha. Me desculpa, por favor.
— Paulinha. — Ana sussurra com os olhos descarregando toneladas de lágrimas. — A culpa não é nossa. Nunca vai ser. — Ela afaga os cabelos de Paula que ainda chora compulsivamente. — A culpa é dele.
— Eu sei, mas se eu nunca tivesse me casado com ele, isso tudo seria diferente, entende? — Ela ergue o rosto e olha para irmã.
— Aí ele faria isso com outra pessoa e sabe lá o quão terrível poderia ser. — Ela limpa suas lágrimas e respira fundo.
Isso é um sinal claro que ela não quer mais chorar, falar ou pensar sobre isso. Que está feliz, ainda que não diga em palavras, por Paula ter entendido finalmente o seu lado dessa história cruel e por enfim, ter ficado do seu lado.
Ana estava em paz.
— Agora, vamos procurar o pai. — Ela sorri e pisca para o irmão.
Clara já estava na casa do sogro mais uma vez, mas sem Edite que estava na creche. Ela beija os lábios do marido, e como em todas as vezes, mesmo com sete anos de casados, João sente borboletas fluírem em sua barriga.
Ainda se sente esmagadoramente apaixonado pela esposa como a primeira vez. Clara, foi o pontapé inicial para ele correr atrás de seus sonhos e admitir para o pai que não faria nenhuma faculdade.
João gostava da ideia de ser pizzaiolo e sonhava com o dia que teria sua própria pizzaria. O pai nunca foi contra mas também não era totalmente a favor, ele vivia lhe dizendo que ele era um pai de família e que precisava mais que uns trocados, precisava de estabilidade e dinheiro no bolso.
O pai costumava dizer sempre em suas discussões: Sonhar é de graça mas conquistar sonhos é caro. Tem condições de pagar caro para conquistar seus sonhos?
Isso clareia uma ideia em sua cabeça.
— O pai deve tá na faculdade. — Ele diz em tom abismado.
Por mais que ele e o pai tivessem suas diferenças, ele o amava e sabia que no fundo o pai tinha orgulho pelo menos da linda família que ele tinha.
— O pai sempre vai lá pra pensar. — Concorda Paula, calçando os sapatos pronta pra ir atrás do pai. — Mas parece ser algo simples e fácil demais, e se ele não quiser que a gente o encontre.
Confuso, João despeja-se no sofá bagunçando e puxando seus cabelos de maneira tão frustrada que mal sentiu a mão de Clara tocando seu ombro esquerdo, ele coloca sua mão sobre a da esposa e se acalma.
— Talvez nós não o encontremos mas acharemos uma pista. — Ele diz para as irmãs. — Sinceramente, tô começando a ficar puto com essa palhaçada.
— Eu também. — Pondera Ana. — Mas pelo menos, a gente se entendeu. — Abraça Paulinha sorridente.
— Há males que vem para o bem, né. — Paula dá de ombros mais leve. — Vamo lá.
...
Como João imaginou que o pai não estaria ali, porque ele e as irmãs rodaram todos os cantos da faculdade, mas nenhum sinal do pai. Cansado, ele caminha entre os bancos que o pai o levou pela primeira vez, aquele dia foi o dia das primeiras vezes, a primeira briga, a primeira decepção, o primeiro beijo com Clara e a primeira vez em que a mãe brigou com o pai.
Antes disso, ele nunca tinha visto os pais discutirem, por absolutamente nada. Mesmo que o pai fosse um homem difícil, chato e extremamente louco. Não é novidade que Aparecido não é uma flor que se cheire, o pai por ter a cabeça sendo movida as poesias e seus livros, às vezes não vivia o presente.
João nunca se esqueceu do dia em que o pai se esqueceu do seu jogo de futebol, quando também se esqueceu de ir na sua formatura do ensino médio ou quando não ficou por mais que cinco minutos no seu próprio casamento. Ele era seu filho mas o pai só sabia apontar seus erros.
E isso fez com que ambos se afastassem com o tempo, o que os unia com bastante vontade e força era o único elo que ainda os prendia, evitando que os dois se soltassem de vez. — Edite, sua filha.
Um estudante esbarrou em uma lata de lixo próximo a João mas frustado com seus próprios problemas, ele continuou andando. Até encontrar um banco qualquer e parar diante dele.
Deitando-se no banco como um mendigo ele olhou para o céu e tentou buscar em sua cabeça por motivos cabíveis pelas atitudes do pai. Ele não encontrou nenhum, mas conseguiu ver um papel colado debaixo do banco de madeira e puxou.
Talvez seja uma pista. Deus queira que seja.
Ao abrir o papel reconhece a letra do pai. As lágrimas mancham o papel e ele se sente como um garotinho de dez anos novamente, levando a mão no peito um sentimento de perdão reina em seu peito.
Volta a ler a carta:
E digo mais, filho: Siga seus sonhos.
Me desculpe por impedir você de fazer isso, eu esqueci e me perdi no meio do caminho. Quis tanto te criar direito, te dar o melhor e medir sua vida com a minha régua que esqueci de que eu escolhi meus sonhos e não há um dia sequer que eu me arrependa.
Estarei aqui com você, independente de qualquer coisa, estou aqui. Sempre
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