@NatáliaDonnato: Encontrando Um Coração
Estava descendo a Rua dos Andradas contando mentalmente quantos minutos faltavam para chegar em casa. Fazia isso todos os dias. Eram 11h43 da manhã e estava um sol de pelo menos 30 graus e minha barriga roncava de fome. Todos os dias era a mesma coisa. Eu precisava ir a pé da aula para casa, pois não dava tempo de pegar o ônibus, e nem a pau que eu iria esperar mais trinta minutos pelo próximo ônibus. Esse era o tempo que eu levava para chegar em casa.
Estava passando por um posto de gasolina quando vi, mais a frente, uma senhora usando uma saia longa cinza e uma camiseta florida, os cabelos grisalhos estavam presos em um coque, e ela tinha marcas profundas de expressão pelo rosto. E ela parecia perdida. Aproximei-me e perguntei se ela precisava de ajuda.
- Estava esperando por você - respondeu simplesmente.
Endireitei a postura, ajeitando a alça da bolsa no ombro. Como assim ela estava esperando por mim? Nunca a tinha visto antes.
- A senhora está esperando por alguém? - tornei a perguntar. - Você - e ela tornou a repetir.
Em seguida, ela retirou uma pequena caixa dourada com alguns adornos de um bolso de sua saia e a estendeu para mim. Fiquei encantada! Peguei a caixinha, que cabia perfeitamente na palma da minha mão sem nem pensar. Senti-me atraída por ela e não conseguia tirar os olhos dela.
Quando finalmente ergui o olhar para encarar a senhorinha, ela havia desaparecido, assim como tudo ao meu redor, sendo substituído por uma sala bastante escura. A caixinha abriu-se sozinha e caiu no chão, sem fazer sequer barulho, e de dentro dela saiu um holograma da mesma senhora.
- Olá, criança! Você foi escolhida para ir até a Ilha dos Corações encontrar um coração para o Homem de Lata. Hã? Como é que é? , pensei. - Homem de Lata? De Oz? - pensei ter pensado naquilo, mas eu havia realmente dito em voz alta.
- E você conhece algum outro Homem de Lata? - ela me respondeu um pouco ríspida. - Para ter acesso a Ilha, passe por aquela porta ali - a senhora apontou para uma porta surgida de lugar de nenhum. - Eu, se fosse você, me apressaria. Você não tem o dia todo. E sumiu.
Mas o que? Que merda estava acontecendo? Eu só parei para saber se a mulher precisava de algo, e de repente eu tenho que ir até uma ilha, assim, sem mais nem menos? Sem informações?
- Ah - a senhora do holograma tremeluziu outra vez -, esqueci das instruções - ela bateu na testa. - É a idade, desculpe. - E tossiu, limpando a garganta. - Atravesse a porta e você sairá na Ilha, ande por 800 metros e vire à esquerda, no Vale dos Corações. Terá uma placa lá, então, vai ser fácil achar. Caminhe por mais quinze minutos, vire à direita, depois dê dez passos e vire à direita mais uma vez. Logo em frente você vai encontrar a Loja dos Corações. Entre nela e peça para algum atendente um coração para o Homem de Lata.
- Só isso? - questionei. - Moleza! - Ah, não, não é só isso - ela balançou a cabeça meio sorrindo. - Você vai receber quatros moedas e uma chave pesada, com pedrarias vermelhas e um pequeno coração. Vá pelos fundos da loja, caminhe por quinze segundos, apenas por quinze segundos, ouviu? Você avistará uma estátua de coração bem grande, escondida entre árvores. Vá até ele e deposite as moedas no lugar indicado, e peça um coração para o Homem de Lata.
- Certo.
E quando eu pensei que ela havia terminado, ela continuou:
- Volte até a loja e use a chave para entrar pela mesma porta por onde saiu. Você vai dar de cara com uma máquina em formato de coração. Deposite o coração lá dentro e diga que é para o Homem de Lata, bata cinco vezes na máquina e espere até que o coração desapareça de sua vista, e o seu trabalho estará feito.
- Ok, mas, como eu volto para a casa?
- Ah, que bom que perguntou, já ia me esquecendo - ela bateu na testa outra vez. - Antes de usar a chave, desencaixe o pequeno coração que contém nela. Depois que o coração do Homem de Lata sumir, engula o coraçãozinho que você retirou da chave e estará em sua casa. Engula, e não mastigue, entendido?
- Entendido - bati continência.
- Ótimo! Então, boa sorte em sua jornada.
- Espera - chamei-a quando o holograma estava desaparecendo.
- Que foi? - ela resmungou.
- Por que eu?
- Não sei... - ela franziu as sobrancelhas, formando um V entre elas.
- Eu provavelmente deveria saber, mas eu me esqueci... Mas não importa. O que importa é que você precisa ir. Não importa? Eu me enfio numa loucura dessas, e não importa? Você só tem alguns minutos, é melhor ir se apressando.
E ela sumiu outra vez, deixando-me ali, pensando que eu deveria estar em um sonho muito louco. Repassei as instruções que havia recebido e entrei pela porta. Ao dar um passo para frente, pisei na grama, e ao olhar ao redor, pude ver muito verde por aquele lugar. Aquilo era uma ilha ou uma floresta?
- Ah, quer saber? Dane-se! Vamos fazer o que foi pedido logo de uma vez.
Ajeitei a bolsa novamente no ombro e caminhei os 800 metros, virei à esquerda. Encontrei a placa. Continuei andando. Direita. Dez passos. Direita outra vez. Avistei a loja em formato de coração - o órgão mesmo - e entrei. Assustei-me com a quantidade de corações que haviam lá, tanto no formato que nós mais conhecíamos, quanto na forma do órgão. Pedi pelo coração, recebi o que me foi dito, e continuei seguindo as demais instruções. Não sabia como não havia me esquecido delas.
Caminhei pelos quinze segundos pedidos e avistei a tal estátua. Fui até ela e depositei as moedas, pedindo pelo coração para o Homem de Lata. Um coração vermelho, pulsante e gelado - e não no formato de um órgão - surgiu em uma pequena esteira localizada na parte frontal da estátua e eu o peguei, dando graças a Deus por não ser mesmo um órgão ali em minhas mãos.
Voltei para a loja, retirei o coraçãozinho da chave e o coloquei no bolso da calça jeans. Coloquei a chave na fechadura e girei, entrando. Avistei a máquina imediatamente e já fui logo colocando o coração na esteira, igual a que tinha na estátua, dizendo para quem era. Dei as cinco batidinhas e a esteira começou a se movimentar, e o coração logo desapareceu pela entrada - ou seria a saída? - da esteira. Nem esperei e tirei o coraçãozinho do bolso, coloquei-o na boca e o engoli, e em um piscar de olhos eu estava na calçada, em frente ao portão da minha casa. Um bilhete estava pregado no portão, e dizia:
''Você, dentre todas as pessoas que passaram por mim nesta manhã, foi a única que parou para falar comigo, e por isso foi escolhida para buscar um coração para o Homem de Lata. Apenas uma pessoa com bom coração pode entrar da Ilha dos Corações. Obrigada pelos seus serviços, o Homem de Lata agradece.''
Retirei o bilhete do portão antes que alguém mais visse. Peguei minha chave em minha bolsa e coloquei na fechadura, e a única coisa que eu consegui dizer ao entrar pelo portão foi:
- Surreal.
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