
(Não) Esperem Por Mim
14/03/2022
Ansiedade, o grande inimigo da adolescência de qualquer época da humanidade. Pode-se dizer até que mesmo quando o conceito de adolescência não existia, os jovens da época eram ansiosos. Mas claro, nossa geração é mil vezes mais... Culpa da urbanização e dos rápidos avanços tecnológicos? Talvez, Hihi. Enfim, a ansiedade é um CU.
Porque estava ansioso? você me pergunta, querida Laerte. Bem, podemos dizer que odeio me sentir pressionado e muito menos ansioso, mas como não se sentir assim no seu primeiro dia de aula?
Óbvio, faz tempo que você saiu da escola, mas tenho certeza que já deve ter passado por isso, né? Ainda mais quando é seu primeiro dia numa nova... Nem tão nova assim... escola. Então sim, pode-se dizer que estava ansioso e por várias boas razões que direi mais a frente na nossa conversa de hoje. Logo, pare tudo que está fazendo e preste atenção em mim, sim? Hihihi, como se você tivesse escolha ou outra coisa pra fazer. Ai Higor, como você é tonto.
Bem. Janelas do carro, era por onde eu olhava a escola de longe enquanto fingia ouvir música no fone só para não falar com os demais ali. Ela era escura, a escola... Claro efeito do vidro do carro, e havia mudado significativamente desde a última vez que a vi quando viemos fazer a matrícula, a construção da igreja estava quase pronta.
Não disse muito, como o de costume, ao sair do carro com minhas coisas e ia até a sala quando esbarrei num cara que não olhei diretamente e pedi mil desculpas... Meu nível de ansiedade começou a aumentar a partir daí. Sentando na exata segunda cadeira da primeira fila, da janela para a porta, fiquei mentalizando o que falar quando os professores pedissem para eu me apresentar... O que normalmente acontece com os alunos novos... Mas, novamente, cometo a gafe de sentar num lugar que já tinha dono. Não olhei na cara do ser, pois estava intimidado pela situação e, novamente, mais ansioso, logo só andei olhando para o chão até localizar o quadro na sala informando onde eu poderia sentar e esse lugar era na exata penúltima cadeira da última fila. Teria sido bom, se eu tivesse feito isso ao entrar na sala, pois quando me virei para ir ao meu lugar notei que era o único em pé e que o professor já havia chegado e me secava apenas esperando eu ir sentar. Foi péssimo, juro. Principalmente quando fiz todo mundo rir ao escorregar e derrubar minha mesa sem querer quando me segurei nela, levando um esporro do professor obviamente. Imagina, então, como ele agiu ao descobrir que eu era o aluno novo? Sim, podemos dizer que já faço parte da lista negra de alguém na escola. Do professor Otávio no caso, o de ensino religioso.
Ai... Hihi, pelo menos alguém se divertiu né? Hihi, menos eu. Queria não ligar muito para essas coisas, mas segundo meu histórico é meio difícil. Você melhor que ninguém sabe disso, Laerte.
Esta foi a única aula mais... Tensa. Por assim, dizer. As outras foram de boas. Embora, mesmo que não tivessem sido piores que a primeira não quer dizer que foram mais fáceis. Como entrei no meio do primeiro semestre, não consegui acompanhar muito bem o que era passado... Ainda mais quando soube que já nesta semana que vem teremos prova. Hmkk, me fudi. Bem que meu pai podia ter pensado em fazer minha matrícula antes, talvez da próxima vez seja melhor eu fazer.
Enfim, tendo conhecimento do meu atraso em relação aos outros alguns professores pediram para que eu participasse das recuperações, plantões de tarde e pegassem a matéria com os colegas.
E nossa, verdade nem disse, mas algumas pessoas falaram comigo. Uma menina chamada Julieta Romã, uma menina de cabelos longa, alta e charmosas, e Luca Dias, um garoto ou garote que usava saia e tinha um estilo gótico e fofo... Acho. Eles meio que me fizeram grupo comigo para me ajudar nas aulas. São muito gente boa eles, quase me lembraram dos Titãs... Meu grupo de amigos, lembra? Hihihi, como não lembrar das pessoas que eu vivo falando pra você, né? Bem, eu não os encontrei na sala ou reconheci pelo menos. Mas estava meio cedo para querer isso mesmo.
De tarde, fui nas recuperações de biologia e física, o que não ajudou muito. Para alguém que já não tinha a mínima noção dos conteúdos passados por ter estudado numa escola pública até então, é meio que pedir demais querer que eu entendesse tudo de cara... E olha que ainda dei sorte da professora substituta fazer, justo hoje, uma revisão geral para a prova da semana que vem.
Ok, não é que eu não conseguisse fazer tudo. Algumas coisas realmente deram para ir com o passar dos exercícios em biologia. O problema maior foi em física onde havia um bando de gente que nem pra deixar eu perguntar prestavam e mais atrapalhavam a recuperação do que qualquer outra coisa. No final, essa aula serviu mais para eu lembrar do tempo em que estudava em Damas do Norte que me preparar pra prova. Foi ao brisar nas árvores do pátio pela janela que lembrei da vez em subimos na árvore maior dali e, sem querer claro, quebramos o braço do Mickey quando ao descer pulamos da árvore e Saulo sentou no braço dele. Hihi, é engraçado se pensar bem, mas na hora deixou todos os monitores desesperados. Parando para pensar agora, provavelmente ficaram preocupados mais com a possibilidade de serem processados pela mãe de Saulo, a melhor advogada da região, do que com o garoto mesmo, Hihihihi... Aí, ele nunca foi um ser agradável.
Na verdade, se fossemos fazer um top 5 dos garotos mais agradáveis do grupo, eu teria o primeiro lugar, óbvio! Hihi, não. Era Apolo, impossível outra resposta. É o garoto mais gentil e simpático que já tive o prazer de conhecer e sim... Pode-se dizer que também foi meu primeiro crush, o que não vem muito ao caso. Em segundo, o Michelangelo ou o Mickey. Tudo bem que era muito tímido na época, mas era também o ser mais fofo deste mundo. Para você ter uma noção, ele sempre fazia uma maqueta de papel mache para qualquer um que ele sentisse que estivesse triste, tipo sempre mesmo. Teve até uma vez que ele achou que eu estava chorando... Sendo que eu apenas estava com soluços... e me fez uma maqueta sua. Ok, não tinha ficado bonito, mas o que importa é a intenção. O terceiro lugar realmente vai pra mim, sou um amor de pessoa, mas tenho meus limites, Hihi. O quarto lugar vai pro Lorenzo, não que ele não seja agradável... Ele só possui outras qualidades como sua honestidade sem filtros e seu ótimo temperamento para brigas, ele nunca ligou para a opinião alheia, então sempre conseguiu manter a calma nessas situações. E quinto, como já sabemos, Saulo. Acho que foram todos os Titãs, né? Sim, contei certo.
Só sai da brisa quando o substituto finalmente percebeu que eu estava com a mão levantada e foi até minha mesa me atender, mas faltavam menos de dois minutos para acabar a recuperação, logo ele não conseguiu ajudar muito. Pelo menos, ele me passou umas listas de exercício, frente e verso, com mais de duas páginas cada para fazer em casa. Farei? Não, lógico. Mas vou dar uma olhada nelas na semana que vem antes da prova.
Mas assim, Laerte, o dia não foi um completo caos como parece, ainda tinha a recuperação de matemática pra ir. Não estava muito afim por achar que acabaria sendo igual as outras duas, mas foi melhor do que eu podia imaginar.
Primeiro que eu não estava achando a sala e, por isso, cheguei um pouco atrasado. Segundo, que depois que achei quase não consegui sair de lá. Eles estavam lá, todos eles. Saulo parecia mais encorpado e sentava com o pessoal mais barulhento da sala, mentiria se dissesse que fiquei surpreso com isso. Como o de costume, Mickey e Lorenzo faziam dupla para dividir o livro didático... Lorenzo tinha o costume de esquecer alguns materiais, então Mickey sempre compartilhava com ele... E Lorenzo parecia mais alto e sardento que antes e ele tinha óculos?? Desde quando ele começou a usar? Enfim, Mickey era o que mais parecia diferente, tendo um peitoral agora e suas roupas pareciam coladas de tanto que havia ficado forte, por assim dizer, e se tornou um ser muito mais atlético do que nunca foi. Ele conseguiu acertar a lixeira perto da porta estando do outro lado da sala?? Muito estranho, só... Muito estranho. E, por último, a pessoa que eu mais presava e quase não reconheci por estar de capuz, Apolo. Ele estava perguntando algo pra professora e se assustou ao me notar atrás dele, foi quando pude vê-lo. Continuava alto, o que me frustrou um pouco, e ainda tinha aqueles olhos verdes que brilhavam em meio a sua pele negra, apesar disso tinha bochechas maiores e mais espinhas agora... Engordou ou seria mera impressão minha? Não sei, o que sei foi que não me reconheceu ao me ver, na verdade nenhum um deles em si. O que faz sentido, já que também mudei muito desde que sai da escola no Fundamental. E foi impressionante a minha capacidade de reconhece-los também, sabendo-se de que estavam de máscara... Posso já ter tomado a segunda dose, mas ainda é preciso se proteger.
Enfim, me sentei bem num lugar em que pudesse ver todos eles ao mesmo tempo e ainda tive a cara de pau de ficar fitando-os na esperança que eles me reconhecessem, o que incomodou, até demais, Apolo que veio tirar satisfação comigo..
Algum problema?
Nossa, Laerte. Dentre os muitos sentimentos que explodiram naquele exato momento, vergonha foi o que eu menos consegui conter. Olhar para ele tão de perto e perceber o quão diferente estava, na forma de olhar que era mais bruta que antes, em como seu cheiro se tornou mais salgado que antes ou que até a forma em que carregava o caderno havia mudado. O que aconteceu com todos eles?
Oh, Tigresa. Deixa o pequeno em paz!
Saulo disse, o que fez seus verdes olhos brilharem na direção dele. Amava aqueles olhos, aquelas pequenas esmeraldas... Claro, isso quando eu era menor. Mas como não queria que Apolo jogasse a cabeça de Saulo contra a parede, como já fez quando Saulo me chamou de 'pobre imunda' e comecei a chorar, logo disse..
É.. Desculpa. – E seu brilho verde voltou a mim. – Eu olhava mesmo... Desculpa mesmo, é só que você me lembrou muito de alguém. Tipo muito mesmo e como sou novo... Bem, achei que podia ter achado olhos conhecidos. – Sim, eu falei 'olhos conhecidos', agora de onde eu tirei isso? vai saber, Haha.
Ah... Não de boas. – Parecia que falaria algo mais, só que ele se interrompe antes. – É.. Desculpa.
KAKAKAAK, meu deus Tigresa, tá com os remédios em dia é? Gostei de ver. – Saulo voltou a atacar.
Vai se fude, pinto pequeno! – Rebate os olhos verdes.
Senta aqui primeiro antes de fala merda. – Disse apontando... Para aquele lugar.
Sorte que o substituto interviu na discussão e já veio me atender, esperava que poderia suceder algo feio daquela situação ou apenas algo que interrompesse meu estudo. Ajudou-me um pouco na matéria, mesmo com os amigos de Saulo achando mais interessante brincar enquanto a maioria tentava estudar... E dessa vez era pra valer mesmo, Apolo não largava o caderno e Mickey e Lorenzo não tiravam a cara do livro, o que não me surpreendeu nada. Os Titãs sempre foram bons de estudo e erámos uma ótima base para Saulo que sempre teve mais dificuldade de pegar o conteúdo em sala, algo que me fez refletir em como ele conseguia fazer agora com outros amigos. Não acho que eles podiam ser espertos o suficiente para ajuda-lo a estudar. Fiquei com pena dele por ter se afastado dos Titãs... Ou pelo menos, foi o que pareceu que sucedeu. Na verdade, nenhum deles se olhavam ou conversam de forma gentil como se um dia houvessem sido algo mais que colegas de sala, talvez Saulo não fosse o que saiu do grupo e sim que o grupo se desfez com o tempo. Eu temia que isso acontecesse depois de minha saída de Damas do Norte.
Quando o substituto ia embora, Apolo chamou-o enquanto se aproximava de mim. Tirava dúvidas sobre os exercícios de juros compostos e eu, novamente, observava-a tentando perceber mais diferenças nele. Quase não havia em verdade, mas pude perceber pouco até porque percebi que ele também me olhava, logo parei de olhá-lo. O que deu um ótimo assunto para conversa quando terminou de tirar sua dúvida..
Você estava me olhando de novo. – Ele sorriu um pouco. – Pareço tanto assim um amigo seu?
Haha... É... Pior que sim. – Ele se sentou na cadeira em frente e Saulo pareceu interessado em nossa conversa.
Sério? Pior que eu também sinto que te conheço. – Ai meu coração, quase tive um surto quando ele falou isso. – Você já participou do time de futebol daqui? Ou esteve em algum futebol clube da região?
Não, Haha. Mas já tive interesse.
Sério? Por que sinto que te conheço?
Não faço ideia... Mas esse sentimento é mútuo. Você me lembra muito com o meu melhor amigo de infância.
Ah é? E como ele era?
Ah que nem você sabe. Pele escura, olhos esverdeados e alto, o que sempre me deixava puto, porque ele sabia que eu era baixo e vivia colocando a minha mochila aonde eu nunca ia conseguir pegar, Haha. – Ele riu. – Bem, ele também era muito amável, embora me irritasse de propósito. Ele sempre me abraçava, seja para me cumprimentar, se despedir, não importava a situação ele sempre arranjava um motivo para me abraçar. E ele também era feliz ou ao menos parecia muito feliz com a vida e os cinco melhores amigos que tinha. Tinha até uma frase que ele costumava dizer, é... Não importa se não houver céu para olhar ou terra para correr, eu vou sempre continuar amando tudo e todos. – Seu sorriso começou a mudar. – Eu nunca pude dizer isso para ele, mas eu sempre amei ele... Tipo demais. Ele era minha pessoa preferida em todo o mundo naquela época, Haha. Não só conseguia fazer com que eu e os outros sentimos protegidos como nos ajudava no estudo. E eu me culpo até hoje por não ter consigo falar uma última vez com ele ou ter mandado uma simples 'Oi' pra ele quando achei seu perfil no Face ou no Insta. Eu tive medo que as coisas houvessem mudado tanto que ele não se lembraria de mim ou que não aceitasse o fato de eu ter mudado muuuito desde a última vez que ele pode me ver. Mudado de uma forma tão chocante que fez até com que minha mãe saísse de casa por não conseguir suportar a dor de ter perdido sua filhinha querida. – Sua expressão mudou naquele momento, estava começando a entender. – Faz muito tempo isso, tipo acho que vai fazer 5 anos agora, mas até hoje penso no que teria acontecido caso meu pai não houvesse perdido o emprego e eu tivesse continuado a estudar na escola em que esse amigo estava. Penso... Será que todos mudariam tanto assim? Será que eu haveria mudado? Será que eles teriam aceitado a minha mudança? Mas são perguntas injustas, porque não tem como eu ou eles saberem disso. O que importa é o que fazemos no presente e não no passado. – Assustado, ele finalmente havia se lembrado de mim. – Oi, Apolo. A quanto tempo.
He... Helena?
Higor... Agora, é Higor. Bem, na verdade sempre foi, Haha. – Derramei uma lágrima enquanto ria, acho que não consegui aguentar. Pena que foi o suficiente para fazê-lo se levantar e sair as pressas da sala. Pegou suas coisas e não quis olhar pra trás.
Bem, não posso dizer que ele não fez o certo. Até eu teria fugido com uma revelação dessas, mas não quer dizer que tenha sido mais fácil para mim vê-lo partir. Meu melhor amigo de infância, minha antiga paixão, minha pessoa favorita indo embora sem olhar na minha cara, foi quase irônico, Haha. Enfim, não posso dizer que foi uma surpresa. Eu esperava isso de certa forma, não à toa estava tão angustiadamente ansioso para o dia de hoje. Queria não estar certo, queria acreditar que eles não haviam ido, queria muito, Laerte, ter acreditado que eles teriam esperado por mim. Que houvessem pensado que um dia eu voltaria e seriamos felizes para sempre como sempre foi. Mas seria mentira isso, não queria que esperassem por mim. Queria que vivessem suas vidas e que houvessem seguido em frente sem mim para que um dia, caso eu voltasse, pudéssemos conversar sobre nossas mudanças e ver se nossa relação ainda tinha esperanças de continuar de onde havíamos parado... O que não é menos sonhador do que a opção anterior, Haha.
Ai, Laerte, você sendo meu diário já teve que aguentar muito mimimi vindo de mim, mas este deve ter sido o pior deles, Haha. Então, acho que por hoje está bom de drama. Boa noite, querida amiga.
Até amanhã.
Por: Lucas MB.
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