Por onde se começa este tipo de coisa?

Eu nunca escrevi porra nenhuma na minha vida.

Lógico. Fora as coisas que já fui obrigado, tanto pela escola quanto em outras "coisas na vida", mas isso aqui é novidade.

Bem... Eu vou começar onde acho que devo e se precisar volto no tempo ou avanço. Fecho?

Então vai ser exatamente do ponto que estou agora.

Vida nova.

Por quê?

Estou me mudando da casa dos meus pais e indo morar sozinho pela primeira vez.

Se to nervoso? Não mesmo. Isso é libertador de mais.

Ficar livre das regras do "senhor reitor" é algo maravilhoso. Você deve entender muito bem do que eu estou falando.

Não é que o meu pai seja controlador; é que ele realmente tinha o controle de tudo na minha vida. Me deixa explicar melhor: Ele era o reitor da única escola da cidade onde cresci, e isso quer dizer que eu era o filho do Boss fight desde meu primeiro ano ate me formar. É. Como você já deve ter imaginado foi muito maneiro...

Então tudo que eu mais queria era poder cometer meus próprios erros sem ele bafejando na minha nuca e movendo as minhas cordinhas a todo momento.

Não me leve a mal. Eu amo minha família, só preciso do meu espaço. Crescer é isso e já ta na hora de sair de casa; como os velhos falam: bater asas e deixar o ninho.

Pesquisei muito bem para onde ir, afinal eu não tinha como ficar nessa cidade; e não consigo deixar de pensar que a minha irmã estava certa quanto vazou daqui, já que em uma cidade pequena assim todos já te conhecem desde sempre e você não pode fugir do que já pensam de você. E eu... sou apenas o filho do reitor. O filho do meio ainda por cima.

Então assim como todo mundo faz, comprei as passagens e arrumei as malas.

Claro que eu tenho asas, mas... Como explicar?

Você tem pernas não? E mesmo assim vai com veículos e não a pé a todos os lugares. Agora entende?

O saco foi ter de pagar tão caro para levar minhas coisas para a nova casa, ou melhor apartamento. Pelo lado bom não teria de carregar tudo pra cima e quando pousasse tudo já estaria no apartamento e meu único trabalho seria guardar, levaria apenas uma mala de mão por emergência.  Tinha conseguido um apê legal em um bom condomínio e estava bem animado em o ver fora das fotos e temeroso caso seja mentira ou enganação.

E como não tinha o que fazer ate o horário do embarque; passo esse tempo me entretendo um pouco na rede social. Quem não faz isso? Ou é isso ou joguinhos.

Gostava de dizer que era contra qualquer rede social e na verdade preferia uma conversa cara a cara, mas... A verdade é que essa era a única forma de ficar atualizado com tanta coisa que acontecia ao mesmo tempo, e ainda manter contato com os poucos amigos que tinha.

Era: manifestação contra ou sobre algum assunto, gente famosa que faz merda, a política sempre uma bagunça, atualizações tecnológicas, etc. Se eu não me rendesse a esse vicio ficaria completamente desatualizado ou ate mesmo lesado; isso era uma necessidade da sociedade moderna. Fazer o que? Mas a pior parte era que todos os meus amigos pareciam estar... em "fazes" nada haver uma com a outra!

Desculpa mas eu cresci com essa idéia de fazes da vida.

Você aprende a pegar, sentar, andar, falar. Ai depois vai pra escola e tem as novas "fazes"ali, vivendo tudo junto deles. Você descobre gostar de garotas, ...ou de garotos... Não importa. Você descobre o sexo e ri disso feito um besta, depois almeja e ai fica lunático tentando; passa pelas mesmas broncas que seus amigos, tem quase as mesmas ambições e ocorridos e sempre esta falando destes assuntos em "comum" que você tem. Mas ai se forma e... PUF!!! Cada um vai pra um lado e ate parece que cada um seguiu por um fio diferente do tear de uma "Moira/ Parca" não importa o nome.

O que importa é que... realmente parecia que cada um estava em uma faze e eu não conseguia muito assunto com ninguém.

Tinha gente que já estava planejando se casar enquanto outros ainda estavam estudando e morando com os pais.

E eu?

Eu não sabia se me sentia muito fracassado por não ter tudo o que alguns dos meus amigos já tinham conseguido conquistar ou maduro de mais por estar indo morar sozinho enquanto outros estavam na mesma vida do colégio.

Tentava pensar que estava em um ótimo e saudável meio termo.

Mas toda mudança como essa é algo extremamente cansativo.

Se você não cansa seu corpo carreando e fazendo coisas, cansa sua mente de tanto pensar em detalhes, ou como o meu caso ficar esperando o meu vôo no aeroporto.
Juro que a demora era tanta que cogitei ir voando na raça mesmo, como antigamente. Mas... minha raça nunca foi migratória.

Então você já deve imaginar o quanto eu já estava exausto psicologicamente quando finalmente consegui chegar ao destino final; isso depois de ser ignorado umas três vezes pelos taxistas... Ódio? Magina... sou calmíssimo.

Unf.

― Nossa é tão raro ver uma gárgula por aqui. Você é do interior não é mesmo?

Um... É uma lei todo taxista ser "conversadeiro"?

Tipo... ta na entrevista de emprego? Oi. Você é ótimo motorista e tem um ótimo histórico, mas na nossa entrevista você nem mostrou as fotos da sua família inteira ou me contou no mínimo três história randômicas. Desculpa mas não podemos contratá-lo.

― Sim. Eu vim de uma cidadezinha pacata onde todos sabem o nome e a vida de todos. ― Respondi tentando evitar sorrir com meu próprio devaneio. Não queria assustar o cara. ― Você só trabalha no aeroporto? Pode me indicar um restaurante legal? Que entregue... Estou meio cansado.

― Claro. ― Ele diz todo feliz ao pegar um dos cartões que ficavam sobre o seu painel presos de uma forma tão organizada que me dava toque. Acho que era coisa de ciclope ser assim com suas coisas. Os que eu conheciam pelo menos eram bem organizados.

Agradeci pela corrida e já o paguei, estava mesmo pregado.

Pelo lado bom tinha conseguido um apê todo mobilhado. E mesmo que sejam uma bosta de moveis era o suficiente pra viver. E eu só queria dormir ate perder a noção de tempo.
Foi o que eu pensei.

Quando em fim cheguei em frente ao apartamento, nem me importei em dar aquela checada padrão para ver todo o ambiente e aparência do lugar. Apenas paguei o taxista e subi de elevador sem me importar com mais nada alem da cama que me aguardava.

Estava exausto sim... mas quando vi aquela casa, a minha primeira impressão foi tamanha que espantou toda a canseira da longa viajem.

Parecia que a casa toda estava sendo devorada por uma entidade maligna que se manifestava através do crochê... ou tricô. Eu não sei a diferença; só sei que é coisa de velho.

Tinha sobre a mesa da sala e aqueles tradicionais que ficavam entorno de coisas arredondadas, ate sobre o fogão, geladeira e armários.

Ate a cocha de cama era desse troço, e o sofá parecia à obra de arte de uma criança de três anos com tantas cores misturadas. Parecia mesmo que se eu me sentasse ali a minha calça seria consumida e se converteria em crochê... tricô. Sei-la!

Não dava.

Tratei de arrancar tudo.

Dava agonia. Principalmente por que eu paguei barato neste apê enorme e muito bem localizado justamente por que a dona anterior foi encontrada morta dentro dele.
É... os vizinhos sentiram o odor fétido depois de dias. Então não dava mesmo pra deixar aquilo daquela forma. Não, não dava não.

Ficava imaginando. Credo!

Minha avó iria surtar se soubesse...

Foi só quando terminei de arrancar tudo e por em um canto da sala, (por que eu ainda não tinha saco de lixo),  que me dei conta de que todas as minhas caixas da mudança estavam na sala.

Olhei para tudo aquilo e fiquei com um misto de alegria e descontentamento.

Certeza que alguém da minha família pois coisas e caixas a mais. Se não um; todos!

É engraçado... como coisas tem o mesmo nível de inutilidade que tem de emocional.

Por exemplo: Você sabe me dizer pra que serve um retrato na pratica? Utilidade 0 mas não da pra medir o que alguns tem de emocional.

Outro exemplo: Minha irmã guarda uma pedra de uma praia que fomos quando jovens. E o meu pai tem o molde da mão de todos os filhos em cima da lareira, foi algo bobo feito em barro pela creche, mas ele guarda como um tesouro.

Este apartamento tinha dois quartos. E eu levei um tempo para escolher entre eles. Um ficava de frente ao banheiro e o outro do lado. O primeiro tinha a janela de frete a porta e o outro de lado.

A única diferença estava nesta vista e como o segundo ficava mais próximo a sacada acabei optando por ele; mas ai fiz a melhor conta e fiquei com o maior.

E mesmo que o apartamento estivesse todo mobilhado eu não sabia em que cama a velha que morava aqui dormia e seria estranho de mais... então comprei uma cama nova e fui pagando aos poucos com o salário de motoboy e vivendo de miojo de pote.

Este quarto era bom.

Tinha um armário antigo enorme que pegava uma parede toda e me lembrava muito o do meu pai, mas sentia que me faltava roupas para o preencher; coisa que me fez sentir meio vazio. A senhora e meu pai tinham tantas coisas para por em seu armário, mas eu não. Ele tinha as coisas que eu e meus irmão fizemos e por algum motivo ainda guardava o vestido de casamento "dela" em um caixa preta estranha. Mas por outro lado isso me fez sorrir, ainda tinha muito o que preencher ali.

Pus nas gavetas minha roupa toda por que odiava cabides. E joguei em outros cantos a roupa de cama que também seria paga aos poucos com meus órgãos. Por que demônios roupa de cama era tão cara? E toalha de banho? Serio! Eu nunca comprei essas merdas na vida. Que absurdo.

Mas ok.

Minha cama nova ia ficar de lado para o armário, uma mania, por que meu quarto era assim, mas ai veio a voz do meu pai falando que essa era a pose do "homem morto" e que os pés da cama não podem ficar virados para a porta e blablabla. Então virei e deixei ela colada a parede pra ganhar mais espaço e tirei aquelas cortinas estranhas que tinham o contagio poderoso do tricô ou crochê; ainda não sei a diferença e substitui por aquelas que cortam totalmente o sol. Outra facada na minha pobre carteira que não tinha chance de revidar.

E por fim olhei pra toda aquela tralha extra com um sorriso.

Quanto mais porcaria inútil, mais parecido com a minha casa aquele novo apartamento iria parecer.

Amo fazer essas plantas então já facilitei pondo ela ^_^ era assim que a casa estava antes 

Imagina ele uma gárgula moderninha assim ok? Ele só é cinza. ^_^