Capítulo 5
(Sarah)
— Você não vai mesmo pra casa? — Levi pergunta outra vez. Estamos conversando enquanto caminhamos aleatoriamente pelo hospital. Já passa do meio dia. — Seus pais não estão te obrigando a ficar aqui, Sarah! É perca de tempo! — Ele fecha os olhos e leva a mão à cabeça. — Eu não estou querendo dizer que a Safira...
— Eu sei. — Corto-o.
— Entende?! — Ele está com as sobrancelhas franzidas. — Até seus pais estão em casa, descansando... Eu só quero dizer que vai ser bom pra você ocupar a mente com outra coisa...
— Minha mente está absolutamente ocupada. — Eu falo, então ele para de andar e me encara, incrédulo.
— Ocupada?! Ocupada com o quê?! — Eu o olho sem reação e ele suspira. — É isso o que me preocupa! — Fala, por fim.
— E é isso o que me irrita! — Exclamo, já com raiva. — Essa sua mania de querer me proteger de tudo e todos, de não me deixar viver como eu sei viver! — Acabo deixando sair todas as palavras que eu penso e nunca digo. Meu coração está acelerado e eu não sei bem explicar o que estou sentindo no momento. — Você parece mais um pai do que um amigo! Eu sei me cuidar sozinha, já te disse isso um milhão de vezes! Então por que você não esquece e me deixa em paz?! Que droga, Levi!
O hospital está lotado; a todo o momento passam pessoas chorando, médicos apressados, enfermeiros com prontuários de pacientes, pessoas carregadas em macas, em cadeira de rodas... Talvez foram muitos acidentes como resultados do feriado. E talvez minha relação com Levi tenha sido mais um acidente que poderia ter sido evitado.
Ele me encara por uns segundos e depois anda apressadamente em direção ao elevador, sem dizer uma palavra, o que me deixa sem reação porque não importa o que eu diga — ou com que intensidade eu diga —, ele sempre tem as palavras certas para me responder, sempre calmo. E dessa vez sua atitude acaba me deixando nervosa, mas ao mesmo tempo ainda sinto a adrenalina em meu corpo, causada por toda a raiva que soltei em minhas palavras.
Mesmo assim vou atrás dele, porém a porta do elevador acaba se fechando antes que eu entre, e eu corro em direção às escadas, subindo-as o mais rápido que posso.
Por que ele está agindo dessa forma?!
Assim que chego ofegante ao terceiro andar, vejo que ele acaba de se sentar em um dos sofás da sala de espera, enfrente à parede de vidro. Antes de me aproximar, recosto-me à parede e tento recuperar o fôlego; depois caminho até ele, sentando no braço do sofá, a alguns centímetros de distância.
Ele não diz nada, e nem sequer vira em minha direção, está apenas com cabeça afundada nas palmas das mãos. Estranho sua atitude porque estou acostumada apenas a receber sua atenção, não esse gelo. Quem se chateia em nossas conversas sou eu! Por que essa inversão de papeis agora?!
Respiro fundo e abro e fecho a boca várias vezes, sem saber o que — ou como — dizer.
— Me desculpa por ter sido tão grossa! Eu só queria dizer que... — Interrompo a frase. Eu não quero parecer egoísta tentando me explicar e dar uma justificativa por ter falado daquele jeito, isso soaria orgulhoso demais! Penso em outra forma de me explicar de maneira mais branda, mas acabo desistindo ao não encontrar as palavras certas. Parei de falar há vários minutos e até agora Levi sequer levantou a cabeça. — Eu... — Desço do braço do sofá e me aconchego em um dos assentos. — Me desculpa, eu fui uma idiota!
Levi finalmente ergue a cabeça e se afunda entre as almofadas, fechando os olhos. — Eu já disse que só quero o seu bem! Você deveria pensar melhor antes de falar essas coisas. Não sabe o que passei! — Ele diz em tom de advertência, e isso acaba de vez com a ínfima paciência e delicadeza que me restavam.
Decido erguer o tom de voz para que ele entenda que estou falando sério.
— Quer saber?! Eu não deveria pensar melhor em nada! Eu deveria ter falado exatamente o que eu falei, porque é a verdade! Você é um cara legal, Levi, mas eu já estou cansada! Estou cansada de ter que ouvir seus sermões e ser tratada como se tivesse 7 anos de idade! Não sei se você percebeu, talvez não, porque pudesse estar preocupado demais pensando em qual a próxima bronca que iria me dar, mas eu odeio ser tratada assim! Eu não preciso, aliás, eu não quero que você tome conta de mim! Não preciso que assista filmes comigo para que eu me divirta, não preciso que ande comigo por esse hospital para que eu me distraia, não preciso que leve comida pra mim porque eu não vou morrer de fome! — Respiro fundo. Minhas sobrancelhas estão franzidas. — Eu sei sobreviver sozinha, e não preciso de você enchendo o saco no meu ouvindo o tempo inteiro, dizendo o que seria ou não melhor pra mim! — Concluo e sinto meu peito fazer força para respirar.
Levi levanta do sofá e, ao invés de retribuir o que disse com outros gritos encima de mim, apenas balança a cabeça. Depois abre a boca para dizer algo, mas muda de ideia e a fecha novamente, e faz isso por mais duas vezes, me deixando apenas mais apreensiva. Mas por fim ele respira fundo e eu ouço sua voz totalmente embargada.
— Depois nós conversamos. — E então ele caminha de volta ao elevador, me deixando apenas com mais raiva.
Eu tenho esse péssimo defeito de explodir sobre as pessoas, de dizer tudo o que está guardado na menor oportunidade. E na maioria das vezes eu me arrependo. Mas eu precisava dizer tudo isso, as atitudes do Levi comigo estão cada vez piores, e eu não vou suportar!
Ando em direção ao quarto da Safira com passadas firmes e deito no colchão do chão, tentando esvaziar minha mente. Depois vou até o frigobar e pego um copo d'água. É quando percebo que minhas mãos estão tremendo.
— Eu não estou arrependida! — Falo, me virando para minha irmã. — Ele precisava ouvir aquelas verdades, não é?! Ele pensa que eu sou o quê?! Um bebê?! Sua filha?! — Estou andando de um lado para o outro e mexendo uma das mãos. — Ele pensa que pode me controlar, por acaso?! — Me pergunto em voz alta e ouço a porta do quarto se abrir.
— Sarah?
— EU NÃO QUERO FALAR COM VOCÊ! SAI DAQUI! — Grito, mas arregalo os olhos ao constatar que quem acabou de entrar não foi o Levi.
— Eu... — Ele começa. Está nervoso. — Eu fiz alguma coisa?
Respiro fundo, levo uma das mãos ao rosto e me recosto na parede atrás de mim, arrastando-me até o chão.
— Desculpa! — Balanço a cabeça. — Só estava estressada!
— Quer que eu volte mais tarde? — Ícaro pergunta.
— Não. — Fecho os olhos. — Eu estou bem!
— O que houve? — Anda até o colchão do chão e senta.
Deixo o copo já sem água no chão e engatinho até o colchão, aninhando-me nele.
— Não houve nada. Está tudo bem! — E lembro de ontem, quando Levi me aninhou em seu corpo e disse-me exatamente a mesma coisa.
Ícaro beija minha testa e segura minha mão, e assim passamos alguns minutos em silêncio.
— Como passou a noite? — Questiona. Sua voz soa cansada.
— Dormindo. — Respondo e rio silenciosamente.
— Então foi incrível! — Fala, e não sinto nenhuma pontada de ironia em sua voz. — E o Levi?
Suspiro. — O que tem ele?
— Ele... Vocês... Ele esteve aqui... Com você? Tiveram alguma programação juntos?
— Não queremos falar dele.
— Queremos sim.
— Não. Não queremos. De verdade. O que aconteceu com você? — Pergunto e então ele me solta, fazendo com que fiquemos frente a frente.
— Eu discuti com o Kaynon ontem. — Seu rosto está triste.
Entorto um pouco o pescoço. — Por quê?
— Porque ele tentou beijar a Amanda.
Franzo as sobrancelhas. Não estou entendendo o Ícaro!
O encaro por um tempo, fixando meus olhos profundamente nos seus, e ele não desvia por nem um segundo.
— Não foi por isso. — Afirmo com toda a certeza do mundo e sinto algo se quebrar dentro de mim.
— Não. — Ele morde os lábios e finalmente olha para baixo. Meus olhos se enchem de lágrimas.
Por que eu estou reagindo assim?! Sempre soube disso!
Quando eu os vi na piscina, naquele dia, um ano atrás, eu soube. Eu soube quando vi a forma que ela o deixou nervoso quando se reaproximou. Eu soube quando li a carta que ela fez para ele — mas nunca entregou. Eu soube quando o via olhar para ela. Era diferente. Eu sempre soube.
Um dia eu ficaria para trás e eles avançariam.
Olho para minha irmã desejando profundamente abraçá-la. Queria que ela me dissesse qualquer coisa!
Fecho os olhos e deixo duas lágrimas caírem do meu olho direito. De uma vez só. Talvez uma para cada um dos garotos que me magoaram hoje.
E depois cai mais uma do meu olho esquerdo. Talvez essa esteja sozinha para mostrar a forma como estou me sentindo agora.
— Eu não queria que isso acontecesse! — Fala.
— Eu também não. — Estamos lado a lado, mas nenhum é capaz de olhar para o rosto do outro.
— Eu não queria te magoar! — É o que diz.
Me magoar?!
— Me magoar?! — Pergunto, ainda evitando o seu olhar.
— Eu pensei que... Eu pensei que tinha acabado!
Rio ironicamente, sentindo o gosto das lágrimas salgadas que chegaram à minha boca. — Pensou que tinha acabado...
— Pensei mesmo! — Ele fica na defensiva. — Eu pensei que não existisse nada! — E funga. — Aquilo tudo foi... Foi um engano! Foi um impulso idiota que eu tive, eu não pensei que...
— Iria se apaixonar! — Completo. E rio novamente. Mas não estou achando a menor graça.
— Não. Não pensei!
De repente viro para ele e o encaro com a sobrancelha franzida, sentindo os nervos à flor da pele.
— COMO NÃO PENSOU, ÍCARO?! VOCÊ É IDIOTA, POR ACASO?! — Grito e deixo as lágrimas caírem sem medo.
— SOU! — Grita no meu rosto. — SOU IDIOTA, SIM! — E respira fundo. — Eu não pensei que iria gostar dela porque... Porque eu estava... — Ele está com os olhos fixos nos meus. Meu coração acelera e eu passo os dedos pelas minhas lágrimas.
— Você nunca me disse nada! — Falo baixo e viro o rosto.
— Você é a minha irmã! — Exclama. — Eu nunca...
— Não me venha com essa história de irmã! — Corto-o, irritada, e de repente uma ideia abrupta se forma em minha mente. Franzo as sobrancelhas e entreabro minha boca. — Então você a beijou porque queria... — Rio com ironia mais uma vez e balanço a cabeça. — Você queria... — Olho em seus olhos... — Queria que eu sentisse ciúmes de você, Ícaro! — Exclamo, me assustando com a própria ideia.
— O quê?! — Franze as sobrancelhas.
— QUE DROGA! — Grito e me incomodo com a situação em que estamos. — Que droga, Ícaro! — Exclamo, já em voz baixa novamente. — O que você fez com a nossa relação?
— Mas eu nã...
— NÓS ÉRAMOS MELHORES AMIGOS, CARAMBA! — Grito e volto a chorar, colocando a mão nos lábios.
— Nós somos melhores amigos! — Ele exclama com as sobrancelhas franzidas.
Balanço a cabeça e me levanto, caminhando em direção à porta e abrindo-a.
— Não somos, não!
⁂
Estou sentada em um dos sofás da sala de espera do térreo, de frente para o elevador. Olho para o relógio digital do meu celular: 19:38.
Meus pais estão no quarto com a Safira. Ítalo está com eles.
Tiro meu fone de ouvido do bolso do meu short de tecido e abro a pasta de "Poemúsicas", um neologismo óbvio que fiz para abrigar as músicas com as letras mais poéticas que tenho no meu celular. Seleciono Inventor do tempo, de Deise Jacinto, e fecho os olhos, tentando limpar minha mente com a melodia suave que começa a tocar.
Briguei com duas pessoas importantes hoje.
Não os vi mais durante a tarde inteira. Mas também não fazia questão nenhuma. Precisava ficar sozinha.
Na verdade, eu precisava conversar com a minha irmã, mas como isso não está sendo possível, preferi ficar sozinha — não que eu tivesse mais opções.
— Oi Sah! — Ouço a voz de Amanda por trás da música e retiro os fones.
— Oi Dinha. — Respondo com um meio sorriso sem animação e ela senta ao meu lado. — Então, o que tem pra me contar?
Ela respira fundo e dobra as pernas sobre o sofá.
— Eu sei que você não gosta de falar sobre isso... Se não quiser continuar, eu entendo e a gente muda de assunto, mas eu acho que você deveria saber, então...
— Pode falar. Eu já briguei demais hoje, agora quero só ouvir! — Digo, com a voz cansada. Ela assente.
— Bom, eu sei que combinamos de não falar nada sobre... — Reluta. — Sobre o meu beijo com o Ícaro. — Sussurra. — Mas ontem... Ontem nós conversamos e... Eu não sei, mas por um momento pensei que ele tivesse... Com ciúmes de mim, sabe? — Assinto para que ela continue. — Ele estava me olhando de um jeito diferente, como naquele dia! E eu queria, Sarah... Queria que ele...
— Te beijasse outra vez. — Corto-a.
Ela me olha meio chateada. — Isso. — Suspira. — Eu pensava que tinha superado! Eu pensava que tinha deixado aquilo pra lá e que estava prosseguindo... — Olha para o chão. — Talvez por isso eu deixei que o Kaynon me beijasse, apesar dele não ter feito isso. No momento, minha mente estava vazia, mas... — Amanda balança a cabeça e começa a olhar para frente. — Quando eu contei para o Ícaro ele não deu a mínima, e aquilo me deixou bastante irritada! Foi aí que eu percebi que eu me importava com o que ele sentia! Depois daquele beijo tudo ficou confuso entre nós! Eu queria conversar com ele, perguntar se sentia algo, mas ele sempre fugia... Só que ontem, quando eu o perguntei, ele ficou... Diferente! — Ela conclui e ficamos nos encarando.
Eu não sei bem o que sentir quanto à relação do Ícaro e da Amanda. Não, sabendo que ele gostava de mim e nunca disse nada. Não, sabendo que eu também gostava dele. Não, porque talvez eu esteja com um pouco de ciúmes da minha amiga. Porque talvez eu queira o Ícaro tanto quanto ela quer. E quanto a isso, eu não sei o que fazer. Porque eu sei que perdi a minha vez. E eu não posso simplesmente chegar a ele e dizer o que sentia (ou sinto?) justamente agora, que ele sabe o que sente pela Amanda.
Eu não quero ter que impedi-los. Eu não quero ser a mal amada que atrapalha o relacionamento dos outros. E eu amo os dois. E eu quero apoiá-los. Mas ao mesmo tempo isso me machuca, e se eles ficarem juntos...
O que vai acontecer quando um vier me falar de como o outro lhe faz bem?!
Ninguém pode viver sentindo ciúmes pra sempre. Ou pode?
Eu não quero conviver com isso. E eu não sei o que fazer. De verdade.
Abro um meio sorriso e olho para os lados. — Que bom, amiga! — É o que consigo dizer. — Espero que vocês se resolvam! — Estou tentando ser amigável, mas o máximo que estou conseguindo é ser hipócrita. — Eu preciso dar uma saída agora, mas depois a gente conversa! — E então me levanto.
E ainda tem o Levi.
— Mas Sarah, eu...
— Tchau! — Corto-a e ando em direção à porta da frente, saindo do hospital.
Estou tirando meu celular do bolso e escolhendo outra música para tocar quando bato de frente com alguém.
— Desculpa! — Levanto a cabeça e vejo que é Lorenna. Ela ri simpaticamente para mim.
— Tudo bem! — Fala e eu dou mais um passo para continuar meu destino, mas alguém segura meu pulso.
— Está indo pra onde? — Se essa voz preocupada não fosse do Levi, eu não sei mais de quem seria.
Me solto da sua mão. — Não importa! — E dou passos rápidos, saindo do hospital, mas ele corre até mim e me acompanha. Bufo.
— Vou com você.
— Não preciso de um guarda-costas! — Falo, zangada.
— Não importa! — Responde, mas eu apenas o ignoro e continuo caminhando. Entretanto paro quando chegamos à beira da pista. — Pra onde vamos?
— Não sei. — Digo e ficamos parados.
— Está com fome? — Ele pergunta e eu o olho incrédula, mas estou mesmo com fome, por isso assinto com a cabeça. — Então eu sei pra onde vamos. — Fala, depois enfia a mão no bolso direito da calça e balança as chaves do seu carro na frente do rosto, o que me faz revirar os olhos, mas não conseguindo evitar um sorriso. Por fim, ele entrelaça os dedos em minha mão.
Sinto meu coração acelerar e eu fico imóvel.
— O que está fazendo?!
— Não pergunte. Apenas agradeça! — Exclama, então andamos (de mãos dadas) até o estacionamento da frente e, pela primeira vez, entro no seu carro.
— Estou no carro de um estranho! — Sussurro audivelmente assim que sento no banco ao lado do motorista.
— Tem uma estranha no meu carro! — Ele sussurra no mesmo tom de voz que eu enquanto dá a partida. Sorrio. E esqueço por um momento que estou com raiva de todos à minha volta — inclusive dele. Porque de uma forma ou outra, quando estou perto dele eu sempre esqueço.
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