Capítulo 1
(Sarah)
27 dias antes
31 de dezembro de 2041
— Você tem certeza que não quer ir, filha? — Meu pai pergunta pela milésima vez. — A Safira não vai acordar agora, ela nem vai saber o que está acontecendo ou que dia é hoje! Mas se você ficar vai passar a virada de ano sozinha!
— É, Sarah. Todo mundo vai estar lá: seus tios, suas primas, os meninos... — Mamãe continua tentando me convencer.
— Eu não vou ficar sozinha, gente! — Repito, já cansada. — Vou ficar com a Safira. Eu não vou deixar minha irmã sozinha nesse dia tão especial!
São exatamente 21:01. Fazem quatro dias que o acampamento terminou.
Meus pais estão indo para a casa do tio Samuel para passar a virada de ano; Lia, Vitor e Kaynon também estão indo, assim como a família do Hugo. Mas eu não. E não importa quantas vezes tentem me fazer mudar de ideia.
Todas as datas comemorativas que já passei na minha vida foram junto com a Safira: Natal, Páscoa, Réveillon, Independência, aniversário, Semana Santa... Todas com a minha irmã. E eu me recuso a passar um dia sequer longe dela! Enquanto ela estiver neste hospital, eu estarei exatamente aqui.
— Não se preocupem! Meu irmão está internado aqui neste andar e alguns familiares nossos vêm passar o Réveillon aqui. A Sarah será muito bem vinda entre nós! — Levi fala.
Eu o apresentei aos meus pais alguns dias atrás e desde então ele tem almoçado conosco. De alguma forma ele conseguiu conquistar a minha mãe, por se mostrar tão sensível a cada drama dela; e de alguma forma mais louca ainda ele também conseguiu conquistar o meu pai, talvez por ter tantos argumentos quando o assunto é política e economia. Papai diz que ele é muito inteligente, e disso ninguém pode discordar.
Meu pai passa o braço pelo ombro da minha mãe e assente. — Feliz ano novo! Qualquer coisa, nos liguem! — Diz, depois de um tempo. Logo após, me dá um abraço demorado e um beijo na testa.
— Feliz ano novo, meu amor! — Mamãe fala com os olhos cheios de lágrimas. — Tomem cuidado! — Dessa vez se refere a nós dois, prolongando o olhar sobre Levi, o que acaba me fazendo sorrir. Ele, por sua vez, apenas assente a cabeça com um "Pode deixar".
Olho para a Safira. Meu pai está dizendo algo em voz baixa para ela, e por fim dá um longo beijo em sua testa. Olho para os seus olhos: nada de lágrimas. Ergo as sobrancelhas e continuo reafirmando minha teoria de que ele chora no banheiro, quando ninguém mais está vendo.
Minha mãe também se despede da Safira e logo após deixa seu cartão de crédito comigo, dizendo que eu posso comprar o que quiser no refeitório.
Assim que eles fecham a porta, fixo meu olhar na minha irmã por uns segundos e logo após sento no colchão, no chão. Levi também senta, mas a um metro de distância.
— Qual o filme de hoje? — Ele pergunta, tirando o celular do bolso.
— Vida real. Já ouviu falar? — Pergunto com ironia.
— Não. Mas vou procurar. — Responde, desbloqueando o celular e sorrindo, mas depois o bloqueia novamente e começa a me encarar. — O que você tem?
Respiro fundo. — Hoje é o dia de abrir nossos potinhos das lembranças!
— Potinho das lembranças?!
Assinto. — No decorrer do ano nós escrevemos em post-its os momentos mais marcantes que aconteceram conosco, tipo uma festa, viagem, passeio e etcétera... No último dia nós abrimos, para relembrar todas as coisas boas que vivemos. — Minha voz soa triste. — Hoje seria um dia feliz!
Pela visão geral percebo que Levi continua me encarando. — Posso abrir com você! — Fala depois de uns segundos, mas não consigo entender se é um pedido, uma pergunta ou uma afirmação.
Balanço a cabeça olhando para o chão. — Não é a mesma coisa!
Passamos vários minutos em silêncio.
— Sarah! — Ele me chama e eu o encaro. — Esse dia ainda pode ser feliz!
— Você deveria estar com o seu irmão. — É o que consigo dizer depois de muitos segundos.
— Eu deveria estar exatamente onde estou. — Responde, então o encaro por mais um tempo.
— Você não precisa fazer isso. Sabe que não precisa. Tem sua família!
— O Rafael não está sozinho.
— A Safira também não. Eu estou com ela!
Ele suspira. — Se eu for, você vai ficar sozinha!
— Não vou ficar sozi...
— Você sabe que vai. Sabe o que eu quis dizer.
Respiro fundo e fecho os olhos, tentando manter a calma. — Não preciso que cuide de mim! — Volto a encará-lo. Ele pisca os olhos e por fim entende o que quis dizer.
— Sarah...
— Vai embora, Levi! — Corto-o.
— Eu não queri...
— Sai! — Digo, mas minha voz não sai dura como eu gostaria.
— Por favor, Sarah! Eu quero ficar aqui... Com você! E você sabe que eu...
— Sai daqui, por favor! — E dessa vez minha voz sai como uma súplica, uma espécie de choro sem lágrimas. Talvez porque realmente seja.
Ele também respira fundo e se aproxima. — Eu... Eu não quis dizer que a Safira não... — Começa, mas me levanto e abro de uma vez a porta do quarto, fazendo-o parar de falar.
— Só... Vai embora! — Fixo meus olhos nos seus. — Não me faça chorar, Levi. Eu odeio isso! — Engulo em seco, então ele finalmente levanta e anda em direção ao corredor, mas para de frente para mim e coloca uma das mãos em meu rosto, arranhando os dedos pelo meu pescoço. Fecho os olhos por um momento, sentindo a maciez desse gesto.
— Me perdoa! — Pede com a voz doce (por mais que nem precisasse, já que eu fiz uma tempestade em um copo d'água), então me desfaço do seu toque encantador quando abro os olhos. Ele por fim sai do quarto e eu penso no que acabei de fazer.
Fecho a porta, me sentindo uma idiota.
Deito no colchão do chão e encaro minha irmã.
— Por que você fez isso, Sarah? — Tento imitar sua voz. — Eu não sei, Safira, não enche! — Enrugo a testa. — Ele só estava querendo ajudar, e você sabia disso! Não deveria tê-lo expulsado do quarto! — Balanço a cabeça. — Você não sabe do que está falando! Você não entende, Safira! Eu não quero que ele cuide de mim, e é exatamente isso o que está querendo fazer! — Franzo as sobrancelhas. — Agora está chorando, sua ridícula! Fica aí, sofrendo sozinha, porque você sabe que eu estou inválida e não vou poder te ajudar! Aproveita e chora muito, já que ninguém está aqui, sua egoísta! — Continuo meu diálogo trágico comigo mesma e começo a chorar.
Eu não sei o que minha irmã me diria agora, mas queria que ela dissesse algo, nem que me fizesse chorar mais ainda. Eu queria saber sua opinião sobre tudo isso, e que me ajudasse a entender o que está acontecendo comigo.
Tiro meu celular do bolso e logo aumento o volume ao selecionar "Thy Will", de Hillary Scott, para tocar.
Vou para a maca da Safira, me espremo entre ela e o ferro de apoio e deito minha cabeça em seu ombro, passando o braço direito pelo seu pescoço.
— Droga, Safira! — Soluço e faço uma careta de choro. — Que droga! Que droga! Que droga! — Fungo, já deixando as lágrimas caírem.
— PARA! PARA COM ISSO! — Grito depois de um tempo chorando. — Você vai acabar comigo! — Ergo meu corpo e seguro seu rosto com as duas mãos, chorando alto. — Não faz isso comigo, cara! — Fecho os olhos e tento me acalmar, mas acabo soluçando ainda mais, o que me deixa cansada. — Não faz isso comigo, por favor! — Mais soluços.
— Acorda, por favor! — Balanço sua cabeça. — ACORDA, SAFIRA! — Grito, mas seus cílios mal se movem. E eu não sei se isso me deixa triste, com raiva ou desesperada. Talvez os três ao mesmo tempo.
Deito novamente e arranho as unhas com força na colcha da maca, tentando acompanhar a letra da música — que já está repetindo — mesmo com o nariz entupido.
— I may never understand that my broken heart is a part of your plan. When I try to pray, all I got is hurt and these four words: thy will be done! (1) — Minha voz sai completamente desafinada, e continuo chorando alto ao perceber que a letra que cantei representa exatamente o que sinto agora.
Eu não consigo traduzir esse desespero em palavras, e sei que talvez seja quase impossível, mas além das minhas lágrimas cansadas eu sei que preciso aceitar. Aceitar a vontade dEle, seja lá qual for.
— I know you're good, but this don't feel good right now! (2) — Falo a música, já que não consigo cantar. Ainda perco algumas frases enquanto soluço, mas logo a acompanho novamente. — Sometimes I gotta stop, remember that you're God and I am not. So thy will be done! (3)
Decido parar de tentar acompanhá-la em meio ao mar de lágrimas, que já está me trazendo sono, e apenas fecho os olhos, ouvindo a melodia que toma conta do quarto e das minhas emoções.
— Eu não sou chorona! — Sussurro, sem conseguir parar de chorar. — Olha o que você está fazendo comigo! — E continuo soluçando até não conseguir mais escutar os sons ao meu redor.
❇
Quando acordo já estou tateando a cama e buscando o corpo da minha irmã, mas ao não senti-la do meu lado arregalo os olhos e sinto meu coração quase sair pela boca.
— Safira! — Grito e levanto de uma vez, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas.
— Oi, oi, calma! Está tudo bem, ela está logo ali! — Levi já está ao meu lado, passando a mão esquerda no meu ombro.
Respiro ofegante e volto a fazer uma careta (não apenas porque vou chorar, mas porque não quero começar a chorar outra vez — ainda mais com ele ao meu lado).
Sinto-me cansada como se tivesse acabado de chegar de uma maratona, então relaxo a coluna, deixo meus ombros caírem e volto a chorar. Ele me puxa para si e me abraça, começando a acariciar meu cabelo.
— Eu me assustei! — Tento me explicar, o que acaba fazendo com que o choro fique apenas mais alto e mais constante. Que ódio dessa melancolia! — Eu dormi com ela, e quando acordei não a senti do meu lado... — Soluço. — Eu pensei que...
— Xii! — Ele chia, pedindo o meu silêncio. — Tudo bem, tudo bem! — Então sobe na maca onde agora estou sentada e me aninha em seu corpo.
— Levi, é sério! — O empurro. — Você não...
— Xiii! — Chia novamente. — Respira fundo! Está tudo bem, ok? — Dessa vez está me abraçando completamente, e acaricia meu braço esquerdo com sua mão direita. Percebo que há alguns minutos atrás eu estava deitada na outra maca, debaixo de um cobertor.
Tento me afastar do seu abraço, mas ele apenas me aperta mais, e eu decido não protestar. Talvez eu precisasse mesmo de um abraço da Safira, então isso é melhor que nada!
Passo os braços por suas costas e o aperto, deixando manchas de lágrimas em sua camisa cinza.
— O que você fez? — Pergunto depois de muito tempo tentando parar de soluçar e fungar.
— Já tinha passado muito tempo... — Respira fundo. — Pensei que ainda estivesse com raiva de mim, então vim aqui pra tentar me desculpar outra vez. Você estava dormindo junto com a Safira, mas estava totalmente imprensada, então te coloquei aqui e fui ao almoxarifado pedir mais um cobertor pra você. — Ele conta e minha consciência pesa por tê-lo tratado de forma tão grossa há alguns minutos atrás. — Eu sei que não deveria ter dito aquilo, você ama a sua irmã e...
— Xiii! — É a minha vez. — Não precisa se explicar. Eu sei o que você quis dizer!
— Mas mesmo assim, eu não deveri...
— É sério. Não precisa! — Me afasto dele e encosto na parede. A música em meu celular ainda repete. Ficamos em silêncio por um tempo, ouvindo-a. — Obrigada! — Falo, fazendo-o virar em minha direção. Dou um meio sorriso sem mostrar os dentes.
Levi apenas assente. — Já são quase dez horas, meus familiares estão chegando... — Suspira. — Preciso ir.
Depois que diz isso, eu fico imóvel. Porque eu realmente fui uma idiota quando o expulsei do quarto. Porque estou realmente sendo idiota ao recusar-me a ir com ele. E porque estou sendo novamente idiota ao não pedi-lo para ficar, por mais que seja a única coisa que eu mais queira agora.
Fico em silêncio vendo-o se afastar e depois fechar a porta atrás de si.
Levanto da maca onde ele me colocou e paro a música.
— Você não tinha razão, Safira! — Viro-me para ela, que dorme tranquilamente como se nada tivesse acontecido. — Eu não sou egoísta... — Respiro fundo e volto a deitar-me. — Sou covarde.
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(1) Eu posso nunca entender que meu coração partido é uma parte do seu plano. Quando eu tento orar tudo o que tenho é dor e estas quatro palavras: seja feita a tua vontade!
(2) Eu sei que você é bom, mas isso não me parece bom agora!
(3) Às vezes tenho que parar, lembrar que você é Deus e eu, não. Então seja feita a tua vontade!
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