○25. - Ala 7
(a ilustração da capa é de minha autoria - Naomi)
(Levi na imagem abaixo)
Amélia Conti assumiu um ano antes do vírus como prefeita de Amanaci. Entretanto, seus discursos convincentes fizeram sua fama crescer. Braço direito do presidente, se responsabilizou por tomar conta das cidade litorâneas como um todo, tomando o bunker sob sua jurisdição e tornando-se da mais alta cúpula de seu governo.
Uma das maiores apoiadoras da "limpeza" mundial, construiu muros com os melhores profissionais ao seu lado. O abrigo viveu sete brilhantes anos em pé sob sua jurisdição. Mentiras sustentadas por paredes altas contra a verdade.
Suspeitou desde o início que os sobreviventes resistentes estariam por aí, soltos como baratas, mas nada nunca a deixou mais frustrada do que o dia em que Alexandra Annemberg, uma ninguém, evaporou por debaixo de seu nariz.
— Eu quero aquela filha da puta de volta agora! Vocês estão me dizendo que centenas de marmanjos não conseguem encontrar uma adolescente perdida? Como ela saiu daqui?!
As perguntas explodiram. Seus encarregados dos mais altos cargos a seguiam a passos largos pelos corredores enquanto a sirene tocava alta, acordando a todos.
— Ela teve que ter ajuda, Conti. Temos certeza.
— Essa menina não saiu andando pela porta da frente. Eu quero a cabeça de quem a ajudou agora na minha mesa. E me tragam ela viva!
Ela gritava, entrando no caos do setor.
Como se seus pedidos fossem realizados, um garoto a alcança. Ofegante, os cabelos encaracolados. Ela se lembra de tê-lo visto antes. Sempre ao lado dela.
— Sua amiga fugiu, Nicolas. - Ela diz, dando as notícias pessoalmente para o garoto, enquanto oferece um copo de água. Bebia um chá de camomila em sua sala, afundada no sofá, ouvindo as preces do garoto em pé em meio aos seus aposentos, recusando-se a sentar.
— Alex não fugiria, senhora. Ela estaria partindo amanhã, eu não entendo...
Ele parece desolado. Talvez um ótimo ator, ela pensa.
Amélia se ajeita no sofá e sinaliza com a mão para que o garoto faça o mesmo à sua frente, mas Nic permanece em pé, processando o sumiço da amiga.
— Não há nenhuma outra explicação, Nicolas, querido. - Ela respira fundo. - Sua amiga devia estar com problemas, e sair pareceu a solução mais fácil, não sei...
— Com todo respeito, senhora, mas Alex...
— Nicolas, eu vou fazer uma proposta.
Com toda a doçura que sua voz consegue fingir, ela oferece ao garoto uma passagem no lugar de Alex para o Alaska, onde poderia esfriar a cabeça e processar a perda.
Mas Nic é resistente. Não iria descansar.
Mais tarde naquele dia, Amélia Conti deu a ordem. Assim que as luzes se apagaram, seus comparsas esconderam-se na pequena tenda de Nic, no setor A. Quando o garoto encontrou-se mais desprevenido, o atacaram e levaram até uma sala escura e gelada abaixo da planta dos setores.
O interrogaram. Confuso, com medo, apavorado, Nic não sabia de nada. Fora deixado lá, apagado para morrer, quando Amélia, frustrada, teve a brilhante ideia.
Pedindo ajuda ao seu melhor cirurgião, um chip fora implantado na cabeça do rapaz, na nuca. Ele fora largado na sala, a porta aberta, o acesso livre. Se alguém tinha tirado Alexandra de lá, também viriam por ele.
O empreiteiro loiro aparecera nas câmeras aquele noite, ajudando Nicolas a fugir. Poderiam pegá-los ali mesmo, mas os planos de Amélia iam muito mais longe.
— Deixe o moleque fugir. Dê um dia e acione o chip. Se estiver vivo, a gente vai saber exatamente onde procurar, e ainda ganhamos algumas baratas de brinde. - Ela sorri, satisfeita com o plano. Seus soldados, obedientes como robôs, concordam.
— E tragam esse loiro aí pra mim. - Ela fuma um demorado cigarro olhando as câmeras na sala de controle. - As coisas vão começar a ficar interessantes.
○
Com a lanterna agora desligada em mãos, Murilo está olhando para a janela imóvel, sem mesmo respirar.
Maia lhe dá um soco no ombro.
— Idiota! - Sussurra. Sai correndo do quarto em direção à sala. Os dois a seguem.
Maia puxa delicadamente a cortina da janela, olhando lá para fora por entre as gotas de chuva que escorrem pelo vidro.
— Merda, merda, merda. - Sua respiração está falhada. Nenhum dos outros dois pode ver o que acontece, mas imaginam. Alex arrisca observar da janela do quarto dos pais, mas Murilo continua paralisado atrás da amiga.
As duas olham com atenção as duas figuras na rua lá embaixo, que discutem entre si.
— Vamos dar o fora daqui. - Murilo diz, olhando constantemente para a porta atrás deles.
— Espera.
— Esperar o que, Maia? Pelo amor de Deus!
— Vamos esperar, cacete, Rilo! Se eles não entrarem aqui a gente...
Não consegue terminar a sentença. O som de dois tiros na rua a faz soltar um grito mudo e levar a mão à boca.
Murilo a puxa para longe da janela e toma o lugar dela, olhando lá para baixo. Os dois estão homens caídos no chão, mortos.
Alex reaparece na sala, os olhando perplexa. Estão pensando a mesma coisa.
Os tiros com certeza foram ouvidos há quilômetros. Em breve reforços chegariam, e veriam os dois soldados executados no chão da rua. E saberiam que estão lá.
Precisam sair dali.
○
Levi segue por ruas pequenas, escuras e desertas com Naomi em seu encalço. Os dois correm mais do que as pernas permitem, cegados pela chuva que corta seus rostos.
Conseguem ouvir ao longe tiros e aglomerações, gritos e caos.
Esperam que a grandiosidade da cidade os esconda até chegarem ao hospital.
Levi desacelera o passo. Logo à direita deles, a fachada do Hospital Chagas onde Sara Annemberg trabalhou se camufla às ruínas da cidade. O mais renomado em questões de medicina da região.
Os dois entram pelo saguão, as grandes portas de vidro escancaradas permite à chuva molhar o chão de pedra.
Naomi olha para trás. Ninguém parece tê-los seguido, mas os murmúrios distantes aumentam.
Ela aproveita do momento para despejar toda a sua raiva. As duas mãos empurram o peito de Levi, que assim como ela olhava para fora.
— Que porra é essa?!
— "Que porra é essa?!" Você praticamente botou um alvo nas nossas cabeças! É isso que aconteceu!
Ela continua a empurrar seu peito, mas Levi fixa os pés no chão, mantendo-se firme, e segura os punhos dela. Naomi se estressa ainda mais, tentando superar a força física do garoto, em vão.
Ele empurra ela de volta, que desliza para trás sobre o chão de pedra molhada.
— Você é controladora pra caralho, Naomi!
— Controladora?!
— Eu deixei claro que você não manda em mim. - Ele diz, cerrando os dentes e se inclinando sobre ela.
Naomi não se intimida. Não consegue entender Levi.
— Se queria tanto trabalhar sozinho, era melhor nem ter vindo! Eu estou responsável por levar essas pessoas pra casa em segurança e você não têm o menor direito de...
— Cai na real, Naomi!
O peito da garota está estufado de raiva.
— Você só é a responsável porque você quis ser a responsável! - As palavras saem como facas que cortam o ar, o dedo indicador apontado para ela em acusação. - Ninguém te colocou em posição nenhuma! Você quis dar ordens nas nossas vidas e a gente só ficou de bico calado porque você não tava fazendo merda até agora! Mas adivinha só?
— Eu fiz merda? - Ela pergunta, incrédula.
— Você ia deixar eles encontrarem a Alex e a nossa última esperança de sair dessa bosta só porque talvez eles pudessem ser estúpidos o suficiente pra irem atrás da gente sozinhos?
— A gente ainda tinha uma chance, Levi! Eles ainda não tinham ideia de que a gente estava lá! Você é um puta de um irresponsável! Quando teve que ficar de guardar ontem, acha que acharam a gente por que? Porque a porra da única luz da cidade inteira tava vindo do seu cigarrinho.
— Você é hipócrita pra caralho, Naomi. Hipócrita e ingênua. Foi por pura sorte que a gente chegou até aqui vivo. Não foi por você. - Ele cospe as palavras. - Acha que só porque teve uma vida dura é que é durona o suficiente pra mandar nas nossas bundas, mas você é só uma criança mimada que...
Ela fecha a mão para investir qualquer agressão contra ele, mas se contenta só com empurrá-lo pelos ombros com toda a força que tem. Levi dá um passo para trás.
Naomi está chorando com a raiva. Talvez por mais. Se sente humilhada, mas isso nunca admitiria.
Ela olha para os olhos cheios de ódio do garoto, que a encara de volta. Não têm mais o que dizer.
Só quer que tudo aquilo acabe.
Olha além - o saguão central onde se encontram é enorme, com uma grande recepção vazia e mezaninos que se estendem para o andar de cima. Com a pouca luz da noite, ela enxerga a placa.
1o andar - Laboratórios - Ala 7,
seguida de uma indicação para a escada atrás de Levi.
Respira fundo e segue em frente, fazendo questão de trombar com o ombro do garoto antes de continuar.
○
Os três desenvolveram a habilidade de se comunicarem sem palavras. Murilo, Maia e Alex seguem no escuro para fora do apartamento.
Com pesar, Alex segura a chave pendurada no pescoço, como para se certificar de que está ali e segura. Não ousa olhar para trás, para a antiga casa. Caso contrário, tudo ficará mais difícil do que já está. A arma na bainha da calça pesa, a faca que nunca devolveu a Levi já está empunhada nas mãos trêmulas.
— Pra onde? - Murilo pergunta.
— Pra baixo. Só desce. - A resposta parece óbvia para ela. Para os outros, não.
Quando criança, ela gostava de brincar de esconde esconde no condomínio com as outras crianças. Ninguém nunca a encontrava, porque ela descobriu o esconderijo perfeito. Com sorte, os salvaria agora.
Com o coração saltando pela boca, os três instantaneamente param nas escadas. Nos andares de baixo, o som de passos os alerta.
Não escutam nem mesmo a respiração um do outro. Degrau por degrau, retornam devagar, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
Alex toma a frente na subida. Assim que se sente em segurança, desembesta a subir a escada, se lembrando da outra alternativa de saída - por onde entraram. Porém, quando falta apenas um lance de escada para chegarem no último andar, Alex vê. A chuva que cai prédio adentro é precedida por dois homens que tentam descer sem fazer barulho.
Estão cercados.
Ela para os amigos, e retorna com toda a delicadeza que pode, sem fazer barulho. A expressão de indagação no rosto deles é a mesma.
Ela só vê uma alternativa. Se esconder. Se acharem que não estão ali, vão seguir em frente. Ela só precisa chegar no subsolo.
Alex é tomada por um choque de adrenalina e confiança. A faca em suas mãos não treme mais, por mais que ela torça para não precisar usar.
Ok, vai ser fácil, Alex, - Ela mente para si mesma. - Dois lances de escada. Dois lances de escada e chegamos no subsolo.
Os dois a seguem de modo a protegê-la a qualquer instante de necessidade. Compartilham do mesmo pensamento - não vão nadar, nadar e morrer na praia. Ambos confiam que o conhecimento de Alex sobre o lugar onde cresceu irá tirá-los dessa. Ela já foi inteligente o suficiente para tirá-los de várias encrencas antes.
Leves como penas, voam degraus abaixo. As vozes e passos parecem vir de todos os lugares.
Estão finalmente na portaria quando ela vê seu destino - a sala de medição. Apenas dez metros para finalmente chegarem. Entretanto, entre eles e a porta intitulada, duas silhuetas escuras misturam-se ao breu. Quando os três pensam em como reagir, já é tarde demais - foram descobertos.
○
O laboratório de genética, assim como o resto do hospital, está mergulhado no mais completo breu. As salas geladas os repelem, a água da chuva em seus corpos ensopados está congelando.
Levi entra na sala primeiro. Com os fósforos que lhe resta, acende um papel aleatório abandonado na mesa e o coloca no chão frio. A fraca chama os aquece e ilumina o suficiente.
O clima entre os dois é de completa repulsa um pelo outro naquele instante. Em silêncio e separadamente, procuram nas prateleiras por todos os cantos a pasta intitulada Sara Annemberg. O amplo espaço e a iluminação não os favorece em nada.
Ambos puxam todos os papéis para o chão que conseguem. Folheiam pastas e arquivos aleatórios. A luz da sala diminui gradativamente.
Antes mesmo que Levi possa acender outro papel, Naomi encontra uma mapoteca. As cinco gavetas divididas em letras do alfabeto. Ela se sente mais esperançosa.
Se abaixa para abrir a última gaveta, com os arquivos que contém também a letra S.
Ansiosa, despeja o conteúdo da gaveta no chão. Levi a observa.
Por entre a bagunça de papéis, cadernos e pastas, uma fina maleta se esconde. Preta, com um cadeado trancando-a.
Naomi pega a pasta animadamente entre as mãos e se levanta, colocando-a em cima da mesa de centro. Levi se junta a ela para olhar.
Juntos, leem o nome do dono. Da dona. Sara Annemberg.
Aliviada, Naomi leva as mãos à cabeça e solta um suspiro.
Finalmente.
Antes que qualquer um dos dois possa dizer alguma coisa, um som de passos rápidos subindo a escada ao lado da sala os alerta. Por apenas um segundo os dois se olham espantados antes de agirem. Naomi trata de jogar a jaqueta por cima do papel em chamas para apagá-lo, e Levi corre para fechar a porta.
Tarde demais.
Antes da chama se extinguir, Naomi consegue ver as figuras se aproximando corredor adentro. Eles os viram.
Levi trata de fechar a porta, mas não antes de uma mão entrar pela fresta. Ele a empurra de volta, com um grito de espanto. A garota salta por cima do balcão para poupar tempo e se junta a ele, ajudando a empurrar a porta de volta. Estão em desvantagem numérica.
Do outro lado, os gritos, insultos e xingos de diversos homens empurram a porta na direção contrária.
Naomi trata de agir. Segurando a porta com o peso do corpo, ela utiliza as duas mãos para pegar nos dedos expostos do indivíduo que grita de dor com a investida da porta contra seu punho, mas que se recusa a recuar. Ela puxa os dedos do homem para trás. O som de ossos quebrando é inconfundível, e o grito de dor vem para confirmar. Ele tira a mão da fresta da porta, bem a tempo de Levi e Naomi conseguirem fechá-la e trancá-la por dentro.
Estão com grandes problemas.
○
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