
○24. - Com Todo o Amor, Mamãe
"Não tinha dúvidas de que me encontraria, minha filha".
Os soluços de Alex saem entre risadas de emoção, a mão tapando a boca.
Maia e Murilo se olham com a mesma felicidade estampadas em seus rostos, comemorando como crianças, se abraçando como se a amiga tivesse acabado de encontrar ouro.
"Se estiver lendo isso, provavelmente não estou mais aqui. E provavelmente você já entendeu a situação que estamos vivendo, querida.
Adoraria passar os dias justificando cada um de meus atos, mas eu só quero dizer que tudo o que fiz, tudo que escondi, fiz por amor à essa família. Continue meu legado, meu amor. E mande os mais deleitosos beijos ao seu irmão e seu pai.
Como essa é minha última opção, deixo tudo o que procura na minha sala no hospital, se lembra? Ala 7, laboratório de genética. Estão em uma pasta trancada com meu nome. A chave para os arquivos está dentro do piso solto embaixo de sua cama".
Lendo isso, ela se abaixa para enxergar embaixo da cama. Tateia no escuro até encontrar o que procura, a tábua solta no chão, seu esconderijo secreto, como ela costumava chamar. Nunca achou nada para guardar ali a não ser acessórios de bonecas, mas sua mãe deu um jeito. Ela sorri quando puxa um cordão preto, uma chave amarrada na ponta.
Imediatamente o coloca no pescoço.
"Com todo o meu amor,
Mamãe".
Alex segura a chave entre as mãos e dá um demorado beijo nela. Não acredita que conseguiu.
Ainda não.
— Ok, sua mãe era uma pessoa muito misteriosa. Onde é esse hospital aí? - Murilo, que lia por cima de seu ombro, pergunta.
— Duas quadras daqui, muito perto.
Com carinho, ela tira o bilhete da mãe e o guarda junto com a foto. Puxa a blusa e guarda a chave em segurança.
— Não vamos perder tempo, avise Naomi e Levi.
Maia já está com o walk talk nas mãos.
— Posso? - Alex pede. Mal espera uma resposta e toma o aparelho nas mãos.
— Naomi?
Aguardam em silêncio por uma resposta.
— Serve eu, princesa? — A voz de Levi.
— Serve. - Ela faz a pausa dramática que o momento pede. - Encontramos.
Em meio ao silêncio do outro lado da linha, ela consegue ouvir Naomi e Levi comemorarem o quanto o ambiente os permite.
— Perfeito, só precisamos pensar em um jeito de sair daqui!— É Naomi quem fala agora.
— Na verdade, precisamos de uma última coisinha, acho que podem agilizar.
— Diga.
— Conhece o hospital Chagas, aqui do lado?
— Eu conheço.— Levi se pronuncia.
— Ok. Ala 7, primeiro andar, muito fácil de achar. Tem o setor de pesquisas, vão para o laboratório de genética. Tem que achar uma pasta com o nome de Sara Annemberg.
— Ok. — Naomi responde.— Primeiro andar, ala 7, genética. Estaremos lá em... Alex?
— O quê?
— Que merda é essa? Desliguem essa lanterna!
Distraído e entretido com a conversa, Murilo deixa a lanterna perfeitamente apontada janela afora. O raio de luz sai por entre as cortinas.
Ele rapidamente desliga, xingando a si mesmo.
Tarde demais.
○
— Caralho, eles viram! Saiam daí! - Naomi desliga o walk talk em sua mão.
Tensa, se junta à Levi na janela.
Segundos atrás, dois homens rondando a rua olham para a janela iluminada da casa de Alex.
Levi engatilha o rifle, mirando perfeitamente nas figuras.
— Não. - Naomi o impede.
— Por que não, cacete?
— Por que eles são dois, nós estamos em três, cinco se precisarem de nós, e Diego e Rafa devem estar por aí também. Não se exalte.
— Se esses merdas decidirem entrar na casa, eles vão pedir reforços, e aí estamos fudidos.
Atordoados, as duas figuras na rua discutem sobre o que viram.
— Eles nem tem certeza do que viram, podem achar que foi um raio.
— Não seja idiota, Naomi.
— Não me chame de idiota.
Levi não recua. Sequer olha para a garota.
— Você vai denunciar onde estamos por nada.
— Estou nos protegendo.
— Não atire.
Talvez por instinto, talvez pelo prazer de contrariar, quando o primeiro passo dos dois homens é dado em direção à casa, Levi atira duas vezes, e eles desabam no chão.
Naomi sente como se pudesse estrangular Levi.
— Seu merda! - Ela xinga. Já está pulando janela a fora, direto para a rua, saindo do subsolo. Levi a segue.
Os dois correm pela rua em direção ao hospital. Levi toma a frente.
Naomi está explodindo em raiva. Agora sabem que estão ali, que estão perto. As coisas não estão tão próximas de acabar.
○
A vida como conhecem está prestes a mudar mais uma vez.
Sobre suas cabeças, o som de aeronaves cortando o ar é ensurdecedor.
Júlia e Ivan se encaram por um segundo que parece uma eternidade. Aquele olhar carregado de significado em meio ao caos que os circunda.
Não precisam dizer mais nada.
Ivan dá um desesperado beijo na testa da namorada. Seguirão caminhos diferentes, mas estarão juntos em breve.
O garoto corre de volta à enfermaria bem a tempo de ver Gabriel colocar o apagado Nicolas sobre os braços.
Júlia corre por todo o caminho em direção à saída. As velas ao seu redor se apagando, emergindo-os na escuridão.
Ela já consegue ver a porta de fora escancarada. Os colegas ajudando a tirar um a um de lá de dentro. Em um segundo, está aliviada. No outro, apavorada. Do som estridente que cai dos céus, algo se desprende. Sobre o abrigo, o inesperado recai sobre eles. O impacto não deixa ninguém de pé. Metade da estrutura se desprende e vêm ao chão. Metade das pessoas estão mortas.
Ivan está no chão, as mãos instintivamente cobrindo a cabeça. Os ouvidos estalando. O impacto sobre suas cabeças extinguiu o andar de cima por completo. Não irão suportar outro bombardeio.
Ele se levanta e olha ao redor. Pedaços da fraca estrutura do abrigo despencam gradualmente por todos os lados.
Nicolas está consciente, mas a dor que sente ainda é descomunal. Por sorte, sua vontade de viver é ainda mais forte.
Do chão, Gabe levanta o garoto. Ivan não mede esforços para ajudar. Ampara Nic por baixo do braço, torcendo para que o mesmo recupere as forças.
Como um filho obediente, Ivan olha para Gabe à espera de comandos.
— Anda, tire ele daqui! O mais rápido possível! Tire todos que conseguir agora!
— E você?
— Eu não deixo ninguém pra trás, meu amigo.
Ivan vê pesar nos olhos de Gabe. O peito estufado. A corrida contra o tempo o faz voar corredores adentro.
O garoto tenta entender - eles já perderam diversos. Gabe não conseguirá salvar todo mundo, mas por outro lado conhece o líder que tem. Daria tudo para salvar mais uma pessoa que fosse. Ivan o vê correr por entre o reino que construiu, desvencilhando-se dos escombros, com uma sensação ruim na boca do estômago.
Nic abraça as costelas quebradas, a dor minimamente mascarada pela adrenalina. Ivan se esquece completamente da perna debilitada.
Sem uma palavra, ambos se apoiam lado a lado, olhando sempre em frente. Pessoas feridas ao redor pedem ajuda, mas não vão conseguir socorrer todos. Crianças choram, corações se partem.
— Ivan! - A voz inconfundível o chama, flutuando no ar.
Júlia está ferida. Sangue escorre de seu supercílio aberto. Um dos móveis que dispunha no corredor próximo a saída - um armário lotado com utilitários antigos - está caído sobre ela, apoiado sobre suas pernas, a empurrando para baixo. Apesar de forte, não conseguiu levantá-lo. Com o impacto, o armário encaixou-se perfeitamente entre a parede e suas pernas.
Ivan hesita por apenas um segundo.
— Vai, vai! - Nic se desvencilha dele, apoiando-se na parede, o corpo mal mantendo-se em pé. Está próximo da saída. O som dos aviões sobre suas cabeças é apavorante.
Se vê em um impasse. Fugir ou ajudar.
Ivan corre em direção à namorada, que segura com toda a força o armário sobre sua perna.
O garoto se encaixa ao lado dela, puxando o móvel para cima com toda a força que dispõe.
Júlia grita com a dor. O armário perfurou suas pernas. Ela não consegue sair de lá sozinha. Ele não vai soltar o móvel.
Os dois se olham, os rostos carregados de esforço, esgotamento, dor e tristeza. Não querem morrer. Não agora.
Mas se essa for a hora, morrerão lado a lado, com a lembrança da vida que um dia construiriam.
Inesperadamente, o desgastado Nic se junta a dupla. Não deixaria as pessoas que salvaram sua vida morrerem ali, em sua frente, sem ao menos tentar fazer nada. Com toda a força que ainda lhe resta e tentando ao máximo relevar a dor que sente em todo o corpo, Nic ajuda a puxar o armário.
Ivan se vê esperançoso novamente. Unindo as forças, os dois juntos conseguem abrir espaço suficiente para que Júlia escorregue para baixo do armário, livre. Com a força dos braços, se iça para fora. Está solta. Os dois soltam o pesado armário no chão, que se estatela em pedaços. Não há mais tempo a perder.
Ivan tira Júlia do chão, as pernas mal a respondem mais. Nic recupera as forças para rumar com os dois em direção à saída. O ar da noite os chama, quando o que mais temem acontece.
Outra bomba cai sobre o desolado abrigo da resistência. Os três dão os últimos passos para fora antes de tudo desmoronar. Incontáveis vidas perdidas, inclusive a de Gabe.
○
— Caralho!
Rafael e Diego estão próximos demais quando ouvem os tiros. Pode significar qualquer coisa, mas eles se angustiam com a possibilidade de que possam ter sido do inimigo, destinados aos amigos.
O eco das balas atingindo os alvos os assola há poucos metros entre eles e a rua de Alex. Algo está errado.
Pensando igual, os dois amigos entram no primeiro beco ao lado deles, escondendo-se nas sombras da cidade, e tentam ouvir qualquer sinal de presença por entre a chuva que cai sobre eles.
Diego tira o walk talk da mochila.
Não está com a luz vermelha acesa. Não está nem mesmo ligado.
Aproveitando que o som da tempestade o encobre, dá pancadas no aparelho. Tira a bateria e recoloca. Nada. A chuva o detonara.
— Mas que merda! - Ele xinga, espumando de raiva. - A gente não devia ter deixado eles.
— Tenho certeza de que estão bem. A gente vai se virar, relaxa, cara.
— Como assim "relaxa, cara"? A gente tá sozinho, eles podem estar em perigo, não temos como ajudar e...
— Shhh.
— O que foi?
Rafael acredita ter visto algo.
Por entre a chuva que cai do céu, ao longe, ele força sua visão para o lado oposto da rua.
Na janela do segundo andar do prédio da frente, alguém os observa. Mas não de um modo ameaçador.
Uma criança.
O menino com os olhos azuis os chama com um aceno de mãos insistente.
Diego também o vê.
— Cacete. - Ele diz, o coração batendo forte.
— A gente vai?
— Você é louco? Eu não vou seguir um molequinho que...
— Eu iria. - Uma voz baixa os interrompe, vinda da escuridão do beco.
Rafael e Diego simultaneamente sobressaem-se com o susto. Os dois com as armas empunhadas apontando para a silhueta escura que os fala.
— Ei, sou eu! Vocês são muito péssimos de cuidar da própria retaguarda. Se eu quisesse, já tinha acabado com a raça dos dois.
Ele se aproxima dos garotos. A luz fraca da lua ilumina o rosto do intruso com a voz familiar.
O queixo dos amigos está no chão, espantados como se tivessem acabado de ver um fantasma.
Diego deixa os pertences caírem no chão, uma mistura de emoção e choque.
— Não acredito que está vivo.
○
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