Capítulo 26 - A Herdeira Cena IV "Dando uma olhada nos formulários"
Assim que o jantar terminou todos começaram a se levantar, fizeram sua reverências e saíram, Eadlyn não compareceu, e meu olhar cruzou com o de Marlee várias vezes durante a refeição.
Todos saíram e só ficamos Maxon, Marlee e eu.
- Querida, vai para a suíte agora? – ele perguntou, se levantando.
- Não, querido. Preciso conversar um momento com Marlee, não vou demorar.
Ele assentiu com a cabeça e se retirou.
- Marlee, pode me acompanhar?
Ela fez que sim com a cabeça, hesitante. Mas se levantou e nós duas nos sentamos em um banco no corredor.
Disparei a pergunta.
- Por que você fez isso?
Ela respirou fundo e enterrou a cabeça nas mãos, como se sentisse um peso invisível nas costas.
- Eu tive que fazer! – ela respondeu – Você sabe que ele ainda quer ir embora mas eu não suportaria. De que outro jeito eu prenderia ele aqui? – ela ofegava, quase chorando com a possibilidade de ficar longe do filho.
- Marlee! Você não pode prendê-lo se ele é infeliz aqui.
- Eu sei. Mas pelo menos ganho mais tempo agora – ela me encarou – Podemos fazer um acordo?
- Como assim?
- Se Eadlyn não o escolher, quando a Seleção acabar eu o deixo ir.
- Marlee... – afaguei suas costas – Sinto muito em dizer isso mas Eadlyn e Kile não se dão muito bem, você sabe – ela assentiu – Não é mais como quando ele eram crianças. Duvido que haja algum sentimento de amor ali, uma hora você vai ter que deixa-lo partir.
- Não foi você quem disse que amor era inconveniente? – ela disparou, jogando minhas próprias palavras contra mim, mas de um jeito brincalhão, finalmente mais relaxada.
- Tudo bem, tudo bem – eu disse, com uma risadinha - Não se preocupe, vou ficar de bico fechado. Prometo – respondi à pergunta que ela fez com os olhos.
- Obrigada – ela deu um suspiro abafado – Ele ficaria furioso se descobrisse.
Eadlyn passou todo o fim de semana escondida, e meus dias se dividiam entre Maxon, o escritório e Osten, que dava mais trabalho do eu sequer podia imaginar.
Na segunda-feira ela finalmente apareceu no Salão das Mulheres, onde estávamos Marlee, Lucy e eu tomando chá.
Ela se sentou e Marlee tomou sua mão, para começar suas explicações.
- Gostaria de explicar o que Kile disse. Ele não quer sair por sua causa. Faz tempo que fala sobre ir embora daqui, e pensei que um semestre fora encerraria o assunto. Eu não suportaria que ele partisse.
- Cedo ou tarde você terá de deixar o garoto escolher – encorajei, pela milésima vez.
- Não entendo isso, Josie nunca fala sobre ir embora.
- Mas o que você pode fazer? Não pode obrigá-lo a ficar – questionei, a espera de que minhas palavras ajudassem em alguma coisa.
- Vou contratar mais um tutor. Este tem experiência prática a mais a oferecer a Kile do que livros. Acho que ganhei algum tempo. Fico na esperança de...
Eu sabia do que ela tinha esperança, mas duvidava que fosse saudável alimentá-las, e além do mais Kile queria ser arquiteto, o que ela esperava? Que conseguiria segurá-lo para sempre por trás dos muros do castelo?
May irrompeu pela porta, interrompendo meus pensamentos. Eadlyn correu e lhe deu um abraço apertado, elas simplesmente se adoravam.
As duas se cumprimentaram daquele jeito brincalhão de sempre, e May, rindo, a afastou para trás e olhou em seus olhos.
- Quero saber tudo sobre a Seleção. Como você se sente ? Alguns garotos daquelas fotos eram lindos. Já está apaixonada? – revirei os olhos, tudo que dizia respeito a garotos era interessante para May.
- Nem perto disso – minha filha, respondeu entre risos.
- Bom, dê alguns dias aos rapazes.
- Por quanto tempo vai ficar?- perguntei, e ela, de mãos dadas com Eadlyn se aproximou para responder.
- Vou embora de novo na quinta.
Ouvi Eadlyn suspirar de decepção.
- Eu sei. Vou perder toda a agitação! – May disse – Mas Leo tem jogo na sexta á tarde, a apresentação de dança de Astra é no sábado, e eu prometi que iria. Ela tem se saído muito bem – May se virou para mim - Dá para ver que a mãe era artista.
Sorrimos.
- Gostaria de poder ir – lamentei.
Eu adorava meus sobrinhos, Astra e Leo eram ótimos, e eu os via sempre que possível – eles me ajudavam a matar a saudade de minha irmã - mas nos últimos meses estava sendo bem difícil sair do castelo. E em especial agora.
- Porque não vamos? – Eadlyn sugeriu, pegando alguns biscoitos.
- Você tem consciência de que já possui planos para estre fim de semana, certo? Grandes planos? Planos que vão mudar a sua vida?
Eadlyn deu de ombros.
- Não ligo muito se eu faltar.
- Eadlyn – censurei. Ela que nem pensasse nisso.
- Desculpe! Mas é tudo tão avassalador. Gosto das coisas como estão agora – dei uma risadinha quase inaudível.
A Seleção mal tinha começado, imagina quando os garotos chegarem.
- Onde estão as fotos? – May perguntou.
- No meu quarto – Eadlyn respondeu -, em cima da escrivaninha. Estou tentando decorar os nomes, mas ainda não avancei muito.
Eu não a culparia, essa coisa de memorizar trinta e cinco nomes parecia cansativo só de ouvir falar. O pai dela também não tinha se saído muito melhor, visto que na primeira noite que nos encontramos ele nem sabia o meu nome.
May gesticulou para uma das criadas.
- Querida, você poderia ir ao quarto da princesa e pegar a pilha de formulários dos candidatos da Seleção em cima da mesa?
Depois que a criada saiu me virei para May.
- Só queria lembrar – eu disse – que, primeiro, esses garotos estão fora do seu alcance e, segundo, mesmo que não estivessem, você tem o dobro da idade deles.
Eadlyn e Marlee riram, Lucy apenas sorriu.
- Não provoquem – ela protestou – Tenho certeza de que May tem a melhor das intenções .
- Obrigada, Lucy. Nada disso é para mim. É para Eadlyn – May jurou – Vamos ajudá-la a já sair na frente.
- Não é bem assim que funciona – eu disse, me reclinando na cadeira e tomando o chá.
Marlee deu uma gargalhada.
- Você dizendo isso? Será que esqueceu como você saiu na frente? – Marlee disse, lembrando-se de nossa conversa a anos atrás.
- O quê? – Eadlyn perguntou, boquiaberta – O que ela quer dizer?
Coloquei a xícara na mesa e ergui as mãos para me defender.
- Eu cruzei com seu pai na noite anterior ao início da Seleção – eu disse, me lembrando perfeitamente daquela noite no jardim, quando eu fui, bem, péssima, na verdade – E digo a vocês que poderia ter sido enxotada facilmente por causa disso. Não causei a primeira impressão que as pessoas costumam esperar.
- Mãe quantas regras você quebrou exatamente? – Eadlyn perguntou, ainda chocada.
Olhei para o teto enquanto contava.
Teve a noite no jardim....
O chute...
Minha apresentação absurda no Jornal Oficial...
- Certo... Querem saber? Vejam as fotos quantas vezes quiserem. Vocês venceram – me rendi, e May caiu na risada.
A criada voltou com os formulários, May e Marlee se apressaram em pegar um punhado de fichas, e eu me esgueirei pelo ombro de Marlee para dar uma espiada. Lucy sempre discreta acabou pegando algumas fichas também.
- Ah, este aqui parece promissor – May comentou, mostrando a foto a Eadlyn.
- Baden Trains, dezenove anos, de Sumner.
Dei uma olhada na foto, um rapaz moreno e de olhos escuros.
- É bonito – comentei.
- Sim, óbvio – minha irmã concordou, mas não podia se confiar muito, para ela todo homem era bonito – E, com esse sobrenome, provavelmente vem de uma família de Sete. Diz aqui que está no primeiro ano da faculdade de publicidade. Isso quer dizer que ele ou alguém da família tem muita determinação.
- Verdade – Marlee concordou – Não é pouca coisa.
Eadlyn pegou algumas fichas e começou a folheá-las.
- E então? Como se sente? – May perguntou – Tudo pronto para começar?
- Acho que sim – Eadlyn disse – No começo todo mundo ficou tão tenso que parecia que não ia acabar nunca – ela acrescentou – Agora parece que todos os quartos estão prontos e a quantidade de comida já foi calculada. Com a lista oficial, os preparativos devem começar amanhã.
- Você está parecendo animadíssima mesmo – May provocou.
Eu apenas observava a conversa até que Eadlyn me encarou.
- Mas você sabe que tudo isso não é só por minha causa...
- O que você quer dizer, querida? – Lucy perguntou preocupada, seus olhos iam de Eadlyn para mim.
Era sempre assim, Eadlyn era muito engenhosa, e adorava se fazer de vítima para ganhar a atenção das minhas amigas, era assim desde criança.
- Claro, esperamos que Eadlyn encontre alguém com quem valha a pena se unir – me antecipei –Mas, por acaso, a Seleção vai acontecer num momento em que precisamos de um plano para acalmar os distúrbios por conta das castas.
- Ames! – May exclamou – Sua filha é uma distração?
- Não!
-Sim – Eadlyn resmungou, enquanto May a paparicava.
- Cedo ou tarde , teríamos que procurar pretendentes. E a Seleção não precisa terminar em compromisso. Eadlyn e Maxon fizeram um acordo: se ela não se apaixonar, tudo será cancelado. Por outro lado, sim, Eadlyn está cumprindo seu papel de integrante da família real ao criar uma... distraçãozinha enquanto a população se tranquiliza e nós pensamos no que mais pode ser feito. E, devo acrescentar, está funcionando.
- Está? – Eadlyn perguntou.
- Você não tem visto a imprensa? Você é o centro de tudo agora. Os jornais regionais estão entrevistando os candidatos, e algumas províncias organizam festas na esperança de que o candidato local seja o vencedor. As revistas já apontam os principais concorrentes, e ontem vi uma reportagem sobre um grupo de garotas que está organizando um fã-clube e usando camisetas com o nome de seus favoritos. A Seleção deixou o país inteiro eletrizado.
- É verdade - Marlee confirmou – E já não é mais segredo que Kile mora no palácio.
- Também já descobriram que ele não tem interesse em participar – Eadlyn perguntou, um pouco irritada.
Eu também não tinha, pensei.
- Não - ela respondeu, rindo – Mas de novo, não tem nada a ver com você.
- Madame Marlee – Eadlyn começou -, você ouviu o que minha mãe disse. Ele não precisa se preocupar. Acho que Kile e eu sabemos que não formaríamos um bom par, e ainda existe a chance de eu acabar sem noivo nenhum mesmo. Não se preocupe. Ele não vai ferir meus sentimentos, porque só estou vendo no que tudo isso vai dar . Não estou chateada.
- Você disse que a Seleção tomou conta de tudo – May disse, um pouco preocupada – Acha que vai durar?
- Acho que vai segurar as coisas por tempo suficiente. As pessoas vão se distrair um pouco de toda a tensão que tem prevalecido ultimamente e nós poderemos pensar em um jeito de lidar com o que problema se surgir novamente – eu respondi, confiante que daria certo.
- Quando ele surgir novamente – Eadlyn corrigiu, um pouco pessimista – Minha vida pode ser empolgante por um tempo, mas as pessoas vão acabar voltando a se preocupar com seus próprios problemas.
- Que estranho – ela comentou, pegando um formulário – Não quero julgar ninguém, mas vejam isso. Achei três erros de ortografia aqui.
Peguei a ficha para conferir. Realmente tinha alguns pequenos erros.
- Talvez estivesse nervoso.
- Ou talvez seja burro – ela disse, estava prestes a repreendê-la quando May disse, rindo.
- Não seja tão dura, querida. É assustador para eles também.
Devolvi o formulário e ela guardou de volta na pilha.
- Mas você está assustada? – May perguntou, ainda preocupada.
- Não claro que não – Eadlyn respondeu.
- Não consigo imaginar você com medo de nada – May disse.
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A semana passou se arrastando, com o fim dos preparativos para o início da Seleção o palácio estava a todo vapor, e no dia que os Selecionados chegaram Eadlyn desapareceu.
No inicío da tarde descemos até o andar de baixo, cada Selecionado seria levado para conversar com Eadlyn e depois todos iriam para Salão dos Homens se conhecer.
Estávamos Maxon e eu no fim do corredor conversando com Aspen e mais algumas pessoas quando ela apareceu.
Fiquei tão chocada que levei a mão à boca assim que ela se aproximou.
Seu cabelo estava preso no alto e ela usava um vestido escuro e elegante. Estava tão linda, parecia tão... tão...
- Eadlyn... Você parece tão adulta – suspirei, tocando sua bochecha, seus cabelos, para me certificar que era mesmo minha filha.
- Provavelmente porque sou adulta.
Assenti com lágrimas nos olhos, eu ainda estava me acostumando com isso.
- Você parece realmente uma rainha. Nunca acreditei de verdade que eu parecesse uma, mas você... está absolutamente perfeita.
- Pare, mãe – ela disse – Você é adorada. Você e o papai trouxeram paz ao país. Eu não fiz nada.
- Não ainda – eu disse, com o dedo em seu queixo – Mas você é determinada demais para não realizar nada.
- Preparada? – Maxon perguntou, antes que ela pudesse dizer alguma coisa.
- Sim – ela respondeu – Não pretendo eliminar ninguém ainda – ela acrescentou – Acho que todos merecem pelo menos um dia.
Maxon sorriu.
- Acho sábio – ele disse.
- Muito bem então, vamos começar.
- Você quer que a gente fique ou vá? – perguntei.
- Podem ir, pelo menos por enquanto.
- Como você desejar – Maxon disse – O general Leger estará por perto com alguns guardas. Se precisar de algo basta pedir. Queremos que tenha um dia maravilhoso.
- Obrigada.
- Não – Maxon disse – Eu que agradeço.
Maxon e eu nos afastamos, ele me ofereceu o braço e caminhamos juntos pelo corredor.
- Acha que ela vai se sair bem? – sussurrei, assim que descemos as escadas.
- Bem melhor do que eu, com certeza – ele riu – Será que ela encontrou alguém no jardim ontem a noite? – ele disse num tom brincalhão.
Dei um cutucão no braço dele.
- Claro que não! – respondi – Eu saberia.
Sorri, as criadas eram minhas fiéis informantes.
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