Demetra e a sua família de fabulares, assim como Jenny Patterson, vêem o jogo disputado entre o Los Angeles Football Club e o Seattle Sounders Football Club, que contava para as finais da Conferência Oeste da Major League Soccer, o campeonato de futebol dos Estados Unidos.

Demetra: Este jogo é engraçado e fofo.

Athreus: Fofo?! Já vi o Roy Keane quase a matar pessoas, o Paulinho Santos a partir o maxilar ao João Vieira Pinto e o Jorge Costa a pisar mãos! Como é que isto é fofo?!

Demetra: Os jogos, em Carcossa, costumam envolver tortura e homicídio.

Margot: Ah, preferem jogos tipo Cluedo.

Demetra: Sim, jogos onde matamos outras pessoas, uma vez, cortei o pescoço a um polícia. Ganhei esse jogo.

A irmã de Athreus sorri, orgulhosa com o seu feito. Nesse momento, Margot vira o olhar para a televisão, chocada.

Margot: Esquece, não é o Cluedo.

Apolo: Até o pancrácio é mais seguro, e já vi pessoas a morrerem por estrangulamento e por causa de pescoços partidos.

Apolo Agollis era um homem bonito, mesmo aparentando ter 50 anos, com uma barba rala e cabelo curto e castanho, assim como olhos cor de avelã. Tinha a tatuagem de uma carruagem no braço esquerdo e bronzeado, e uma de um pôr do sol, mesmo abaixo.

Crax: Foste tu que andou a roubar os relatórios das autópsias dos Jogos Olímpicos ao Asclepius, então?

Apolo: Na verdade, pedi ao Hermes para fazer isso.

Crax: Se o Asclepius descobre, corta-te a cabeça.

Deriótelo: Sabes que ele é o meu irmão mais velho, não sabes?

Crax: Yá, mas, foi roubado. E apercebi-me agora que isso não justifica patricídio e foi há mais de mil anos, portanto, provavelmente, está-se a cagar para isso.

Demetra come uma batata frita e faz um ruído de curiosidade.

Demetra: Houve algum momento, deste jogo, que tenha ficado para a História como um feito impressionante?

Athreus sorri, tal como uma criança na manhã de Natal, à espera de presentes.

Athreus: O dia 10 de julho de 2016.

Demetra: O que aconteceu nesse dia?

Jenny: Pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal, queremos é levar a taça, para o nosso Portugal!

10 de julho de 2016, Stade de France, Paris, França...

Os adeptos da seleção portuguesa estavam com os corações nas mãos, após uma noite longa, de esforço por parte dos jogadores portugueses. Alguns fãs rezavam, outros choravam e ainda mais gritavam para dentro do campo, apoiando a Seleção das Quinas. No meio das claques, estava o Conselho dos Primos, acompanhado de uma jovem Jenny Patterson, com ainda 18 anos. Cachecóis eram rodopiavam nas mãos de Margot e de Oceanus, a camisola de Luís Figo, usada por Aurogos, era esticado pelo mesmo, com o icónico número 7 do ex-Bola de Ouro a ser mostrada para o campo, já Jennifer, Athreus, Crax, Taro, Eklypsa, Ténor e Deriótelo cantavam os versos: Pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal, queremos é levar a taça, para o nosso Portugal! Aos 108 minutos de jogo, uma jogada anormal começa: um passe de João Moutinho para nos pés de William Carvalho, que entrega a bola a Ricardo Quaresma, este devolve para o número 8 da equipa portuguesa, que, no fim, acaba por passar para Éder, e o ponta de lança estava decidido a ficar com a bola.

Athreus: Foda-se! O Éder tem a bola!

O número 9 da seleção chega à entrada da grande área, e prepara-se para chutar.

Athreus: ÉDER! PASSA A BOLA, FODA-SE!

A bola é chutada, todo estádio se cala, o tempo parece passar em câmara lenta, toda a gente, portuguesa e francesa, tem o coração na garganta. Nesse momento, nos altofalantes, ouve-se a voz de Nuno Matos, repórter desportivo da rádio portuguesa Antena 1.

Nuno: Vai Éder, vai Éder, vai Éder, chuta, chuta, chutou...

A bola ultrapassa o guarda redes Hugo Lloris, fazendo balançar as redes da baliza franca. Um rugido ouve-se, vindo das bancadas. É golo de Portugal, e o pequeno país ibérico vence o gigante gaulês por 1-0.

Athreus: GOLO!

Ténor: GANHÁMOS, CARALHO!

Margot: SOMOS CAMPEÕES! TOMA, POGBA! VÃO LÁ LIMPAR A MERDA DO AUTOCARRO, QUE PORTUGAL É QUE É CAMPEÃO!

As bancadas moviam de entusiasmo e alegria, um ruído ensurdecedor envolvia o estádio inteiro, pelo menos, do lado português, já do lado franco, um silêncio de morte abalava os adeptos, com alguns deles a chorar imenso. O grupo de amigos agarra os ombros uns dos outros, a rir e a gritar de alegria.

Conselho dos Primos e Jenny (em coro): HERÓIS DO MAR, NOBRE POVO, NAÇÃO VALENTE, IMORTAL! LEVANTAI, HOJE, DE NOVO, O ESPLENDOR DE PORTUGAL! DE ENTRE AS BRUMAS DA MEMÓRIA, Ó PÁTRIA SENTE-SE A VOZ, DOS TEU EGRÉGIOS AVÓS, QUE HÁ DE LEVAR-TE À VITÓRIA! ÀS ARMAS, ÀS ARMAS, SOBRE A TERRA E SOBRE O MAR! ÀS ARMAS, ÀS ARMAS, PELA PÁTRIA LUTAR! CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR!

Atlanta, Georgia, Estados Unidos da América, 2020...

Demetra: Espera, mas, não somos gregos? Porque é que haveriam de apoiar uma nação que não é a vossa?

Aurogos: Bizantinos. Não me entendas mal, nós adoramos a Grécia, mas, a cultura já não é a mesma, os romanos e depois os bizantinos mudaram muita coisa. Dantes, se formos a ver, éramos mais macedónios que gregos, ou melhor, éramos gregos de nascimento e cultura, agora eles, culturalmente, só usam o alfabeto, e, mesmo assim, tenho quase a certeza que é porque os turistas acham engraçado. Para não falar que, aquilo, atualmente, é um país de fascistas.

Demetra: Fascistas? O que é isso?

Jenny: Pessoas que se posicionam na extrema direita do espectro político, apoiam ditaduras, estados militaristas e imperialistas, uma economia baseada em corporações, misoginia, supremacismo racial e são totalmente contra as outras religiões, os que têm uma religião estatal. Basicamente, são um monte de pessoas que apoiam cenas que a maioria acha abominável.

Demetra: Parecem um pouco irracionais.

Athreus: Bom, não vou discordar, na Segunda Guerra Mundial, eu, o Aurogos e o Deriótelo capturámos um capitão alemão, numa operação que fizemos perto de Genk, ele dizia que eu era superior e eles os dois são inferiores a mim, mas, quando pedi para ele explicar porquê, ele deu-me explicações do Mein Kampf que só fazem sentido para pessoas que sofreram lavagens cerebrais. Ele acabou por nos levar à rede de transporte de passageiros para campos de concentração, com isso, fomos fechando um de cada vez, Dachau, Bergen-Belsen, Buchenwald, Mathausen-Gusen, Sachshenhausen, do nosso lado, quando passámos a informação aos russos, Tréblinka e Auschwitz-Birkenau não sobreviveram duas semanas.

Nesse momento, entra um rapaz com o cabelo penteado para trás, fazendo lembrar um John Travolta dos anos 70, barba feita e olhos verdes, com uma t-shirt preta e dourada, com o logótipo do Los Angeles Football Club. Este era o mestre da medicina, Asclepius Agollis.

Asclepius: Como é que está o jogo?

Eklypsa: Empatado, o Vela não está a jogar nada.

Asclepius: Tem calma, ele vai marcar. Tem marcado sempre.

Athreus: Disseste a mesma coisa sobre o Giovanni Strapolli, na World Series de 1988, que ele ia acertar um homerun, porque ele acertou dezoito nos últimos dezoito jogos. Adivinha! O Aurogos lançou um jogo perfeito e eu ganhei a aposta.

Aurogos: Asclepius, minha besta, tu apostaste contra mim? Cabrão!

Asclepius: Está bem, um erro.

Athreus: Que o Jackie Robinson ia falhar a tacada da vitória, na World Series de 1955. O Kobe a marcar menos de 40 contra os Raptors, em 2006, jogo que acabou com o Kobe a marcar 81. Ah, finalmente, o J.R. Smith a ter um momento de inteligência e salvar os Cavaliers, nas finais da NBA de 2018. Tudo errado.

Margot: Asclepius, nós adoramos-te, és um ótimo médico, mas já sabemos que devemos fazer o oposto do que nos dizes no que toca a apostas desportivas.

Asclepius: Tá bem, se calhar não sou grande coisa a acertar no desporto, mas, se não fosse eu, a peste bubónica e a gripe espanhola tinham acabado com a população humana, portanto, de nada.

Athreus: Tens razão, mas, estás a falar com os primeiros brancos a mostrarem-se contra a Segregação das Raças, neste país. Sempre defendemos a igualdade de direitos para todos, branco, negro, gordo ou magro.