6 A Incompreensão Do Amor
Subo para o auditório com os colegas da minha sala, começou a semana da prevenção, onde somos obrigados a participar de palestras tediosas com as outras turmas.
Tati não pensa duas vezes e vai sentar junto do seu crush do terceiro, Bia fica perto de Léo, o lance entre eles parece promissor, certeza que daqui alguns dias vão estar namorando.
Sozinha procuro um lugar, encontro o rosto conhecido de Júlia, ela fica indiferente quando me aproximo.
Nos slides o policial põe fotos de famosos que morreram pelo vício em álcool, enquanto conta sobre a caixa de ovo intacta no porta malas mesmo após um acidente que destruiu o carro, todo ano é a mesma a mesma história.
- O que foi? - Júlia fica curiosa percebendo o meu olhar.
- Também gosto desse livro...a Carly é muito engraçada, distraída. Só nas histórias é legal ser desastrada. - comento.
- É mesmo, na vida real se a gente esbarra no garoto não acontece amor à primeira vista, somos é xingada... - Lamenta Julia
- Também não viramos sempre a dupla de quem gostamos ou encontramos a pessoa em todo lugar, por pura coincidência. - Faço aspas quando digo "coincidência". Afinal, apenas em histórias o mundo gira a nosso favor. - Nunca imaginei que gostasse de ler. - Confesso.
- Eu adoro, os livros são ótimas maneiras de estar só e a ao mesmo tempo acompanhada.
- Mario Quintana né? - Reconheço o autor dessa frase, é meu poeta favorito depois de Cecília Meirelles. - Qual capítulo está?
- Na verdade, já terminei, mas estou relendo. Estou ansiosa para assistir o filme, mas duvido que vai ser tão genial quanto o livro, as adaptações nunca são. - Júlia tem bom senso.
- Verdade. - Empolgada por conhecer alguém que lê tento manter o assunto: - Qual sua parte favorita?
A conversa entre nós flue, começamos falando sobre De repente é você, porém os assuntos surgem tão espontaneamente que a hora passa voando com a gente envolvida no nosso papo.
Estou transbordando felicidade em conversar com alguém que lê.
É simplesmente mágico bolar teorias, reviver as cenas favoritas, contar os sentimentos que a leitura despertou, babar por boys literários.
A palestra acaba e o que aprendi é que Júlia lê romance adolescente clichê, contudo seus livros favoritos são de suspense policial, por isso ama Agatha Christie, sua cor preferida é lilás, curte dias frios e chuvosos, adora lasanha de frango, e apesar de ser fã de filmes de terror, para mim ela é uma pessoa legal.
- Aonde você estava? Fugiu descaradamente para não ir ao auditório - Confronto Felipe sentado tranquilamente no pátio comendo salgadinho.
- Não tenho paciência para aquela falação - Dá de ombros, é comum para ele não fazer atividades, colar nas provas, matar aula.
Acompanhamos a multidão de alunos saindo da escola, a pressa e o alívio estampado em seus rostos, me faz sentir como se fossemos uma manada de bois fugindo do matadouro.
No meio dessa confusão de pessoas, reconheço Tati descendo com um garoto a ladeira que dá na rua do amor, pelo jeito ele não resistiu ao seu charme.
- Quer um? - Felipe aponta para o carrinho vendendo espetinhos.
- Não tenho dinheiro.
- Eu pago para nós, relaxa.
Esperamos na fila sentindo o cheiro da carne assando, sua procedência é duvidosa, mas dá água na boca, pegamos os nossos e felizes sentamos na praça em frente a escola.
A palestra acabou cedo e fomos liberados, então o lugar normalmente vazio está cheio de adolescentes barulhentos, um grupo até liga uma caixinha de som colocando um funk para trilha sonora da nossa tarde.
- Você já consegue tocar bem seu violão? Quanto tempo ainda precisa ter aulas? - Questiono Felipe.
- O violão é um instrumento de várias nuances, timbres, sonoridades, técnicas e efeitos. Sempre dá aprender algo novo e melhorar, é uma paixão para toda vida - Fica animado com meu interesse.
- Você quer ser profissional, ou é só por diversão? - Investigo, seria muito legal participar de uma banda, com certeza assim ia conseguir popularidade.
- Meu vô é violeiro, desde pequeno vejo ele cantando e tocando para gente, por isso quis aprender. - A suavidade em sua voz mostra o carinho que tem por essas lembranças.
— Que legal, é bonito pensar na família unida conversando e cantando.
- Eram bons momentos, a gente na beira do fogão de lenha, o pinhão assando na brasa, vovô tocando uns modão, vovó fazendo arroz doce. — Seu olhar saudoso o transporta para um lugar distante.
- Seu vô não toca mais?
- Não, faz uns cinco anos que não pega sua viola, desde que a vovó morreu. - Sua voz denuncia a tristeza.
- Sinto muito. - Toco em seu ombro num gesto de conforto, um clima pesado paira sobre nós, e por instantes ficamos em silêncio concentrados em comer nossos espetinhos.
Observo as pessoas ao nosso redor, rindo, conversando, andando em círculos em volta da igreja do Rosário, noto que o pessoal se junta para ouvir a música vinda da caixinha, algumas garotas até dançam sem se importarem com os celulares gravando, isso me dá uma ideia.
— Leva seu violão para escola, toca para nós no intervalo, vai ser muito legal. - Proponho.
- Não é uma boa, não me sinto muito a vontade em tocar para muita gente.
— Ué, desde quando tem vergonha? Confia em mim, vai ser incrível, você vai fazer como seu avô, reunir as pessoas e tocar para o pessoal curtir.
— Sei não Marcela. — demonstra hesitação.
- Eu vou estar do seu lado, até canto junto com você.
- Ah não, assim vão jogar tomate na gente. - Zomba risonho
- Idiota. - Rio também dando-lhe um soco de leve - Só leva o violão.
- O ônibus chegou, vamos embora. - Encerra o assunto.
- Luísa meu bem, que comida deliciosa - Meu pai elogia tirando os pratos da mesa.
- Fiz fricasse de frango porque sei que adora - Um sorriso de satisfação estampa seu rosto, enquanto lava a louça na pia.
- Acertou, sabe o que mais eu amo!? Você minha preta. - Dá um tapa no seu bumbum.
- Binho - Exclama surpressa, então trocam olhares e começam a se beijar.
O rádio toca uma música suave deixando a cena estranhamente romântica, os dois ignoram completamente minha existência tornando o beijo mais ousado.
Constrangida vou para sala, mesmo com a teve ligada ouço seus sussurros cúmplices, a minha frente reparo nas rosas vermelhas que repousam numa jarra com água sobre a mesa de centro.
É tão confuso tudo isso, é bom ver minha mãe alegre, porém é sempre bizarro quando meu pai fica assim, de vez em quando parece que foi abduzido e colocam esse ser no seu lugar.
Ele assume outra personalidade e agora está agindo como um homem dos sonhos, levando flores, sendo afetuoso, calmo, encantando minha mãe com suas gentilezas, seus carinhos e palavras bonitas.
Que tipo de amor volúvel é esse? Onde a maioria do tempo ele pode ser grosseiro, xingar e brigar, e de repente passa a agir desse modo afetuoso e romântico como se nada tivesse acontecido.
Que magia é essa que tem onde um eu te amo é capaz de apagar da memória da minha mãe as noites em claro chorando enquanto ele está na rua bebendo. Capaz de fazer esquecer as ofensas, as manchas pelo corpo da sua violência?
Será que todo homem tem esse poder de ser charmoso, fazer juras de amor e então anular o mal que causou?
Incomodada com toda essa contradição vou para meu quarto antes que eu veja algo pior que esses beijos e fique eternamente pertubada com a cena dos meus pais se pegando.
Jéssica escapou de presenciar essa loucura, está na casa da Dará hoje, disse que ia dormir lá para estudarem, conheço minha irmã, tenho certeza que vão fazer tudo menos estudar.
Resolvo aproveitar que estou sozinha, tenho o quarto só para mim. Reviro o guarda roupas que divido com minha irmã em busca daquela saia preta com pregas que acho super linda, mas ela nunca me empresta, visto-a com uma ciganinha preta, e uso um pouco de papel higiênico dentro do sutiã para dar volume.
No espelho vejo o mulherão que fiquei, estou linda, mesmo sem muita noção de maquiagem passo um batom vermelho forte, rimel e lápis para dar um UP, agora sim, estou fatal.
Tiro várias fotos, monto outros looks com as roupas da Jessica e as minhas, ergo o volume do celular deixando a música ecoar por todo o quarto, danço e canto junto com Leoni, me sentindo a mulher fatal da sua letra, aquela que domina e faz os homens serem apenas garotos.
Como queria ser assim, atraente, sedutora, deixar o Matheus rendido por mim, todo bobo apaixonado. Depois de bancar a modelo, coloco um filtro nas melhores fotos e posto no meu perfil na rede social.
É tão complicado esse negócio de se apaixonar, tenho que descobrir como se conquista um cara, como faz ele conversar com você, te conhecer, se interessar e querer te ver de novo e de novo, até começarem a namorar.
Desejo um encontro de verdade. Ser levada pelo Matheus para uma sorveteria para conversar e tomar milk shake, depois sentar na praça sob a quaresmeira florida, o nosso beijo acontecer com as pequenas e delicadas flores roxas caindo sobre nós.
Ou ir num parque de diversões, e então nós trocarmos beijos na roda gigante sob as estrelas e a lua cheia, seria tão romântico, tão lindo.
Por que as pessoas não gostam mais de serem carinhosas, atenciosas, se dedicar uma à outra ?
Essa história de ficar é tão sem graça. Cadê a conquista, o envolvimento, os atos de amor? Porque não posso viver um romance de livros, com beijo sob a chuva.
Inevitavelmente lembro de Bia e Tati, elas sempre falam que sou idiota por querer um primeiro beijo especial, e ainda tentaram me forçar a ficar com aquele garoto.
Será que sou errada por sonhar com um encontro de verdade? Não só ver alguém apenas para beijar, alguém quase desconhecido, que não vai me ligar depois, não precisa me dar o mínimo de atenção e carinho.
A Tati a todo instante diz estar apaixonada pelo Danilo, porém não consegue se aproximar dele, sempre fala dos garotos com quem fica, rola beijos e carícias, entretanto depois não precisa manter contato, na verdade reclama de ser deixada no vácuo, pois os caras desaparecem feito fantasmas.
Bia também está ficando com o Léo, apesar de dizer que tudo bem, mostra toda a hora o quanto está insegura, ela é apaixonada por ele desde o oitavo ano, quer compromisso, entretanto não se atreve a cobrar nada, não quer que o Léo se assuste e pare de sair com ela.
Nenhuma das duas parece realmente feliz com essa ideia de ficar, de pegar e não se apegar, então porque zombam de mim.
De repente meu celular vibra me arrancando dos meus devaneios, uma notificação, Danilo deu amei na minha foto, busco por quem mais reagiu e não encontro o nome do Matheus.
Será que ele viu? Estou tão linda, queria o seu coraçãozinho mostrando que me nota, que gostou, se comentasse me elogiando então, iria ao céu.
Hoje é assim que se mostra interesse, não através de cartas, ou bilhetes de admirador secreto, presentes de um romântico anônimo.
Stalkeando o perfil de Matheus fico boba olhando suas fotos, seus olhares, seus sorrisos, seus passeios, seus amigos, sua vida e imagino o dia que farei parte dela, o dia que vai mudar seu status de solteiro para relacionamento sério com Marcela Novaes.
Para isso acontecer tenho que me dedicar em ser vista, essa foto com certeza vai chamar a atenção, e criar confusão, quando Jéssica ver vai surtar por ter mexido nas suas coisas sem permissão.
Vai estar totalmente certa em reclamar, admito, contudo não ia fazer isso se ela fosse mais legal e dividisse as coisas comigo.
Que graça tem ter uma irmã se a gente não conta segredos uma para outra, não empresta perfume e roupas, não se ajuda a lidar com os garotos?
A Jéssica é uma péssima irmã mais velha.
Em fim, o segundo passo é conseguir convencer o Felipe tocar o violão na escola, a música vai atrair as pessoas, vou estar perto e serei conhecida.
Ligo para o meu amigo numa chamada de vídeo. Ele atende surpreso, até mesmo meio sem jeito, talvez confuso com meu novo visual, contudo logo nossa conversa flui e não consigo deixar de reparar na organização do seu quarto, para mim ele é tão largado, achei que esse cômodo fosse um caos.
Lobo, seu cachorro o tempo todo entra na frente do celular atrapalhando, ele é filhote de vira lata caramelo muito bagunceiro.
- Tenho que desligar, a pizza chegou, vou lá jantar.
- Espera, toca uma música aí para mim ver. Conhece alguma do Leoni? - Peço curiosa em confirmar suas habilidades.
- Beleza, você me venceu pela insistência - Vejo ele pegando o instrumento pendurado na parede, coloca o celular em cima de algum móvel e senta de frente para câmera.
Com o violão em seu colo, Felipe começa a dedilhar as cordas com destreza, está a vontade e o ritmo flui melodioso.
'' Garotos não resistem aos seus mistérios.
Garotos nunca dizem não.
Garotos, como eu sempre tão espertos
Perto de uma mulher, são só garotos. ''
Sua voz rouca acompanha os acordes com harmonia, é gostoso ouví-lo cantar.
- Que incrível. Muito bom - bato palmas animada com a feliz coincidência de cantar a música que antes eu estava ouvindo. - Estou ansiosa para você dar seu show no intervalo. - Sou sincera.
- Só torço para não ser vaiado.
- Isso nunca vai acontecer, pode confiar. - Incentivo recebendo seu sorriso - Me manda um pedaço de pizza.
- Fica esperando, vou enviar por Sedex - Brinca desligando a ligação.
Oii
Obrigada por ler.
E essa '' confusão '' que é o relacionamento dos pais de Marcela?!
Vocês acham que é essa relação faz bem para Luiza?
Imaginam como vai ser a apresentação do Felipe na escola ?
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Até mais 😘
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