40 Amor Verde
Eu beijei o Danilo.
Deitada na minha cama encaro teto com esse único pensamento ecoando em mim num looping infinito. Imagens do garoto dominam minha memória me fazendo reparar que ele sempre esteve ali e eu cega só via o Matheus.
Matheus com seus cabelos castanhos quase loiros, com seus olhos cor de mel quase verdes, com as escassas vezes que trocamos meia dúzia de palavras em quase conversas, ele foi um grande quase que nunca aconteceu, uma grande lacuna que foi sendo preenchida enquanto Danilo sutilmente crescia em mim até ele desaparecer.
É tão estranho isso, sequer sei o momento exato que comecei a gostar daqueles olhos negros, e ainda sim seu beijo foi uma certeza, como se sempre tivesse sido ele.
Como ia imaginar que o mundo daria essa volta.
- Que cara de boba é essa? - Jéssica questiona me trazendo para realidade.
Sentada na minha escrivaninha a garota enche o rosto com uma máscara verde no seu ritual de cuidados com a pele.
- Sobrou abacate? Quero comer com açúcar - exponho minha vontade que surgiu com o cheiro da fruta que impregna o quarto.
- Só pensa em comer, presta atenção açúcar demais da espinhas - a mais velha me adverte pretensiosa.
- Para vai Jéssica, abacate, banana, ovo, aveia, você põe essas coisa na cara, no cabelo, mas só quer comer lanche, refrigerante. - retruco - Se alimentar bem também ajuda a pele, os cabelos, unhas, não sabe?
- Só não te xingo, porque tem razão, preciso mesmo ser mais saudável. - admite para minha surpresa - Vai lá pega para nós.
Ao entrar na cozinha me deparo com minha mãe encostada na bancada sorrindo para a batedeira, ao me aproximar para pegar os abacates no cesto me olha animada.
- Viu que linda, a Jéssica me deu, agora sim vou conseguir fazer mais doces e salgados. - comemora empolgada, apesar do seu riso tenho a impressão que tem algo errado.
- Ela certou no presente.
- Estou fazendo um bolo para nós, de fubá com queijo e goiabada - conta, está claramente querendo agradar minha irmã, é o seu favorito.
Ainda falando sobre o quanto está contente com a nova batedeira Luísa vai ao fogão ligando o forno, porém o seu jeito aéreo a faz derrubar a frigideira com óleo que antes estava guardada ali.
- Caramba, olha essa bagunça. Sou mesmo uma inútil, não consigo fazer nada direto. - encarando o chão xinga numa exagerada explosão de raiva.
- Calma mãe, eu limpo - tento tranquiliza-lá, todavia, continua falando palavrões, e só para de reclamar quando termino de tirar a sujeira do chão.
A porta se abre revelando a chegada do meu pai, a minha estranheza apenas aumenta quando Fábio cumprimenta a nós duas com simpatia, e o mau humor da minha mãe evapora tão súbito quanto veio, os dois começam uma conversa sobre os preços altos do mercado enquanto o homem esvazia as sacolas que trouxe.
Nós, graças a Deus, nunca passamos fome, contudo meu pai não tem o costume de comprar tanta coisa, é sempre Luísa quem se desdobra para manter a casa, até mesmo salgadinhos e bolacha trouxe, o que insiste em dizer ser bobagem gastar dinheiro, entretanto nos bares não é.
Antes que eu enlouqueça com essa cena atípica, ou vomite vendo as trocas de carícias explícitas dos meus pais, subo para o quarto com os abacates e alguns minutos depois Jéssica e eu comemos a mistura adocicada conversando na minha cama.
- Não acredito. Conta como foi? - seus olhos brilham de espanto.
- Foi bom, muito bom. - suspiro - Fique bastante nervosa no começo, achei que ia babar o Danilo todo igual lambeijo de cachorro.
- Aí credo, pior que tem uns cara que beijam assim - faz uma careta de nojo.
- Não foi desse jeito graças a Deus, mas a gente bateu os dentes - conto arrancando sua risada - Só que não atrapalhou porque depois foi tão simples e natural, parecia que era para ser.
- Nossa pelo jeito encaixou. Sorte a sua, vai ter sempre uma boa lembrança do primeiro beijo.
- E como foi sua primeira vez beijando - pergunto com interesse.
- Larga de ser curiosa, coisa feia. - tenta fugir.
- Ah Jéssica, por favor - insisto manhosa.
- Vou dizer, só para você parar com essa voz irritante. Foi um selinho com o Caio, tinha onze anos, depois a gente começou namorar. - fala passando a máscara facial em mim - Coisa boba de comer juntos no recreio, torcer enquanto ele jogava bola, escrever cartinhas.
- Isso é muito fofo, parece história de filme. - a romântica em mim se empolga.
- Fofo nada, a professora um dia pegou um dos nossos bilhetinhos, me repreendeu como se fosse a coisa mais errada do mundo, depois ainda contou para mãe, dizendo que não prestava atenção na aula por ficar fazendo cartinhas de amor. - o seu ressentimento é evidente.
- Que professora horrível. - exclamo indignada.
- Até aí tudo bem, a mãe só reclamou, o pior é que tinha um diário, escrevi nele e deu muito ruim, o pai leu e bateu tanto, me xingou demais, fez eu me sentir tão suja - relembra com a tristeza acessa em seus olhos - É óbvio que nunca mais tive diário.
- Sinto muito - minha voz sai num fio comovida pela sua dor.
- Também, gostava de escrever. - um silêncio desconfortável recaia sobre nós, o peso da invasão da sua privacidade, da injustiça que passou é palpável.
- Estou orgulhosa de você, sua poesia, seu projeto - Jessica mesmo quebra a quietude - Sei que admira esse meu jeito grosseiro, durão, mas você é mais forte que eu. Tem coragem de sentir, de falar de escrever.
- Aí não chora, dá rugas - envolvo-a num abraço verde e desajeitado - Não sabia que namorar ia te deixar tão derretida.
- Para, não estou assim por causa de homem - finge um tom ofendido - É que sei lá, estou trabalhando, não é só o dinheiro que me deixa livre, a Amara é tão amorosa, as meninas que atendo são gentis, as mais velhas me dão conselhos, as mais novas me admiram. Fico perto da Dara e a gente conversa, ri, e tem o Gui, é claro. Eu estou muito feliz.
- Você merece todo amor e felicidade do mundo, é sim chata, reclamona, briguenta, mas no fundo, beem no fundo tem um coração. E está certa em esconder, já é linda, inteligente, confiante, trabalhadora, se mostrar que também é carinhosa, leal, sensível, bondosa, o mundo não vai aguentar tanta perfeição. - elogio e, apesar da provocação, são sinceras minhas palavras.
- Cala boca, você é irritante sabia. - se solta de mim rindo.
- Também te amo Fiona
O sol radiante ilumina a tarde, crianças correm gritando com suas faces vermelhas se divertindo numa brincadeira barulhenta, reparo que os brinquedos velhos, quebrados e enferrujados, foram trocados por novos, super coloridos e de madeira.
Fico surpreendida em ver o quanto o Parque Veloso mudou, a beleza natural continua maravilhosa, com o imenso espaço cheio de árvores, flores, com uma charmosa ponte sobre o rio que corta a nossa cidade, entretando agora além do playground restaurado, junto com a quadra agora tem também um garrafão para o povo poder jogar basquete e claro a pista de skate, a responsável pelo parque está tomado por jovens hoje.
Júlia avista Gabriel próximo de um balanço, vamos até ele que está sentado na grama ao lado de Adriana, Melissa e Alexandre, eles comem salgadinhos rindo de alguma coisa dita.
- Gente esse é o Felipe - Júlia apresenta.
- Oii - Fê cumprimenta já se sentando perto deles.
- Sou a Drica estamos tentando decidir qual é a melhor brincadeira de criança, para mim é pega-pega e para você? - a garota com mechas azuis é simpática.
- Eu amava pular corda, era legal. - responde sorrindo com a lembrança.
- Gostava de esconde-esconde, ficava até de noite brincando na rua com meus vizinhos. É tão estranho perceber que um dia nos reunimos para brincar sem saber que era a última vez. - Alexandre diz com uma expressão sofrida.
- Ai Alê, mas você é sem graça, dá sempre um jeito de tornar tudo triste. - a garota de longos cabelos negros reprova sua fala.
- Não faço isso, a vida que é triste. - defende-se
- Deixa ele ser melancólico Mel, faz parte do seu charme. - Jú defende o amigo.
- Não tem como ser deprimido num dia ensolarado como hoje, falando nisso, Ju o que deu em você para nós chamar para um campeonato de Skate? - o garoto questiona.
- É mesmo, isso é estranho - Drica também fica curiosa com o convite e então abre um sorriso esperto - Quem é?
- Certeza que veio porque está interessada em alguém, pelo amor de Deus, só não vai me dizer que é a mesma pessoa de antes. Supera, não aguento mais te ver mal - Mel aconselha impaciente, como se estivesse dando uma bronca na amiga, talvez até mesmo com ciúmes.
- Me deixem em paz, não tem ninguém - Júlia protesta chateada.
- Fui eu que convenci a Ju a me acompanhar, quero ver o Danilo competir.
- Essa é a Má, sempre torcendo pelo Danilo, cuidado com as formigas - Felipe zomba .
Nós rimos recordando do acidente que me aconteceu, o restante da turma não entende a graça, explico a história omitindo alguns detalhes, como suspirar pelo Matheus na época, meu relato leva eles a também contar de destrases românticos cômicos, como Drica que tentou ser sexy chupando bala, passando da boca dela para do garoto e quase morreu engasgada, além de babar nele todo.
Em algum momento da conversa a gente simplesmente decide ir nos brinquedos do parquinho ignorando os olhares de censura dos adultos vigiando seus filhos, os gritos de Júlia, Drica e Mel, ecoam enquanto Gabriel e Ale rodam o gira-gira com tanta velocidade que o negócio parece que vai decolar.
Prefiro ir no balanço, fecho os olhos sentindo o vento no rosto e minhas tranças movendo-se, enquanto Felipe me empurra me fazendo subir mais alto, tinha me esquecido do quanto é boa essa sensação de liberdade.
O barulho do pessoal no gira-gira chama minha atenção, noto que Drica desistiu da brincadeira, apoiada numa árvore a menina parece mal, subitamente ela solta tudo o que comeu num jato barulhento e provavelmente fedido de vômito.
Paro o balanço e Fê me ajuda a descer, nós dois vamos até Drica que continua com a expressão enjoada, Gabriel e Mel riem zombando dela, porém seguimos atrás de um banheiro para que ela possa se limpar.
A área onde fica os banheiros e os bebedouros é bem no meio do parque, ligando a pista de skate, a quadra e o playgrond, por isso temos certa dificuldade em passar pelo meio da aglomeração de pessoas e ainda pegamos fila, enquanto ficamos esperando observo ao redor.
A cidade sempre tão parada fez esse primeiro evento de Skate ser lotado, principalmente por comerciantes vendendo pipoca, algodão doce, água, sorvete, sorrio feliz ao ver a moça de ontem com seu carrinho de delícias geladas, mal sabe ela que meu beijo teve o gosto do seu picolé.
Depois que Drica se limpa como pode, procuramos lugares para sentar no meio dos adolescentes agitados e barulhentos, reconheço alguns rostos da minha sala, até mesmo Sabrina e Luciano, os dois estão no maior love colocando pipoca na boca um do outro, é claro que fugimos de sentar perto desse casal radioativo.
- Eles me dão nojo - Biel revira os olhos
- Fico mais tranquila que estão juntos, são ruins iguais. - comento
- Espero que fiquem felizes juntos e bem longe de mim, porque gente feliz não enche o saco - Jú fala fazendo o sinal da cruz.
O som alto da música eletrônica sae das grandes caixas de som perto de uma tenda, onde um homem com microfone narra as acrobacias que uma garota faz no skate com desenvoltura, tem uma pequena torcida que levanta cartazes quando ela termina o circuito sendo ovacionada pela plateia.
- Não tenho noção do que está acontecendo, contudo até que é empolgante assistir. - confesso para Ale que pergunta sobre meu interesse em ver os competidores na pista.
- Eu não entendo desse ou de nenhum outro esporte, não faz meu estilo, mas foi bom ter vindo assim pude te ver outra vez - Ale se inclina na minha direção para ser ouvido e sua voz sopra na minha orelha me fazendo arrepiar.
- Ma não cai nessa papinho, esse Ale é um conquistador - Gabriel provoca o amigo.
- Eu sou um romântico, é diferente - Ale se defende e os dois riem, todavia talvez o alerta seja verdadeiro. O garoto é bonito e charmoso, deve estar acostumado a paquerar.
- Cuidado, ele é a favor da poligamia - Drica adverte
- O amor tem que ser livre e compartilhado - Ale se defende e começa um discurso positivo sobre relações abertas.
Drica e Gabriel ficam contra suas falas e deixo eles se alfinetando para assistir a competição, o locutor chama outro participante, e bato palma para Danilo que surge na pista. Seu olhar percorre os rostos da plateia até cruzar com o meu fazendo um sorriso lindo iluminar sua face.
- Iih, vai dar namoro - Júlia ri cantarolando
Um quentinho aquece meu coração causando rubor nas minhas bochechas.
Será?
Oii, que bom ter você aqui ❣️
Sou muito grata por estar acompanhando essa história.
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Até mais 😘
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