38 Carpe Diem
Com cuidado passo a flanela sobre a madeira marrom retirando o pó, sentada no sofá dona Maria fala saudosa do dia que ganhou a estátua de Nossa Senhora Aparecida do seu filho, cada pequeno santinho e objeto do altar improvisado é uma lembrança sua.
O cheiro de chá impregna o ambiente junto com sua fala mansa, inspiro o aroma guardando a paz dessa tarde em mim, sorrio para a falante senhora, não imaginei que limpar sua casa fosse lhe despertar tanta nostalgia, sua morada é cheia das memórias que dona Maria alegre compartilha comigo.
Suas palavras aos poucos perdem o sentindo enquanto minha mente viaja para o olhar quente e penetrante de Danilo, a sua escuridão me capturando e despertando sensações estranhas no meu corpo, no meu coração.
- Conheço bem esse suspiro, quem é o rapaz ? - o toque suave no meu ombro me traz para realidade.
- Não sei do que está falando - nego de imediato, contudo a mulher me observa com um sorriso esperto no rosto.
- Você não me engana menina, sou velha, não boba. Na sua idade também tinha minhas paixões, é tão bom - seus olhos brilham tomados por nostalgia.
- Gostar de alguém é muito complicado...
- O que aconteceu? - a senhora questiona notando minha inquietação.
- Uma amiga minha meio que brigou com quem ela gosta, e agora quer tentar se aproximar de novo, mas não sabe como... A senhora que tem experiência o que faria nessa situação?
- tento buscar ajuda sem expor Isa e Júlia.
- Marcela, por mais que tenha vivido muito, não dá para te dizer uma fórmula certa de ajudar essa sua '' amiga", porque cada pessoa tem seu próprio jeito de se relacionar. O meu conselho é ser sincera, falar o que está sentindo, se desculpar e dar tempo ao tempo, as coisas vão para o seu lugar, e o que tiver que ser será.
- A dona Maria, se fosse fácil assim... - lamento recordando a aflição de Isa.
- Vocês jovens não tem paciência, contudo é assim que funciona a vida, tem o momento que a gente só pode fazer o que está no nosso alcance e deixa o mundo seguir - a idosa com sua fala mansa logo começa a usar suas flores e plantas de exemplo, demonstrando que não dá para apressar a natureza, tudo tem o seu próprio ritmo, é só deixar fluir.
Ouço sua sabedoria com atenção, ao mesmo tempo que compreendo seus ensinamentos, sei que essa não é a resposta que Isa espera de mim. A dúvida continua me atormentando, como vou fazer para Júlia e a cacheada voltarem a se falar.
Termino a limpeza e vou para casa uma sacola cheia de verduras que dona Maria fez questão de dar, ao entrar na sala sorrio com a cena que vejo, sentada no sofá minha mãe conversa animada com Cristina, as duas mulheres entretidas no assunto ignoram a televisão ligada num canal qualquer.
- Oii - cumprimento recebendo um aceno gentil de ambas.
Sigo rapidamente para o quarto, não quero atrapalhar, faz tanto tempo que ela não ver minha mãe, a companhia da Cristina faz muito bem à ela, é melhor terem a liberdade de conversar.
Me jogo na cama encarando o teto ainda tomada pelo cansaço, amanhã preciso voltar para recolher as roupas do varal, dobra e guardar.
-Quer? - de repente a porta é aberta revelando uma alegre Jéssica segurando uma caixa de chocolates.
- Delícia - suspiro mordendo o bombom que me deu.
- Foi presente do Guilherme, ele me pediu em namoro. - fala com um sorriso gigante em seus lábios.
- O quê? Me conta tudo. - fico empolgada querendo mais detalhes.
- Mas é curiosa - ri divertida - Já disse mais do que precisa saber.
- Ah Jéssica, por favor... - peço fazendo beicinho.
- Está bem - minha irmã se senta na minha cama e começa a contar como o rapaz que fica de vez em quando conseguiu se tornar o único.
Seus olhos brilham de felicidade, nunca vi Jéssica como uma garota romântica, no entanto a cada palavra percebo que existe sim um coração escondido sob todo esse jeito grosseiro e confiante.
Guilherme foi realmente amoroso e deixou a garota toda boba com um vídeo fofo repleto de momentos deles juntos e depois entregou os bombons, seu pedido formal em um mundo de ficar sem se apegar, me enche de esperanças de um dia receber um gesto de amor assim.
O sorriso radiante iluminando o rosto da minha irmã me convence que no fundo todas nós garotas queremos ser tratadas com carinho.
Essa conversa me inspira, vou falar com a Isa para fazer algo desse tipo, demonstração de afeto não tem erro, Jéssica mesmo toda durona, é a prova que todo mundo gosta de ser lembrado, valorizado, saber que o outro se importa.
Por hora é essa a solução que tenho.
Aproveitando o bom humor da minha irmã peço sua ajuda com a atividade da aula de filosofia. Nós pesquisamos no seu celular e escolho ir de Selene, Deusa da Lua, entre seus vários poderes está controlar as mares, a luz e ciclos da natureza, criar sonhos, mudar as fases da lua, também é deusa dos lunáticos, das bruxas e dos lobisomens.
Com paciência recorto estrelas no papel e.v.a brilhante colocando-as com o resto da cola instantânea na minha tiara. Jéssica me empresta um conjunto branco, e para completar o look sorrateira ao ter a certeza que minha mãe está na cozinha pego no seu quarto uma sandália linda que tem.
Com o coração pulsando rápido corro para o quarto rindo de excitação, tenho a certeza que amanhã vou estar maravilhosa.
- Ei Marcela, já está pronta? - batendo na porta Júlia me apressa.
Constrangida saio da cabine me deparando com minha imagem no espelho. A maquiagem que Jéssica fez em mim logo cedo ainda está intacta, o que me incomoda é a roupa curta, uso seu crooped de alças delicadas e a saia com uma fenda e tule.
- Não sei se consigo sair assim - hesito incomodada com o top curto mostrando minha barriga
- Assim como, linda? Vamos - sem deixar margem para desistência a garota me puxa para fora.
No pátio a mesa cheia de diversos bolos, frutas e doces está cerca pelos alunos fantasiados, alguns capricharam bastante na caracterização, detesto admitir, porém Sabrina ficou incrível de Afrodite, outros parecem que apenas enrolaram de qualquer jeito a cortina da sala no corpo e vieram.
Sim, é de você Henrique que estou falando.
Vendo os outros alunos da nossa sala chego a conclusão de que Júlia está perfeita como Medusa, as cobras no cabelo, provavelmente feitas de e.v.a, estão muito detalhadas, usando um espartilho sobre o vestido preto com transparência, brilho e saia esvoaçante, está encantadora, saída de um livro feérico.
- Adorei as mangas bufantes, você está divina - Gabriel fantasiado de Ciclope admira a garota que gira feliz.
- Completamente deslumbrante - enalteço minha amiga.
O dia da Fantasia está um grande sucesso, não imaginei que a maioria iria participar com entusiasmo, chega o momento que cada aluno fala sobre o personagem que está vestido, o professor anotando no caderno parece satisfeito com as apresentações, mostrando que gostou do conhecimento que temos sobre a mitologia grega.
Felipe para mim foi o mais criativo, veio de Cérebro, o cão de três cabeças guardião do submundo, no seu modo bobo de ser ele brinca latindo e correndo atrás de Tati.
Observando a cena meu peito aperta com as lembranças de quando Tati, Bia, Felipe e eu éramos unidos, não sabia o quão fugazes eram esses dias, o quanto minha vida ia mudar.
O tempo é algo estranho, hoje Bia e Tati são apenas conhecidas que não fazem mais parte do meu dia a dia, e sim de um passado de séculos atrás.
Respiro pesadamente trazendo do fundo do meu ser a esperança que essa mudança foi para melhor, ainda que doa não estarmos juntos, ao olhar para Sabrina junto com Luciano conversando e rindo com Bia, sei que a separação é necessária.
Para me distrair dessas sensações ruins, vou até mesa e pego um pedaço de bolo de chocolate, é como dizem barriga cheia coração feliz.
- Com vinho fica melhor - Danilo sorrindo me estende uma garrafa com líquido vermelho.
- Obrigada, senhor Dionísio - entrego o copo plástico que ele enche, bebo um gole do suco de uva.
- Gostei da sua fantasia, está muito bonita - elogia me observando com atenção.
Agradeço num sorriso discreto, de súbito um silêncio constrangedor cai sobre nós, incomodada pego outra coisa para comer, Danilo tem a mesma ideia e então sem querer toca levemente minha mão
Um calor repentino incendeia meu peito, me afasto rápida e ergo a cabeça, seus olhos negros encontram os meus, a escuridão profunda tomando conta de mim, nesse instante não tem mais barulho ou pessoas ao redor, só nós dois e uma estranha expectativa que me causa um frio na barriga.
- Cuidado cara! - Danilo reclama quando um guardanapo amassado
de repente acerta-o e acaba o que quer que estava acontecendo.
- Foi mal mano - Matheus se desculpa rindo
Envergonhada, a impressão de que fui pega no flagra fazendo algo errado me invade e saio com meu bolo indo até o banco onde está Gabriel. Sentada do seu lado vejo que no caderno, tão concentrado, ele desenha Isa, a garota vestida de Sereia, ganha forma nos traços do seu lápis preenchendo a folha.
- Você é talentoso. - digo surpreendida.
- Não é talento, é dedicação. - nega num suspiro cansado - Treino bastante para me aperfeiçoar cada vez.
- Está dando certo, está bonito - incentivo sentindo sua frustração
- Valeu - fala sem convicção e logo começa a apontar erros na sua obra.
- Calma, errar é só o caminho para chegar no acerto, não precisa se cobrar tanto. - ofereço um sorriso encorajador - Lembra do ditado: ''é errando que se aprende''
- Está bom, madre Teresa - revira os olhos, apesar do deboche sei que está me ouvindo.
- Na verdade discípula de Felipe, ele quem me disse isso, também estuda muito para tocar violão. - confesso que só recordei de uma conversa com meu amigo.
- A autocobrança às vezes é um vício - admite fechando o caderno - Quero mais refri.
O garoto levanta-se indo para mesa com certo desânimo, olhando ao redor fico feliz que a primeira ação do grêmio deu certo, animado o professor Celso chama todos nós para uma foto, junto com meus colegas fazendo pose, o sorriso enorme não esconde o meu orgulho de estar participando desse momento.
Oii, obrigada por sua leitura ❣️
O que acham do conselho de Dona Maria ?
Jéssica tem um namorado, será que vai dar certo ?
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Até mais 😘
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