36 Amigos
- Tem miojo - Júlia fala revirando os armários em busca de algo para gente comer.
- "Vamos almoçar na minha casa" - Gabriel resmunga numa voz fina tentando imitar a amiga - Se eu soubesse que não ia ter comida tinha trazido uma marmita.
- Você é cínico, vive comendo besteira, mas já que está reclamando cozinha - Júlia faz uma careta enquanto entregar-lhe uma panela.
- Dá próxima vez que eu vier aqui te trago um quilo de feijão. - Gabriel fala desviando do pano de prato que a garota joga nele.
Do sofá apenas observo a conversa cheia de farpas dos dois, apesar do tom de divertido, percebo que o garoto está realmente chateado querendo comida de verdade. Nota mental, não mexer com o Gabriel quando ele estiver com fome.
Em alguns minutos estamos devorando o arroz feito por Gabriel com molho de salsicha, sem jeito, entre uma colherada e outra, Júlia conta que tivemos sorte aquele dia, além de chegarmos de surpresa, sua mãe não tem hábito de cozinhar diariamente, as duas até mesmo preferem tomar café em vez de jantar.
Mal terminamos a refeição e a anfitriã volta para o fogão a fim de preparar os petiscos para nossa sessão de filmes, tudo muito gostoso, fácil de fazer e principalmente de comer.
Depois que Gabriel e eu afastamos os móveis Júlia traz almofadas coloridas e coloca sobre o felpudo tapete lilás, a vontade nós sentamos jogando conversa fora esperando os demais convidados, o que não demora a acontecer, duas moças e um rapaz logo chegam.
- Gente essa é a Marcela - Júlia me apresenta aos seus amigos.
- Sou a Mel - simpática a garota inesperadamente deposita um beijo estalado na minha bochecha.
Apesar de todos estarem usando roupas escuras, menos Gabriel e eu, é ela quem mais se assemelha a Júlia no estilo e recordo que já vi as duas juntas no dia que Danilo me chamou para roda de capoeira, sua gargantilha, que para mim mais parece uma coleira, é o destaque do seu look.
- Oii - Forço um sorriso constrangida.
- Liga não Ma, essa daí é assim - alfinetando a amiga Júlia chama todos para sala.
- Às vezes me esqueço que sua casa é tão colorida, e ainda tem cachorro quente com guaraná - o rapaz com piercings na sombracelha e na boca resmunga.
- Para de graça Alê, esperava que a gente deitasse em túmulos na sala bebendo vinho num crânio? Somos pessoas reais, não um estereótipo - a moça de mechas azuis no cabelo revira os olhos contrariada, e então percebo o quanto fui tola por pensar algo parecido.
- Deixa ele Drica, faz parte do seu charme ser chato. - Mel provoca o garoto.
- Prefiro esse role nos túmulos. Aqui tem muita cor e barulho, é uma tortura - Ale se pronúncia fazendo os outros rirem, então de modo teatral põe a mão no peito num suspiro: - Como é difícil ser um imortal imcopreendido.
- Corram, é o Alexandre o vampiro de Rio Santo. - Gabriel grita fingindo estar com medo.
- Gostei, é um bom nome para um conto - digo em meio ao riso.
- É por isso que está com a gente, deve ter alma de artista - Ale fala me lançando um olhar profundo que me deixa desconfortável.
- Ela é artista, precisam ver a poesia que escreveu. - Júlia para minha surpresa acha no celular o post do meu poema, Minha Beleza.
Seus amigos curiosos leem meu texto, fico maravilhada com os elogios gentis que recebo, lembro que sem o incentivo de Felipe jamais mostraria esse escrito com medo de ser julgada pelo o que penso e sinto transmitido nos versos, contudo agora ouço o quanto minhas palavras são belas e necessárias.
Inevitavelmente penso que Felipe entraria em êxtase vendo esse cardápio, em vez de salada de frutas com groselha, temos pipoca, cachorro quente, brigadeiro e refrigerante, decido que após esse encontro irei em sua casa, talvez até leve um pouco para agradá-lo.
O clima leve e descontraído nos envolve e mal prestamos atenção na tela da teve comendo, rindo e conversando, entre O exorcismo da minha melhor amiga, O estranho mundo de Jack, para minha surpresa Júlia incluí De repente é você, a comédia romântica do livro que devorei.
O clichê fofo rende algumas críticas e comentários, numa implicância boba, agradecida abraço Júlia, em fim estou vendo o filme com meus amigos.
- Foi um prazer te conhecer - Ale sem qualquer aviso pega minha mão e beija, observo-o completamente perdida com o gesto que só vi em livros.
- Alexandre para, está assustando a má - Drica repreende sua atitude.
- Só estou sendo um cavalheiro. - pisca para mim e segue sua irmã de fios azuis.
Mel e Júlia ainda permanecem na sala entretidas falando de algo muito interessante pois mal respondem quando Gabriel e eu nos despedimos, e sequer aceitam nossa ajuda, afirmando que conseguem organizar a bagunça.
Os sorrisos e olhares que trocam não negam que querem ficar sozinhas, Gabriel não parece notar e quase arrasto-o para fora para que as duas tenham privacidade.
Durante o caminho, longo de ruas sinuosas com subidas ingrimes, Gabriel tenta me convencer de que o sumiço de Felipe é por algo passageiro, como resfriado ou virose, o garoto prontamente se dispôs a me acompanhar quando contei que pretendia vê-lo.
- É você... - Seu Vicente aparece na janela após alguns momentos gritando e batendo palmas na frente da casa, sem dizer mais nada some para dentro.
Fico aliviada em ver seu avô, o senhor parece bem, meus pensamentos me traziam a dúvida de que algo ruim tivesse acontecido com o idoso.
- Acho melhor a gente ir embora - Gabriel pondera nos vários minutos que esperamos na calçada.
Insisto em aguardar, a cortina da janela volta se mexer e sei que é o seu Vicente, de repente ele vem para fora até nós, de forma evasiva tenta explicar que o neto não quer receber visitas, todavia quase ajoelho suplicante para ver felipe sentindo que algo está errado.
Finalmente o senhor se dá por vencido e nos permite entrar, logo noto a ausência de Lobo, a casa fica vazia sem aquela criatura barulhenta e peluda fazendo algazarra, ao perguntar por ele o olhar triste que homem me lança me faz temer a resposta, porém suas palavras carregadas de culpa são o que realmente revelam o que está acontecendo.
- Fê por favor, vamos conversar - bato na porta sendo completamente ignorada - Não quer me vê, mas não vou te deixar sozinho. Eu quero estar do seu lado, você é importante para mim, meu melhor amigo.
Sentada, encosto na madeira que mantém Felipe trancado no quarto longe de mim, numa tentativa de explicar o motivo de persistir em ficar relembro às vezes que me deu seu apoio, desde as felizes, como quando cantamos no karaokê, a publicação do meu poema, até a importância dos convites para almoçar em sua casa, e o cuidado que teve comigo na crise de choro que tive na escola.
Minhas palavras são apenas um monólogo assistido por seu silêncio, sem saber o que fazer para consolá-lo começo a cantarolar sua música preferida, subitamente a porta é aberta e caio no chão, acima de mim vejo um sorriso contido querendo escapar dos lábios de Felipe.
- Acho melhor você só escrever.
- Chato - Me levanto com sua ajuda, seu olhar triste encontra o meu e meu peito aperta vendo toda sua dor
Comovida envolvo seu corpo nos meus braços apertando-o contra mim, o garoto estremece deixando os soluços escaparem em um choro dolorido.
- Ele morreu Ma, ele morreu. - confessa com sofreguidão.
- Sinto muito - suspiro enquanto as minhas lágrimas se juntam as suas.
Ficamos um infinito em pé abraçados até seu lamento ir aos poucos diminuindo, quando se solta de mim busco um copo de água para acalmá-lo, no caminho encontro Gabriel esperando saber como o Felipe está, ao ouvir o quão devastado ficou pela morte de Lobo, o garoto retorna comigo até o quarto.
A gente tenta convencê-lo a experimentar ao menos um pouco do brigadeiro que trouxessemos, todavia recusa, está tomado pelo luto, perdeu o cachorro que era seu melhor amigo, e ainda se sente culpado pela fatalidade.
No dia que ficamos na Júlia, seu Vicente sozinho decidiu caminhar um pouco na rua, infelizmente deixou o portão aberto, Lobo fugiu e foi atropelado, gravemente ferido estava na clínica veterinária até ontem, contudo não resistiu.
Observo os dois trocarem meia dúzia de palavras sem jeito e se despedem com um abraço rápido, eu continuo com Felipe, seus olhos vermelhos inchados transparecem cansaço, e ele se deita, com cuidado coloco sua cabeça em meu colo e passo a mão pelos fios do seu cabelo.
- O que você acha que acontece depois que alguém morre?
- Nunca parei para refletir sobre isso - confesso
- Antes acreditava piamente que minha vó estava no céu, chegava a conversar com as estrelas, contudo agora sei que não. A morte é o fim, como deitar e cercado pelo vazio e escuridão.
- Fê... - por instantes fico quieta tentando encontrar um jeito de amenizar sua angústia - Sei lá, pode sim ter um céu, com certeza o Lobo está lá, pulando entre as nuvens e correndo até sua vó.
- É...talvez. A vida é tão estranha, a qualquer momento a gente está aqui e de repente se foi.
- O Lobo e sua vó não foram embora para sempre, podemos não saber se realmente há um paraíso, um inferno, ou até reencarnação, tem muitas Tem muitas teorias, todavia uma coisa é certa, sua Vó e o Lobo vão continuar vivos em suas memórias guardados em seu coração.
- Valeu por ficar comigo. - sopra numa voz sonolenta.
Aos poucos sua respiração vai se acalmando, as pálpebras se fecham entregues a inconsciência, seu rosto sereno enquanto dorme não transparece sua aflição.
Ainda na incerteza do que quer que aconteça após a morte a única coisa que espero é que quando meu coração parar de bater e for enterrada ao menos o meu corpo seja útil para terra, cresça uma linda flor do que um dia eu fui.
Oii, obrigada por sua leitura.
O que acham dos amigos de Júlia ?
E o luto de Felipe ?
Vocês tem alguma teoria sobre o que acontece após a morte?
Deixe seu comentário e estrelinha 🌟
Até mais 😘
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