34 Manhã De Chuva
Após o almoço dona Beth querendo nos agradar, fez um delicioso mousse de chocolate, Felipe quase explodiu de alegria com o gesto de hospitalidade da mãe de Júlia, que foi realmente gentil em receber mais três pessoas para comer sem o menor aviso prévio.
- Preciso voltar para o serviço, vão ficar sozinhos por isso tenham cuidado. Não queimem, sujem ou destruam nada, e por mais que seja tentador, estão proibidos de beber aqui, são menores de idade e não quero confusão para mim.
- Mãe por favor - súplica
- Pare de moralismo filha, me deixe falar, eu já fui adolescente, sei como é - Beth repreende Júlia e continua com suas recomendações - Mais uma coisa, tem camisinhas no armário do banheiro.
- Mãe - a garota resmunga com o rosto vermelho de vergonha.
A mulher fica satisfeita depois de um dar o importante recado sobre os preservativos e então tranquilamente sai nos deixando constrangidos, não posso evitar pensar no que dona Beth deve ter aprontando na sua adolescência.
- Relaxa, sua mãe é legal, a minha também me faz passar cada uma. Um dia ela ficou quase vinte minutos contando para a Ma o quanto eu dou mais trabalho que o Lobo - Felipe corta o silêncio.
- Foi mesmo, só faltou a tia Cristina falar que ia te colocar na coleira e dar o seu quarto para o cachorro. - lembro rindo.
- Aí não. Olha Marcela se ele mijar no tapete você limpa - Gabriel zomba.
- Melhor não mexer comigo - Felipe literalmente rosna para o garoto, e nós caímos na risada com sua graça.
Aproveitando sua fala conversamos sobre os vexames que a família comumente nos proporciona, quase morro de rir com cada história inusitada que ouço, quando começam a me questionar sobre algo que meus pais me fizeram passar, somente lembranças dolorosas invadem minha mente, todos percebem meu desconforto, então Júlia mudando de assunto da sugestão de fazermos alguma brincadeira.
- Detesto jogo de cartas! - resmungo chateada.
- Só porque você é uma péssima perdedora. - Felipe ri da minha irritação.
- A Júlia que fica mudando as regras! Uno não é assim - Gabriel também protesta indignado.
- Para de reclamar, espantalho de fandagos - impaciente Júlia xinga.
Sua ofensa inesperada e criativa faz o grupo cair na risada, Gabriel teatralmente ofendido joga salgadinhos na garota e a confusão se instala,
envolvidos por toda discórdia da brincadeira usamos almofadas de armas.
A bagunça de gritos e risos toma conta do cômodo enquanto corremos pela sala, minhas bochechas até doem de tanto gargalhar, de repente o Felipe foge da pequena guerra para atender uma ligação, distraída observando a preocupação surgir em seu semblante, acabo levando um golpe de Júlia.
- Tenho que ir embora - Felipe fala rápido já pegando a mochila.
- Ei, não foge - a garota se manifesta contra a sua partida. - Vocês vão me ajudar a arrumar esse caos.
- Não vou poder, é um assunto sério, preciso estar em casa. - Felipe exala tensão, me aproximo e tento conversar, ou acompanhá-lo, porém nega visivelmente aflito.
- O que será que deu nele? - Gabriel questiona assim que sai.
- Não sei, mas boa coisa não é - Júlia comenta, e suas palavras me enchem de inquietação, será que algo ruim aconteceu com o avô dele? Seus pais?
Pensar em qual situação grave pode ter acontecido com a família do meu amigo, me faz recordar dos meus próprios problemas, como estará minha mãe?
Depois de auxiliar Júlia e Gabriel na limpeza da sala, quando o cômodo está organizado outra vez, me despeço dos dois e vou para casa.
Escovando os dentes sinto alívio por finalmente ser segunda feira, os dois dias do fim de semana que fico em casa me fazem sentir presa num abrigo subterrâneo me escondendo de bombardeios repentinos.
Ontem de noite um copo sujo foi motivo de gritos, palavrões, choro e ranger de dentes, um verdadeiro inferno. Termino minha higiene bucal, pego minha mochila e vou para o ponto.
Dona Maria simpatica como de costume me cumprimenta, animada a senhora atualiza minha irmã e eu sobre os acontecimentos do bairro.
Jéssica do meu lado, deixa o celular para ouvir melhor a fofoca, pelo jeito falar da vida dos outros aproxima as pessoas. Não acho nada muito interessante, e observo o céu carregado de nuvens escuras logo cedo, um vento gelado me faz arrepiar.
Devia ter pego uma blusa mais quente.
O ônibus chega e entramos colocando um fim na conversa da senhora, ao passar por seu Matias, o motorista acena alegre nos cumprimentando e minha irmã também responde simpatica, olho para ela assustada sem entender o motivo do seu estranho comportamento.
Será que Jéssica foi abduzida e colocaram essa no lugar?
A estranheza do dia continua ao notar que Felipe não veio a aula, não que o garoto seja o mais assíduo dos alunos, porém o jeito que saiu da casa da Júlia naquele dia me deixou um pouco preocupada e sua ausência me traz um mau pressentimento.
É horrível estar sem celular, uma única mensagem resolveria essa situação.
Chego a cogitar perguntar para Bia e Tati se sabem de alguma coisa, entretanto vê-las tão a vontade com a Sabrina e os famosinhos da sala me mantém quieta no meu lugar apenas conformada em notar que nossa amizade não existe mais.
Bia está muito ocupada agarrada a Leonardo e Tati adora a companhia da Barbie falsificada, não faço parte de suas vidas.
- Ei, Marcela - Júlia toca no meu ombro me chamando, assim que tem minha atenção continua a falar : - Vai ter uma tarde de filmes lá em casa amanhã, quer ir?
- Espero que goste de terror, porque vão ser os mais assustadores. - Gabriel diz movendo os dedos num uivo tentando ser temido, contudo é engraçado.
- Horror? Não vai dar para mim. - nego por não ser fã desse gênero.
- É brincadeira do Biel, não são filmes de dar medo, só com a estética um tanto mais sombria. - Júlia explica sorrindo convidativa
- Vou sim. - concordo, mesmo não estando com vontade, confirmo apenas pela animação dos dois com o programa.
Entro na conversa sobre filmes, livros e músicas que agradam Júlia, conhecendo um pouco mais do seu gosto peculiar, mesmo interessada, preciso me esforçar para me manter focada, já que a minha mente teimosa insiste em se perder no mundo lá observando a janela.
O céu fechado cansa de se segurar e acaba deixando que os primeiros os pingos de chuva caem numa fina e persistente garoa que me dá vontade de estar debaixo do cobertor dormindo.
No intervalo desanimada subo para biblioteca a fim de encontrar paz, dona Teresinha sai para resolver alguma coisa na qual não prestei atenção me deixando sozinha, escolho um livro qualquer e sento em uma das mesas.
Absorta em pensamentos fico olhando os pingos escorrerem pelo vidro da janela e me sinto em um filme, minha mente me levam para todas histórias onde já vi essa cena.
De repente a porta abre, me surpreendo ao ver que não é a bibliotecária e sim Danilo, ele conta que veio procurar um livro de biologia, explico que a senhora saiu, no entanto em vez de ir embora se enfia entre as estantes.
No silêncio que se faz volto a minha atenção para leitura.
- Dia bom para ver filme e comer pipoca, né? - Danilo puxa assunto em pé ao meu lado.
- É sim, estava pensando nisso... - concordo sem entender o motivo de ainda estar na sala de leitura.
- Te olhando assim, aposto que curte comédia romântica. - sorri
- Acertou, não resisto a uma divertida história de amor, e esses filmes leves, até mesmo clichês, me dão um conforto, trazem a esperança que um dia as coisas se ajeitam e chega o final feliz - confesso constrangida logo em seguida por ter falado demais, não sei o que é, porém o olhar atento e interessado de Danilo me deixa estranha.
- Todo mundo quer ser feliz, mas não precisa ser o final, é por isso que eu gosto de filmes de ação e fantasia, sempre fica uma alternativa para viver mais aventuras, principalmente se for com super heróis. - com naturalidade senta perto de mim.
- Então você gosta do Homem-aranha?! - digo o primeiro que me vem a mente.
- Muito, o cabeça de teia é o meu herói favorito - fica animado.
- Parece que o garoto dos esportes, também é um nerd - diante da sua resposta continuo num tom de zoeira que acostumei a usar.
- Não, eu curto demais andar de Skate, jogar bola, capoeira, mas também leio e vejo filme. Não tenho nada de nerd ou o garoto dos esportes, sou só o Danilo - nega com casualidade.
- Tem razão, a gente pode ter diversos gostos, só Danilo - concordo fascinada ouvindo seu ensinamento.
- Você também não a garota que lê, me conta o que mais gosta de fazer. - pede me olhando com intensidade.
- Sei lá... Ouvir música, cuidar da minha Maia. - tenho dificuldade em dizer meus interesses, tanto por seus olhos negros e profundos me fitando, como também por até o momento resumir a minha personalidade a leitora.
- Maia, é sua gata? - fica curioso.
A pergunta me faz falar sobre dona Maria, chás, flores, significados de nomes, Amara, que agora tem uma muda de Maia, mostrando o quanto tudo o é bom se multiplica e se espalha, Danilo ouve com disposição, contando também sobre suas próprias experiências.
É incrível a facilidade com que os assuntos surgem espontâneos entre nós numa conversa fluida e gostosa que mal dá para perceber que lá fora ainda está uma manhã fria e chuvosa, enquanto meu coração é aquecido pela suavidade da sua voz.
Subitamente o vento enxerido entra por alguma fresta me fazendo encolher, notando minha ação com gentileza Danilo me oferece seu moletom, tento negar, contudo ele tira e me entrega.
O seu perfume toma conta de mim e ao entender que antes o tecido macio estava na sua pele estremeço com um calor gostoso se espalhando no meu corpo.
- Ficou bom em você - elogia me observando sem saber o quanto mexe comigo.
- O intervalo acabou - sussurro sem jeito ouvindo o alarme.
- Hora de ir para sala - comenta folheando o livro.
Seu olhar encontra o meu, num instante sua voz, seu perfume, nós dois sozinhos na sala, os seus dedos mexendo nas páginas, tudo me deixa agitada. Meu coração bate acelerado, sinto o suor na minha mão e me levanto saindo apressada para que ele não veja o terremoto dentro de mim.
Respiro fundo tentando me convencer que estou bem, essa palpitação, sudorese, mente nublada, apesar de igual sei que essa loucura no meu corpo é diferente das vezes que passo mal por estar chateada e cheia das dores que me assolam.
Ao entrar na sala, o olhar fulminante de Tati me alcança no mesmo instante, sento quieta no meu lugar constrangida, ouço alguns cochichos assim que Danilo entra e sei que estão falando de nós.
- Ei, esse casaco é o dele? - com um sorrisinho provocador Gabriel investiga.
- Sim... - afirmo sem graça.
- Uii Marcela - Júlia maliciosa cantarola.
Os dois se juntam criando teorias e histórias de amor onde Danilo e eu somos um casal, quanto mais meu rosto queima me deixando corada de timidez, mais Júlia e Gabriel riem.
Passo o restante do dia tentando ignorar as brincadeiras bobas dos meus amigos e a raiva flamejante dos olhos de Tati cravados em mim.
Oii, obrigada por sua leitura em mais esse capítulo.
Espero que esteja gostando de acompanhar Delírios de Marcela.
O que acham que houve com Felipe ? E essa aproximação entre Danilo e Marcela ?
Deixe seu comentário e estrelinha 🌟
Até mais 😘
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