2 Delírio Matinal
Abro os olhos confusa, o som animado ecoa por todo o quarto me despertando, percebo que é meu celular tocando; pego-o sobre a cômoda antes que Jéssica também acorde.
Quem será essa hora?
- Quem é? - atendo mal-humorada.
- Bom dia para você também, miss simpatia - reconheço a voz da minha amiga.
- Bia, poxa! São cinco e meia da manhã, o que você quer?
- Ih, pelo jeito alguém não sonhou com o Matheus essa noite - provoca risonha.
- Cala boca - rio também - Então porque está me ligando essa hora? Tem que ser algo urgente, tipo sua casa está pegando fogo?
- É mais sério! Ontem depois do treino o Léo me chamou para ir na casa dele.
- O quê? - fico surpresa, me empolgo um pouco demais, pois vejo minha irmã se revirar na cama - Como não me contou antes?
- Não ouse reclamar, porque você não me atendeu a tarde toda ontem. Você desapareceu.
- Não sumi, fiquei em casa... lendo. - admito envergonhada, pois devia estar estudando para prova de matemática. - Me desculpe não te atender, agora me fala logo o que aconteceu com você e o Léo.
- A gente conversou, jogou videogame, foi muito maneiro. Ele estava tão carinhoso, me dando uns olhares...
- Que incrível! Conta tudo, quero todos os detalhes - me sento na cama animada.
Agora entendo a ansiedade de Bia e até perdôo ser acordada em plena madrugada, realmente é uma notícia que precisava me dar, principalmente porque é apaixonada por ele desde a sexta série.
Quando encerro a ligação faltam apenas cinco minutos para seis, fico impressionada como o tempo passou voando, pareceu segundos de conversa, mas é de se esperar, quando minha amiga começa a falar do Léo não quer mais parar, é seu assunto preferido.
- Até que enfim parou de cochichar nesse telefone - minha irmã resmunga sonolenta - Que droga Marcela, esse quarto não é só seu!
- Era um assunto urgente... - tento me defender - Precisava atender.
- Urgente, sei - sua voz está carregada de ironia - E sabe do que eu preciso? Silêncio para dormir. Você é tão folgada - Me fuzila com o olhar.
Chateada Jéssica levanta indo direto para o banheiro, logo ouço o som do chuveiro.
Sei que o quarto é de nós duas, não precisa falar, afinal em cada canto desse cômodo tem suas roupas espalhadas, e sua maquiagem na minha escrivaninha.
Me irrita demais ás vezes quero por o celular para carregar tenho que esperar, porque a tomada está constantemente em uso seja carregando seu telefone ou porque está usando chapinha, secador.
E tenho que esperar, protestar não adianta, minha mãe sempre fica do lado dela e a insuportável desculpa é que tenho que obedecer e respeitar minha irmã mais velha.
Como queria ter um quarto só para mim, então ia poder ficar com a luz acesa até tarde lendo, conversar com minhas amigas quando quiser, ter um guarda roupa todo meu.
Ter minha liberdade, minha privacidade, meu refúgio, o lugar onde posso ser eu.
O Léo levou a Bia para seu quarto, os dois ficaram conversando, ela nas nuvens de tanta felicidade, estão finalmente tornando-se próximos, também perdeu o ar de menina, os seios cresceram, agora está chamando atenção, porém sempre foi apaixonada por ele, pelo convite feito parece ser, enfim, recíproco.
Ah, o amor correspondido é lindo.
Bem, que o Matheus podia me levar para onde mora, ia adorar conhecer sua casa, sua família e claro, aonde dorme. Esse é o cômodo mais importante, é o lugar onde cada pessoa deixa a sua cara, se sente mais à vontade.
Vai ser perfeito o dia em que me deixar entrar na sua intimidade, estar em seu quarto vai ser o sim para fazer parte do seu mundo, ficar na sua vida.
Estou no quarto de Matheus, sentados na cama conversamos, de repente sinto seus lindos olhos cor de mel sobre mim, o silêncio cheio de expectativa paira no ar, então um sorriso doce ilumina seu rosto.
- Porque está rindo? - Pergunto tímida.
- Estou feliz de ter você comigo.
- Para, estou ficando sem jeito.
- Não dá, você é a garota mais linda que conheço - Sussurra aproximando-se de mim, nossos rostos perto um do outro, tão perto que acelera meu coração e finalmente sinto sua boca na minha.
- Marcela! - Sou atingida por uma almofada, olho em volta assustada com o ataque repentino e vejo minha irmã rindo - Vai logo tomar banho, a gente tem aula.
Suspiro caindo na realidade, estou sozinha na minha cama de pijama, os cabelos bagunçados, e ainda estou com bafo, Matheus jamais ia querer me beijar se me visse desse jeito horrível.
Corro para o banho, não posso me atrasar.
É uma manhã fria e cinzenta com cara de chuva, o céu está pálido coberto por nuvens, o vento sopra e me faz encolher de frio.
Esse é o tempo ideal para ficar deitada sob o calor das cobertas na companhia de um bom livro, porém estou aqui parada no ponto de ônibus esperando para ir a escola, a vida é mesmo injusta.
- Sua blusa está suja - Jéssica me repreende, realmente meu uniforme está manchado de creme dental.
- Está mesmo - Dou de ombros.
- Você não sabe nem escovar os dentes, credo! - Me olha com desprezo.
Cadê dona Maria para me defender quando preciso, pelo barulho de água, deve estar regando suas plantas no quintal atrás da casa.
- Pelo menos não estou com bafo, porque tem uns na minha sala que dão até nojo. - Ela entra no ônibus sem dar a mínima para minha resposta.
- Oii, tudo bem? - Dará é gentil ao me ver.
Retribuo o sorriso, fingindo não perceber o olhar reprovador da minha irmã exigindo de mim a menor interação possível com suas amigas populares.
- Vocês responderam as questões de sociologia? É para entregar hoje. - Investigo sentando junto com a Isa.
- Hoje!? Caramba, esqueci totalmente - Bia fica preocupada.
- Lembrei ontem de noite, fui dormir quase uma hora, mas consegui fazer. - Tati está aliviada.
- Eu também respondi, copiei tudo da internet, a professora não vai ler mesmo, só dar visto - Felipe fala com desinteresse.
- Pode copiar do meu - Encontro o caderno na mochila. - Só não deixa igual.
- Valeu - Bia se esforça para escrever em meio ao balanço do ônibus, enquanto reclamamos da chatice que é ter um monte de tarefa para fazer em casa, observo minha irmã.
Todo lugar tem esse grupo dos populares, no ônibus eles se atraem e se juntam não importando de qual sala são.
Isa exibe seu sorriso confiante e perfeito, do seu lado, como sempre, está Sabrina, a Barbie falsificada, elas são as famosinhas da minha classe.
Jessica tem razão e estou mal arrumada, feia? Preciso saber o que faz ela ser aceita.
É o perfume, a maquiagem, os brincos, o colar, o penteado, são esses pequenos detalhes que diferenciam o comum do extraordinário?
Será que tudo se resume a aparência? Um batom e a roupa da moda pode me tornar popular, chamar a atenção do Matheus?!
E da onde vem toda essa alegria, não entendo a razão de estarem tão sorridentes. O que há de legal em acordar cedo no frio para ir à escola?
Esse bom humor não é confiável, são estranhas.
De costas para a turma o professor enche a lousa com a matéria sem se importar com a bagunça ao redor, luto contra a preguiça e começo a copiar a lição em silêncio.
- Olha aqui - Bia coloca o celular na minha frente de repente. Na tela vejo um vídeo onde um cara cai de skate. - Parece que o Danilo não é tão perfeito - Zomba aos risos.
- Eu não me importo, bem que ele podia cair assim de boca em mim - Tati suspira maliciosa.
- Você é uma sem vergonha - Sou dramática.
- Ah, para! Vai dizer que não imagina o Matheus desse jeito - Bia questiona me olhando provocadora.
- Eeu... - Me atrapalho toda na hora de falar lembrando do livro com cenas quentes que me envolveu tanto que deixei até de atender o celular.
- Meu Deus Marcela - Tati me encara escandalizada e começa sussurrar - Você toda quietinha já fez? E não contou para a gente.
- Não, eu li - Nego rápido, então confesso - Numa das caixas com coisas que minha mãe ia jogar fora, achei uma coleção de livros velhos de bolso, romances aparentemente inofensivos, mas aquelas histórias estão cheias de hot.
- As santinhas são as piores - Bia me lança um olhar acusador.
- Me empresta um, preciso mesmo aumentar meu conhecimento, ler é muito importante - Tati pede rindo.
- Agora decidiu que vai gostar de leitura - debocho.
- Sabem o que chegou na papelaria? A revista Miss Teen com 50 dicas para arrasar na hora do beijo, deviam comprar. - Bia faz propaganda do negócio da sua mãe.
- Você não perde a oportunidade, mas talvez eu compre, preciso de informações, quero estar preparada para dar um beijão no Danilo que vai fazer ele esquecer a sem sal da Isa.
- Vai ser difícil, ela é popular, ano passado foi Rainha do Festival do Pinhão - Bia lembra, devido a essa coração ficou conhecida na cidade toda, principalmente na nossa sala.
Agora quando alguém pesquisa sobre nossa Estância Climática, junto com as fotos de pousadas, restaurantes e lindas cachoeiras, também verá a cacheada com seu sorriso vitorioso convidando os turistas a experimentar as delícias culinárias feita de Pinhão, e participar da festa no mês de Abril, deixando seu dinheiro conosco.
- Também é linda - Admito - O cabelo dela é um sonho: longo, com cachos definidos e um brilho incrível.
- Ah, chega. A Isa não é perfeita, ela tem aquele nariz grande, largo - Tati sente prazer em conseguir por defeito na garota - Parece uma batata no meio da cara.
- É verdade, muito feio - Bia concorda maldosa
Rio sem graça e fico calada pensando no meu próprio nariz que é igual o dela.
Minhas amigas estão sendo invejosas e injustas, a maioria das mulheres não são naturalmente lindas da forma que aparece na televisão e revistas.
O mundo real é bem mais tedioso, complicado e feio.
E ainda sim Isa é admirada na escola, tenho que conseguir um modo de também ser querida por esses adolescentes cheios de espinhas, bafo e fedor de suor.
- Psiu, acorda Marcela! - Bia estala os dedos na frente do meu rosto.
- Você vive no mundo da lua, o sinal já tocou - Tati avisa rindo.
O intervalo é curto, apenas vinte minutos, porém a fila da merenda é enorme e consome quase todo o escasso tempo de nossa liberdade. Fico em pé esperando as pessoas andando lentamente e ouvindo pedaços de conversas alheias de desconhecidos que enchem o refeitório.
- A gente sempre se deu bem, mas agora eu sinto que tem algo diferente, sabe!? O Léo está mais atencioso, mais gentil, vai me acompanhar na hora de ir embora, tem algo importante para me contar. - Bia do meu lado tenta decifrar os sinais que vê.
- Será que ele vai falar que gosta de você? - Fico otimista.
- Espero que sim. - Comemora enquanto caminhamos em direção à mesa onde Tati está sentada tomando refrigerante.
- Como você consegue comer isso?! - O nojo é evidente no olhar de Tati para meu prato.
- Para de ser fresca! O empanadinho de frango é o melhor - Pedaços babados de carne voam da boca de Felipe enquanto senta do nosso lado.
- Eca! Você não tem educação? - Tati fica horrorizada.
- Você que não tem. Se falar desse jeito de novo jogo essa comida na sua cabeça. - Felipe ameaça segurando o riso.
- Não faça isso, do jeito que esse empanadinho está duro é capaz de desmaiar alguém - Advirto sob seus risos - Esse arroz grudento dá até para rebocar as paredes.
- Essa parede está precisando mesmo de um concerto....essa cor é horrível sem dizer que a tinta está toda descascada.- Tati observa.
- Ninguém liga para o que a escola precisa. Toda vez que chove a gente não pode jogar - Bia fica pensativa - O jogo de futebol já foi cancelado várias vezes pelo mau tempo.
- Em vez de fazer algo legal para ajudar a gente colocam um monte de câmera e grades na escola. Parece uma prisão. - Tati suspira de desgosto.
- Verdade, na sala de informática só três computadores funcionam - Felipe acrescenta
- E se a gente fizer uma chapa? Agora que estamos no colegial, podemos fazer parte do Grêmio. - Os olhos de Bia brilham acessos pela ideia.
- Que incrível. Podíamos fazer um Clube de leitura. - Dou a ideia.
- Criar mais atividades fora da sala, com dança, brincadeiras, gincanas. - Tati fica empolgada.
- E melhorar essa merenda, que está comível, mas podia ser mais gostosa, na aparência e sabor - Bia revira a comida com a colher de plástico.
- Senhora presidente por favor - Ando pelo corredor e de todos os lados vem alunos com papéis tentando me entregar.
Querem que eu leia suas propostas, assine documentos importantes, dê um pouco de minha atenção, contudo recuso agora preciso ter uma reunião com o diretor, vamos discutir como tornar essa escola a melhor da cidade, minhas ideias são cruciais.
- Tem um tempo para mim?! - Matheus aproxima-se com um olhar sedutor.
- Claro - Concordo e o garoto me envolve pela cintura me beijando.
É isso! Vou entrar para o grêmio.
Oii
Vocês também sonham acordados?
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