18 Machucada
Chorar até dormir no sofá da Dona Maria me deixou com dor de cabeça e no corpo, além de uma irritação que faz o barulho comum dos meus colegas de classe ser perturbador.
Me esforço para me concentrar na prova, contudo essa missão é impossível, inquieta olho para as questões de biologia sem ter ideia do que responder,
toda informação da minha cabeça sumiu, o tempo também não está a meu favor, os minutos são eternos.
O som ritmado do meu lápis batendo na carteira vai acelerando à medida que minha aflição cresce, nervosa jogo o lápis longe.
Estou a ponto de explodir, num impulso simplesmente me levanto entregando a prova em branco para professora Célia, sem pedir permissão saio da sala indo rápido para o banheiro.
De olhos fechados foco na sensação da água gelada molhando minhas mãos, após um suspiro profundo abaixo o rosto na pia lavando-o repetidas vezes e isso aos poucos me calma.
Preciso ficar bem, hoje ainda tem o grêmio, os alunos precisam conhecer as chapas para votar então vamos de sala em sala apresentar nossas propostas.
– Você consegue – incentivo a garota refletida no espelho, seu falso sorriso enfeitando o rosto é nossa salvação.
– O que aconteceu com você, porque correu da sala daquele jeito? – Bia questiona enquanto descemos para o refeitório.
– Não sei, me deu uma agonia, tive que sair. Será que a professora me deixa fazer a prova de novo? – Fico apreensiva.
– A Célia é gente boa, quando explicar que ficou nervosa ela te dá outra chance – Felipe tenta me confortar.
– Também acho, ela é a nossa melhor professora. – Bia concorda, e não seguro o riso ao vê-la parecendo um coelho se aproximar do Felipe – Você está com um gostoso cheiro de coco.
– Acalma o coração, sei que sou bonito, mas não precisa agarrar. – brinca, entretanto dá para perceber que fica sem jeito.
Sempre diz não ligar para a aparência, contudo é evidente seu conhecimento que o óleo de coco é ótimo para os fios crespos.
– Fê seu cabelo está lindo – elogio o volumoso black power que ostenta.
– Olhem, a Isa está vindo – Bia muda de assunto.
A garota caminha até a mesa em que estamos, seus passos seguros fazem parecer que é dona de onde pisa, não está sozinha, seus amigos acompanham-a, contudo é a Isa quem brilha, a escola é a sua e nós meramente assistimos seu desfile.
– Oi gente – Cumprimenta gentil, seus bonitos cachos estão enfeitados por uma bandana vermelha – Quero combinar os últimos detalhes antes de encarar os alunos, estou um pouco preocupada.
– Não precisa, vai ser tranquilo pedir votos. Somos populares e a nossa chapa é a melhor, viram a do 2B, quem vai dar atenção a aquele bando de nerd desconhecido? – Sabrina solta seu veneno.
Pareço ser a única a se incomodar com o comentário maldoso da Barbie falsificada, então apenas observo em silêncio enquanto sentam.
É difícil ter Sabrina por perto, me esforço para não demonstrar minha antipatia a cada palavra que sai da sua boca, contudo quando respiro o perfume delicioso de Matheus, admito que foi maravilhoso convidar Isa e ela para participar da nossa chapa, graças a isso a presença do meu amor é constante.
Mesmo que sejam raros os momentos que fala diretamente comigo, absorvo com deliciosa satisfação cada expressão do seu rosto, cada mudança na sua voz, cada sutil trejeitos seu.
O assunto das eleições do grêmio se perde no meio das nossas conversas aleatórias, a sonora risada de Matheus é melodiosa em meus ouvidos como a mais bela canção, o garoto se diverte enquanto Danilo imita o professor Nelson.
– No meu tempo a gente não era molenga assim, vocês são um bando de preguiçosos, quero que façam duzentas flexões de braço, e sem reclamar. – Zomba com um timbre de voz exagerado, é uma péssima tentativa, contudo o seu jeito engraçado faz todos rirem.
– A Dani você é o melhor – Isa gargalhando dá um soco de leve em seu ombro.
Imagino o quanto Tati ia estar radiante em ver o Danilo com a gente, porém está internada no hospital recebendo os cuidados necessários para ficar boa. Tomara nesse tempo consiga entender que é linda do seu jeito e pare com essa obsessão de fazer de tudo para perder peso.
– Esse povo saudosista é igual meu vô, ele está bem velho e por isso conta mil vezes a mesma coisa, já cansei de ouvir que andava uns quinze quilômetros numa estrada de terra fugindo das vacas bravas para ir a escola, ainda afirma que em vez de mochila usava um saco de arroz – Gargalhando Felipe relembra as histórias do seu avô.
Também participo da conversa contando sobre o monóculo fotográfico da dona Maria, estou contente por conseguir fazer parte do assunto, enquanto falo percebo a escuridão brilhante do olhar de Danilo me ouvindo com atenção.
Tenho uma súbita vontade de contar a ele que minha cor preferida é vermelho, o quanto amo as músicas do Leoni e que a Maia floresceu, finalmente consegui cuidar de uma flor. Sei que o Danilo escutaria esses detalhes meus com interesse, e me perco vendo as pintinhas no seu rosto, tem uma entre as sobrancelhas, outra na bochecha esquerda e uma sobre a boca.
Demoro vendo seus lábios grandes, deixando seu sorriso largo, o inferior é mais cheio com um sutil tom rosado que vai escurecendo e se misturando com o tom da sua pele negra. É uma boca linda, constrangida com meu pensamento evito-o.
A alegria dos rostos sorridentes não chega a Bia, ter Leonardo tão próximo deixa minha amiga triste, quieta ela apenas remexe a comida no prato sem o menor apetite. Reparo na larga camiseta azul escuro que veste, me perguntando cadê a regata que usa como se fosse uniforme, cada dia da semana vem com uma de cor mais vibrante que a outra.
Infelizmente o intervalo dura pouco tempo e logo deixo Matheus para apresentar o Poder Estudantil a todos.
Os meus delírios de grandeza caem por terra no exato momento em que enfrentamos a primeira turma, os diversos olhares sobre mim queimam minha pele mais que a alergia que tive naquele ataque de formigas e piora quando é minha vez de falar.
– Nós vá-mos ajudar... ham a melhor-melhorar – As palavras saem emboladas, os risos que meu gaguejar provoca me dão desespero.
Passo a mão na testa limpando o suor, minha visão fica turva e por instantes sinto meu corpo vacilar trêmulo.
Notando o meu pavor, Bia toma a frente dizendo a minha parte ignorando as risadas, enquanto fala observo as pessoas alheias mexendo no celular, conversando rindo, de repente esses ruídos e desordem me deixam atordoada.
Minha cabeça parece pesada, me sinto flutuar, é uma sensação ruim que me invade, a sala fica imensa, as paredes, as pessoas, tudo expandindo até me prensar na parede sufocada.
Tudo o que quero é desaparecer.
O toque repentino me faz olhar para Felipe que entrelaça os dedos nos meus num gesto de apoio, o calor da sua mão na minha me dá coragem, passa a mensagem que não estou sozinha.
– Como foi? – Danilo pergunta curioso assim que chegamos na nossa sala.
– Péssimo, a Marcela foi ridícula, não conseguia falar e fez todos rirem de nós. – Sabrina reclama.
– Para com isso, ela não estava bem, parecia até que ia desmaiar – Bia lança um olhar zangado para ela.
– Pura frescura – a cobra loira revira os olhos se afastando.
Envergonhada, passo o resto das aulas quieta tentando esquecer o horror que experimentei. Porque minha vida é tão horrível? Qual o prazer de Deus em me castigar desse jeito, minha casa é um pesadelo e agora a escola também.
– Ei Ma, o sinal já bateu, vamos embora – Felipe toca no meu braço, levanto a cabeça da carteira perdida no tempo.
– Não quero ir para casa – suspiro mordendo a bochecha, faço uma careta ao sentir o gosto metálico de sangue.
– Você está bem? – A sua sinceridade me comove, Felipe realmente se importa comigo.
– Eu odeio minha vida, só queria sumir – As palavras escapam dos meus lábios.
Minha confissão assusta o garoto, que fica sem reação me olhando preocupado sem entender, seu silêncio me machuca.
– Me desculpe – sussurro arrependida, não devia ter dito nada, é tão mais simples mentir que estou bem.
– Marcela... Confia em mim, me conta o que tem – pede cauteloso.
– E-eu... É que... – tento falar, contudo não consigo .
Meu coração acelera batendo agitado, faz tanto tempo que simplesmente aprendi a ignorar o que me perturba que minha garganta se fecha num nó formado pelas verdades que engoli e tranquei em mim.
Minha respiração fica alta e entrecortada enquanto minha mente confusa me manda fugir, sei que ao falar tudo se tornará real, não terei mais como me enganar, tento me convencer de que entendi errado, é normal o caos que vivo em minha casa, tudo bem meu pai chamar minha mãe de puta e bater nela.
Sentimentos e lembranças surgem impiedosos, na minha mente a imagem do meu pai xingando furioso me tortura misturando-se aos risos dos estudantes zombando de mim, são tantas emoções conflitas que cubro o rosto com as mãos tentando esconder as lágrimas.
– Você está passando mal, o que está acontecendo? – Assustado Felipe pergunta
O choro me domina, quanto mais tento parar, mais a angústia aumenta transbordando em soluços sôfregos, nesse momento sou um mar de lágrimas infinitas, e meu coração dói apertado.
Atordoado com meu pranto sem conseguir me acalmar Felipe me leva para a biblioteca.
– Não é normal chorar desse jeito descontrolado Marcela, por isso assim que possível a mediadora Nataly vai conversar com você, acredite em mim vai te fazer bem . – Dona Terezinha toca minhas costas num cuidado gentil.
Meneio a cabeça concordando, desanimada bebo mais um copo de água para acabar com a sede que queima minha garganta. A senhora ouviu meus apelos e não ligou para minha casa, contudo em troca tive que aceitar sua ideia de ir na mediação.
– Ela chegou – Felipe anuncia.
Me despeço da dona Terezinha e saímos da escola, entro no carro com meu amigo, sendo recebida com um cumprimento caloroso da sua mãe:
– Oi querida, tudo bem ?
– Oi dona Cristina.
– Não precisa me chamar de dona, já é de casa. De manhã mesmo vi a sua mãe, ela estava tão abatida e apressada, mal deu para gente conversar. A coitada estava machucada, me explicou que caiu limpando a casa de uma patroa, sei que vida de diarista não é fácil, mas não imaginava que era desse jeito.
Sentada no banco de trás, sou bombardeada por sua curiosidade, me mexo no assento desconfortável com a atitude, não quero lembrar de nada da minha casa.
– Já notei que não quer conversar...vocês adolescentes. – Balança a cabeça insatisfeita, e continua : –Vou te falar mais uma coisa, conheço sua mãe desde menina, tenho um carinho imenso por ela e é muito bom a gente ter contato outra vez. Só quero o bem da Lulu, saiba que podem contar comigo para tudo, estou aqui para ajudar.
– Obrigada Cristina.
A mulher me lança um olhar carinhoso pelo retrovisor e o silêncio se faz no veículo, os dois respeitam minha decisão de ficar calada, sonolenta e agradecida encosto a cabeça no ombro de Felipe.
Estou Tão Exausta.
Oii, esse foi mais um capítulo.
Imaginavam que a Marcela ia ficar tão abalada depois daquele churrasco?
E a apresentação que tentou fazer do grêmio?
Depois quase conseguiu contar ao Felipe o motivo de tanta tristeza.
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