17 Festa Da Hipocrisia
Deitada encarando o teto não consigo evitar de pensar em Tati, foi horrível continuar na aula sabendo que foi parar na Santa Casa, e até agora não tenho nenhuma notícia de como está.
- O que aconteceu com sua amiga? Fiquei sabendo que desmaiou, saiu da escola de ambulância - Jéssica investiga curiosa, sentada no tapete em meio aos esmaltes.
- Eu não sei... - confesso chateada.
- Estão comentando que está grávida... Tinha que ver como perturbaram o Carlos por isso, chamando-o de papai, o cara ficou até pálido, pensei que fosse passar mal, mas jurou que nunca fez nada com ela, o que piorou a situação, começou a ser xingado de corno. - com cuidado pinta as unhas do pé.
- Tenho certeza que não é gravidez, Tati é virgem. - respondo impressionada em como o pessoal do terceiro é infantil.
- Pode ser fruto do Espírito Santo, Deus já pegou uma pura antes. Imagina se ela sai do hospital com um novo Jesus - Jéssica zomba.
- Você não vai para o céu - não consigo evitar rir também.
- Agora é sério, não queria ser essa Tati, estão falando horrores dela, que está com Dst, que deu para metade dos caras da escola. Enquanto isso a garota pode ter parado no hospital só porque comeu algo estragado. - Jéssica me conta incomodada.
- Que ódio, como podem ser tão maldosos inventado essas mentiras?!
- Sua amiga vai precisar de coragem para enfrentar esses boatos.
- Me empresta o celular? - peço sem saber o que dizer.
- Seja rápida - me entrega o aparelho.
Vou direto no perfil de Bia, mandando mensagem na rede social, demora poucos instantes para ela visualizar, também não tem informações, contudo combinamos de ir juntas à Santa Casa.
- Vou lá ver a Tati - anúncio devolvendo o telefone para minha irmã.
Me arrumo com rapidez e vou ao encontro de Bia e Felipe que me esperam, com expectativa vamos obter respostas sobre a saúde da nossa amiga.
A televisão ligada está no mudo, por isso apenas observo as imagens do programa sem saber do que estão falando, meus amigos estão aguardando comigo na sala branca e fria o horário de visitas.
- Para de balançar a perna. Esse barulho está me deixando nervosa - Bia pede impaciente e só então percebo o que estava fazendo.
Os minutos escorrem lentamente pelos ponteiros do relógio tornando a espera infinita, estamos num silêncio inquieto de preocupação.
- Podem entrar, é o quarto 6. - a recepcionista informa, e caminhamos pelo corredor do hospital até o local indicado.
- Que bom que vieram, a Tati tem sorte de ter amigos como vocês - Estela nos recebe com um sorriso carinhoso, apesar de cansado.
- O que ela tem? - Felipe pergunta logo.
- Essa loucura de ficar tomado chá prejudicou o fígado dela. - Estela responde com certa severidade.
- Ei, estou aqui, podem falar diretamente comigo - Tati protesta.
- Aí Miga, você não sabe o susto que deu na gente. Eu avisei que isso de chá era furada. - Bia se aproxima da cama onde a garota está deitada.
- Devia ter ouvido vocês. Toda aquela irritação, insônia, tontura, pele amarelada, enjoo... foram causadas pelo chá, porém não sabia que podia ser perigoso pra a saúde. - Tati explica meio envergonhada.
- Mas eu não entendo, chá é algo tão comum, como pode causar doença? - questiono confusa.
- Não é porque algo é natural que pode beber como água sem indicação. E no caso, a Tatiana bebia várias ervas misturadas, o dr Álvaro explicou que os diferentes componentes juntos sem um controle de dosagem ou estudos de como essas ervas reagem combinadas foi nocivo. - Estela fala em tom de alerta para a gente entender o perigo da atitude. - O excesso de toxina do chá foi tão grande que podia ter levado o fígado a falência... Minha filha podia ter morrido. - Estela está com a culpa estampada em seu rosto, a tristeza é clara na sua voz.
- Não morri mãe, estou aqui com você para te perturbar por muito tempo ainda, e prometo tomar mais cuidado. - Tati tenta acalmar a mãe.
- Tem é que parar com essa fixação em querer emagrecer, ficar passando fome, fazendo regime, dieta e ouvindo essas bobagens de internet que o povo inventa só para ganhar dinheiro. - Estela censura a filha com veemência.
- Trouxe para você Tati, são crisântemos, essa flor é o símbolo positividade, longa vida e alegria. O amarelo representa a amizade - entrego o singelo e belo boquê à Estela, não sei se faz bem para alguém doente pegar.
- Obrigada Ma, gosto dessa sua mania de saber dessas informações aleatórias. - Tati ri agradecida. - Mãe pode dá licença para gente?
- Está bem, vou aproveitar para tomar um café, estou precisando. - Estela concorda saindo do quarto.
- Vocês não tem noção, o dr Álvaro é um gato, quero ficar mais tempo aqui - Tati começa a disser assim que ficamos sozinhos, arrancando risos nossos e uma revirada de olhos do Felipe.
já são quase onze horas, no entanto não consigo dormir, meu pai simplesmente resolveu dar uma festa. Chegou do serviço todo animado trazendo bebidas, linguiça, frango e acém, na área de serviço foi logo improvisando com tijolos e a grade do fogão um lugar para assar as carnes
Minha mãe obviamente foi reclamar, nós não temos dinheiro para gastar, todavia foi ser carinhoso que conseguiu convencê-la aceitar essa ideia, logo Luísa estava toda feliz preparando farofa, arroz e vinagrete, e Fábio sequer precisou explicar como comprou tudo.
Agora sentada no sofá comendo, apenas observo sem me envolver na bagunça da casa cheia.
- Levanta, vem se divertir querida - minha mãe pede sorrindo com seus lábios tingidos de vermelho.
É raro vê-la arrumada e feliz, seus cabelos encaracolados estão enfeitados com uma faixa amarela que destaca sua pele negra, ela está leve e principalmente alegre.
- Não estou a fim. - resmungo entediada
- Marcela não sabe se divertir, sequer sambar - Jéssica fala balançando com a música - Mostra como se faz.
Com animação minha mãe começa a requebrar ao som do pagode, seu vestido deixa o maneio dos seus quadris mais ousado, dança num ritmo gracioso rebolando com os braços na cintura, num sapateio muído e cerrado.
Sua alegria e espontaneidade são contagiante, ela está radiante como se emanace de si uma luz, seu brilho enchem seus olhos de vida, dando-lhe uma beleza singular.
Ao redor as pessoas entusiasmadas batem palmas incentivando seu fervor, o som do pandeiro aumenta a algazarra.
- O que você está fazendo?! - meu pai surge do meio das pessoas, agarra minha mãe pela cintura com agressividade.
- E-estou dançando - o medo faz sua a voz sair tremula e hesitante.
- Pare agora. - manda feroz, a sua voz denuncia o álcool e a raiva. - Mulher minha não fica nessa indecência chamando a atenção de outros homens.
- A-amor...- começa a se explicar.
- Essa cara pintada, parece uma puta- é interrompida - Você vai tirar isso agora, ouviu?
Ela ouviu, todos nós ouvimos suas palavras maldosas gritadas com hostilidade, todos vimos o seu aperto no corpo assustado da minha mãe.
Entristecida minha mãe abaixa a cabeça envergonhada, calada é puxada por meu pai para o quarto, apesar da música alta dá para ouvir a briga entre eles lá dentro.
Olho em volta esperando alguma reação, entretanto tudo continua igual com gente assando carne, bebendo e dançando. Meu estômago revira pelo enjoo repentino que me toma, as risadas, as conversas, o barulho ao redor é tão alto que me deixam tonta.
É incrível a capacidade que as pessoas tem de fingir não escutar, não ver, o talento em se calar e continuar como se nada tivesse acontecido mesmo quando o mundo está desmoronando.
Pode ser chamado de evolução: a capacidade de se adaptar a diversas situações para garantir a sobrevivência, mas para mim é covardia. Tem situações que não podem ser consideradas normais, que não podem ficar escondidas.
Raiva, tristeza, medo, surgem incontroláveis cegando minha razão, formam um emaranhado de sentimentos que ficam mais e mais embolados até me deixar completamente perdida, atada, sem saída, sem esperança, sem solução.
Meus pensamentos voam sem que eu consiga segurá-los em uma tempestade dentro de mim, atordoada o desejo de fuga me toma e corro querendo sumir de toda essa violência e falsidade.
- Marcela - ouço meu nome sendo chamado num grito.
O ar frio da noite arrepia minha pele, no céu a lua brilha redonda cercada de estrelas. É uma noite bonita, tento manter o foco da minha atenção longe da confusão dentro de mim.
- O que houve menina? Está tudo bem? - Dona Maria me olha preocupada.
Balanço a cabeça em concordância, contudo as lágrimas teimosas deslizam por meu rosto sem permissão, sou tomada por uma angústia infinita.
Dona Maria sai do seu quintal vindo até mim, sem forças para reagir deixo-me guiar para dentro da sua casa.
Sentada no sofá sou envolvida pela senhora num abraço, seu gesto de carinho me desmonta e me rendo a dor que me aflige, meu corpo é sacudido por soluços, seguro sua blusa com força como se isso me impedisse de quebrar.
Dona Maria tenta me consolar com uma canção sobre nossa senhora, a mesma que minha mãe me embalava quando menor.
Tudo o que quero é voltar a ser um bebê, estar na barriga da minha mãe onde era seguro e ela me desejava com alegria. Eu era esperada, protegida e amada.
Com a voz doce de dona Maria cantando mãezinha do céu me encolho em seu colo, meu lamento vai diminuindo deixando somente o cansaço e adormeço.
Os sons de panela me despertam, me reviro no sofá sentindo o calor da manta sobre mim, abro os olhos reconhecendo que estou na casa da dona Maria pelos quadros na parede.
- Descansou bem, menina? - a senhora vem até mim trazendo uma bandeja - Tem chá e bolinho de nata.
- Obrigada - me sento pegando a xícara.
- Você estava muito triste ontem, chorou tanto. O que aconteceu?
- Meu pai brigou com minha mãe - admito num fio de voz.
- Isso é muito ruim, me dá um dó de você, ainda é criança e passando por algo tão espinhoso, mas sempre que precisar pode vir ficar comigo. - ela segura minha mão me olhando com afeto.
Agradeço sentindo a sua sinceridade, dona Maria realmente se importa e quer ajudar. Depois que como, ela me aconselha a ir para casa e obedeço querendo evitar levar bronca.
- Apareceu! Onde estava? - Jéssica questiona assim que me vê.
- Com a dona Maria, estou encrencada por ficar fora?
- Fica tranquila que nossos pais não perceberam sua falta, estavam ocupados. Vem me ajudar - minha irmã está com um saco juntando o lixo espalhado na sala.
- Está bom - suspiro e vou para cozinha lavar a louça.
Não consigo entender a razão da festa de ontem, foi uma péssima ideia que resultou só em sujeira e confusão.
Minha mãe entra no cômodo, silênciosa põe água no fogo para preparar o café, o semblante cansado revela a noite mal dormida, diferente de ontem, está apagada, triste, e o vermelho em seu rosto não é do batom.
Queria tanto viver numa casa com pais que se tratam bem, são carinhosos um com outro, um lugar sem todos essas brigas, gritos e palavrões, e nunca mais ver minha mãe machucada.
Parece ser um sonho bobo e impossível de acontecer, a realidade é cruel, nada é como eu quero.
Oii, esse foi mais um capítulo.
A Tati ficou doente, o desejo de perder peso que considerava normal, no fim foi nocivo.
O que pensam sobre isso?
(Sobre a doença da Tati : o que está escrito aqui é de caráter informativo e não substitui as orientações de um médico.
No próximo Capítulo, tem mais detalhes sobre os perigos de chás e remédios para emagrecer)
E o jeito que o Fábio tratou Luísa no churrasco, todos viram e ficaram calados. Será que foi uma atitude certa?
Dona Maria tem sido um amor com a Marcela.
Não se esqueça de deixar seu comentário e estrelinha 🌟
Até mais 😘
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