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16 Dores Do Coração

Sopro o copo na esperança de esfriar mais rápido o chá de camomila, lembro de dona Maria dizer que também era bom para aliviar cólicas.

Sem querer causar uma guerra em casa por simplesmente ser mulher e viver o período menstrual, por mais que a dor na minha barriga, e o peso na minhas pernas, me deixem com vontade de passar o dia todo deitada, não reclamo de nada.

Minha mãe, com o olhar distante mastiga sem vontade o bolo de fubá que fez ontem de tarde, a expressão pensativa denúncia a mente perturbada por pensamentos, vez ou outra murmura palavras inteligíveis, Fábio saiu sem se quer tomar café, ou dirigir a palavra para nós.

Acabo de beber meu chá e vou para quarto pegar minha mochila, saindo do banheiro, já com o rosto iluminado por maquiagem minha irmã pede para mim esperar.

— Toma —  Jéssica, mesmo com o tom seco está sendo fofa, me dá um pacote de absorvente, agradeço com um sorriso

A manhã nublada, esconde o sol com suas nuvens, ainda sim está bastante calor, como de costume Dona Maria cordial conversa comigo até o ônibus chegar.

O percurso para escola é preenchido pelas conversas minha e dos meus amigos e, sentada perto de Felipe, entre um assunto e outro Tatiana, Bianca e eu falamos sobre tratamentos caseiros para pele, Tati comenta que sabe fazer um creme de arroz ótimo em tirar manchas.

— Tenho que parar de andar um pouco com vocês — Felipe suspira insatisfeito.

Nós não estamos a fim de falar de anime ou videogame, e ele não quer saber de rotina de skincare, às vezes ser o único garoto do grupo traz essas incompatibilidades.

— Para de reclamar, sem nós você não consegue viver. — zombo.

— Para viver só preciso de ar — responde com desdém

— Chato — empurro de leve com o ombro.

— Está cheio de graça hoje, Felipe — Tati observa-o com desaprovação.

— Aiai, eu sei fazer skincare — o garoto provoca imitando de forma cômica e exagerada Tati

— Haha ficou igualzinho — Bia cai na gargalhada

E assim seguimos para escola, rindo e zoando, para nossa alegria a primeira aula é de Artes, hoje a professora leva a turma para sala de vídeo.

— Amâncio Mazzaropi era muito talentoso e atou em vários campo da arte, foi humorista, cantor, artista de circo, rádio, teatro, televisão e cinema. — procurando na sua bolsa o dvd, a professora Silvia conta sobre o filme trouxe. — Fundador da PAM, sigla para Produções Amácio Mazzaropi, produzia e distribuia suas obras, e dessa forma eternizou a imagem do caipira no cinema. O homem do campo simples com suas dificuldades e pequenas vitórias, deu grande sucesso a Mazzaropi pela identificação com o público.

Após certa dificuldade em mexer no aparelho consegue colocar A Tristeza do Jeca, para assistirmos, aulas em que não passamos a maior parte escrevendo no caderno, são sempre as melhores, principalmente hoje que a professora pegou emprestado o próximo período, que seria de matemática.

Tento me concentrar, afinal depois, além de explicar a importância de Mazzaropi para arte brasileira, preciso entregar uma resenha do filme, no entanto é muito difícil.

No silêncio inquieto pelos cochichos e risos, em meio a penumbra da sala de vídeo, Matheus cheio de intimidade com Sabrina, tem toda minha atenção, a única coisa que consigo pensar é o que ele vê nessa barbie falsificada? 

Ao mesmo tempo que fico irritada, queria estar no seu lugar e ter os olhares, os sorrisos, as palavras do Matheus só para mim.

Quando o filme finalmente acaba e a professora nos libera, fico enrolando anotando aleatoriedades no meu caderno, ao ver Matheus se levantado, ando também em direção à saída, sem querer a gente se esbarra próximo a porta. O toque suave e desastrado do seu corpo no meu me faz arrepiar, porém não tenho tempo de curtir sua próximidade.

O choque, por ele inesperado, acaba derrubando minha mochila e para o meu desespero alguns absorventes saem de dentro.

— Desculpe, eu ...— para de falar observando o item de higiene

Me agacho rápida para pegar, contudo alguém chuta a mochila fazendo os absorventes se espalharem pela sala.

— Que nojo, a Marcela está sangrando — Luciano zomba.

— Maria Sangrenta — Henrique e seus seguidores imbecis cantarolam rindo.

— Parem de ser idiotas, menstruar é super normal. — ouço Tati intervir.

Desisto de juntar os produtos íntimos e me levanto saindo rápida para a biblioteca, meu rosto queima de vergonha e tenho vontade de desaparecer.

— Miga você está bem? — Bia me alcança.

— Que ódio do Luciano, ele é um estúpido — diferente da raiva que sinto, minha voz sai trêmula.

Bia e Tati, tentam me acalmar dizendo que apesar da situação vexatória, é completamente comum, aqueles moleques que são babacas, sei que estão certas, contudo não diminui a sensação horrível que os risos e provocações causaram, ainda mais na frente do Matheus.

Que dia horrível.

O vazio da biblioteca guarda nossos sussurros, enquanto estamos sentadas no chão da última estante, o sinal do intervalo toca e Tati sai para comprar algo para gente comer na cantina.

— Me diz o que aconteceu ? Você está diferente — questiono Bia assim que ficamos sozinhas.

— Agora você quer saber ?

— Não entendi, está irritada comigo?

- Ah Marcela, eu mandei mensagem, te liguei, insisti para falar com você e fui completamente ignorada - Responde de forma causadora.

- É isso, já te falei que a minha mãe confiscou meu celular como castigo. O que queria me contar? - Fico curiosa.

Respira fundo me olhando com tristeza, seu semblante fica subitamente sombrio.

- Eu vi o Léo com outra - Despeja de uma vez.

- Bia... Sinto muito

Inquieta ela passa a mão pelo rosto, o chão de repente se tornou muito interessante e olha para baixo evitando me encarar.

- Não fala para Tati, ela tinha razão, quando fui irritada pedir explicações, o Léo disse que não tínhamos compromisso e que só ficou comigo, porque tenho peitões, mas que foi perda de tempo já que me neguei transar. - sua voz sai falha, em cada palavra dita com dificuldade dá para ver a dor que sente. - Eu achei... achei que ele gostasse de mim.

Envolvo minha amiga num abraço apertado, com a segurança do seu corpo junto ao meu Bia solta o choro que estava prendendo.

- Estou com tanta vergonha por ter sido tão burra, agora estou com nojo de mim por deixar ele me tocar, me sinto tão suja. -Ouço seu lamento angustiado, passando a mão por sua costas tentando lhe trazer consolo.

Não sei o que dizer para diminuir o seu pranto, então fico em silêncio, tudo o que quero é arrancar a angústia que está sentindo.

- Vem, vamos lá no banheiro lavar o rosto para você se sentir melhor - Conduzo-a pela mão assim que consegue se acalmar.

- Mesmo se corresse uma marotona agora não ia me sentir bem - Bia suspira fazendo um beicinho, e me seguro para conter o riso.

- A gente vai encontrar a Tati e o Felipe, e você compra uma barra enorme de chocolate. Amigos, risadas e doces também trazem sensações de bem estar. - Tento apaziguar a situação, essa é por hora a melhor atitude.

- Obrigada - Agredecida me lança um sorriso triste

Na quadra me aproximo de Júlia e Gabriel sentados na arquibancada, o professor Nelson, depois de nos colocar para treinar vôlei, numa fracassada e patética partida, os ultimos minutos  restantes da aula para gente ficar a toa.

Júlia bate os pés sutilmente no ritmo da música que vem dos seus fones e Gabriel está entretido escrevendo algo no seu caderno, ao me ver, a garota sorri.

- Pronta para conhecer música de verdade? Tem que escutar Legião Urbana, The Mission, Bauhaus, The Cure. -Com animação Júlia pega seu celular colocando umas canções em inglês para tocar, contudo elas rodam no aplicativo com legenda, então vejo o quanto as letras são poéticas, falam de amor e das desilusões da vida.

Não tenho certeza se exaltam a esperança ou a morte, porém certamente contam sobre a tristeza de existir, são críticas para fazer a gente pensar e questionar, é como Pais e filhos do Renato Russo.

- Essas são minhas favoritas, mas minha paixão é The Cramps, a banda foi criada pelo icônico casal Lux Interior e Poison Ivy, que chocavam por serem apaixonados e excêntricos - Júlia muda a canção.

- É a banda predileta da sua mãe?! - recordo da nossa conversa.

- Você lembra - Ela sorri para mim com carinho

- Já contou para ela?! Você parece uma fanática religiosa, não perde a oportunidade - Gabriel debocha.

- É claro que falei, é uma banda maravilhosa, The Cramps foi um sucesso, as suas letras debochadas e originais de humor duvidoso falando de monstros, sexo, carros, filmes de ficção científica foram começo para o um novo estilo musical, o psychobilly. - a garota se explica enquanto a música toca, não pensei que The Cramps tinha esse jeito barulhento, acelerado e até agressivo de tocar, e me surpreendo.

- Já ouviu a palavra de The Cramps hoje? Venha se converter ao rockabilly e adore a nossa deusa guitarrista Poison Ivy. - Querendo zombar da amiga Gabriel faz uma ridicula voz feminina, não tenho referências do que diz, contudo caio na risada com a péssima imitação.

- Para Biel, você é um imbecil - Júlia rindo bate no garoto.

- Ma vem cá, a gente precisa de você para falar sobre o grêmio. - Felipe se aproxima de nós me chamando.

- O que tanto conversa com eles? - Tati é grosseira.

- Nada importante, só estamos tentando roubar a alma da sua amiga através de músicas satânicas. - Com o rosto pacífico Júlia fala com naturalidade.

Até mesmo Gabriel se espanta com a resposta, o garoto tosse engasgado com o bala que tinha na boca, rindo da sua ironia afasto meus dois amigos tentando convencê-los que foi apenas uma brincadeira. O humor de Júlia é diferente.

Não consigo entender como podem acreditar que ela é perigosa, tudo o que vejo quando olho para Julia é uma garota estilosa, com essa saia xadrez preta e vermelha, o delicado colar de crucifixo e o delineado perfeito de gatinho, tudo que é que linda e não maligna.

Para o meu azar Sabrina está com Bia, eles resolveram incluir
a loira na nossa chapa, ignorando totalmente minha opinião sobre o assunto.

Ela está se infiltrando no meio de nós como um aroma fétido, invisível, impregnado em Bia, Tati, e Felipe, no entanto só eu consigo sentir.

- Fico feliz pelo convite. Vai ser bom participar com vocês - Isa sorri gentil, ela é simpática, e não entendo como consegue aguentar a loira cobra.

- Nós temos alguns projetos já - Com empolgação Felipe explica as propostas que criamos.

- Minha tia Lurdes faz parte de um grupo de mulheres católicas que ajudam familias carentes com cesta básica, podemos fazer algo igual, com arrecadação de alimentos e agasalhos para ajudar a comunidade. - Isa dá a ideia.

Mexendo no celular a cacheada mostra com orgulho uma foto das Filhas de Maria, todas as mulheres estão de vestidos, tem expressões sérias, com os cabelos presos em coque. Reconheço a senhora da igreja falando sobre como mulheres de maquiagem e roupa curta vão para o inferno, é ela a tia de Isa, não deixo de me surpreender em como aquela pessoa preconceituosa faz obra de caridade.

- Nós podíamos fazer competições entre as salas, numa espécie de gincana do bem, e quem arrecadar mais ganha um passeio, sei lá. - Bia propõe.

Para alegria da Tati e minha, Matheus e Danilo se aproximam, porém com a chegada dos garotos o foco da conversa muda para coisas bobas e aleatórias.

Com um sorriso bonito Danilo conta como o que era para ser castigo se tornou uma diversão, o garoto aproveitou os dias de suspensão jogando videogame e dormindo até tarde.

- Aiiih - de repente Tati se contorce soltando gemidos de dor.

A garota abraça a barriga se abaixando com uma expressão de sofrimento, em meio aos lamentos diz estar com fortes pontadas e para o nosso espanto simplesmente cai inconsciente no chão.

Oii, obrigada por sua leitura, fico feliz de ter você aqui ❣️

Leonardo magoou a Bia, esperavam por isso? O que pensam da atitude dele?

Tati passando mal, o que será que ela tem?

Deixe seu comentário e estrelinha.🌟

Até mais 😘

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