O caos reina, no meio dos gritos, conversas e risadas, aviõezinhos de papel são lançados no ventilador e atirados por toda a parte.

É aula vaga, porém não temos permissão para ficar no pátio, então a sala virou essa algazarra, alguns riem da bagunça, outros estão distraídos usando o celular.

A turma de moleques no fundo lidera uma guerrinha de bolas de papel, Léo e Danilo correm e usam cadernos como escudo.

Matheus também está envolvido, com um tubo de caneta joga pedaços de papel, mastigados e cheio de baba, nos seus amigos.

Se fosse qualquer outra pessoa ia dizer o quanto isso é nojento, uma atitude infantil ridícula, de um garoto bobo, bagunceiro e meio encrenqueiro, entretanto seu sorriso me tira a razão, é confiante e um pouco arrogante, de quem sabe que é gato e não esconde.

Alguma coisa exala de si, e não estou falando do delicioso perfume que usa, toda vez que passa perto de mim da vontade de cheirar seu pescoço e ficar agarradinha nele, e sim do brilho que possui e me atrae.

Quer dizer, atrai várias garotas, não as culpo, esse seu jeito brincalhão é seu charme.

Deixo de olhar o garoto dos meus sonhos para ouvir o que minhas amigas estão conversando.

- Perceberam o quanto ela é sinistra? -Sabrina com sua voz irritante sibila.

Não entendo o motivo de estar sentada com a gente, foi a Tati que convidou, agora parece não consegue viver sem ela. Em um outro canto da sala vejo a Isa rindo com outras garotas ao seu lado, talvez a Sabrina e a cacheada não sejam tão amigas quanto pensei.

-Verdade, sempre isolada, quieta. - Bia concorda

- Quem? - Fico curiosa

- A Júlia, é claro. Vai dizer que nunca reparou como ela é estranha? - Questiona Sabrina.

- As roupas que usa, a cara de brava, e não conversa com ninguém - Tati embarca nas suas ideias.

- Talvez ela seja tímida, só isso - Explico.

- Estão tentando brincar com ela, Júlia que não se enturma- Bia olha os meninos na guerrinha de bolinhas.

- Brincando?! Para ser brincadeira todos tem que achar engraçado, é óbvio que ela não está gostando. - Tento mostrar o quanto Júlia parece incomodada, principalmente, porque atiram bolas de papel nela de maneira proposital, mesmo estando nítido que não está a fim de participar.

- Porque é uma chata- Sabrina me interrompe - Fica lá no canto observando todos nós para depois escolher quem será sua próxima vítima.

- O quê?- Ficamos espantadas.

- Esse jeito silencioso, atento, distante é de alguém perigoso, alguém que está tramando coisas horríveis. - A voz de Sabrina é baixa em tom de mistério, como quem conta uma história de terror.

- Meu Deus, será? - Bia está assustada.

- É sim, fica ali no canto dela tramando alguma coisa, analisando cada um de nós, é uma psicopata, talvez até se torne uma serial killer. - Expõe sua opinião maldosa.

Começo a rir alto sem me controlar, elas me encaram com olhares abismados.

- Isso é tão absurdo que só pode ser piada. Não percebem a idiotice que estão dizendo?!

- Não parece nenhuma bobagem, Júlia é mesmo esquisita.- Tati discorda, embarcando nas ideias cruéis da loira.

- Vocês podem até achá-la esquisita, mas próxima vítima, perigosa, sério? Isso é preconceito, é errado começar a acusar alguém apenas por ser diferente.

- Falou a defensora dos estranhos oprimidos - Sabrina zomba - Não preciso do seu sermão, guarde-o para puxar o saco da professora de sociologia.

- Mas precisa se tocar do quanto está sendo idiota, devia ter vergonha de ficar falando essas coisas horríveis dos outros.
- Confronto-a

- Porque está chateada, fofa? Ela é sua amiguinha. - Me pergunta com os olhos faiscantes de provação.

- E se for, o que te interessa? Ela é mais legal que você.

- Aquela esquisitona feia não é melhor que eu em nada. - Discorda ofendida.

- Vocês duas parem, que coisa mais boba discutir por causa de alguém tão insignificante. Quem repara na Júlia? - Bia intervém. - Eu estou no grupo de mensagens da sala. - Começa um novo assunto.

- Aquele chato que os professores contam sobre as provas, tarefas e mais outras coisas entediantes? - Questiono, apesar de ser útil.

- Não. O grupo dos alunos, mas não todos, só os melhores. - Sabrina cospe superioridade.

- Me adiciona por favorzinho. - Tati num tom manhosa pedi para Bia.

- Vou falar com o Léo...se ele te colocar vai conseguir o conversar com o Danilo, ele também é integrante. - Bia cochicha para Sabrina não ouvir.

- É claro que é - Tati tenta disfarçar sua animação, imagino que deve estar pensando em como fazer ele se apaixonar por ela.

No grupo da sala teve a coragem de mandar mensagens no privado para o garoto, porém o papo não fluiu, então Tati disse que foi sem querer.

Agora participar desse grupo pode ser a oportunidade de fazer amizade com Danilo de forma natural e conquistar seu amado.

A contra gosto admito que essa também pode ser a chance que estava esperando, se me juntar com as famosinhas vou ser popular e ter a atenção do Matheus.

Num suspiro de derrota me preparo para pedir para participar do grupo, ser um dos melhores, mesmo que signifique estar mais perto da loira, antes de falar, o barulho do fundo fica maior com uivos, a gente presta atenção para entender o que causou esse alvoroço.

Luciano zomba de Júlia, sem demora seus amiguinhos se juntam xingando a garota de nojenta, peluda.

Com o incentivo da sua corja, gargalhando levanta os braços jogando bolinhas de papel na garota que permanece quieta, reparo nas suas axilas, dá para uma trança maior que os cabelos da Rapunzel, entretanto ele não está sendo humilhado por isso.

Nos garotos o pelo é normal e nas garotas é falta de higiene, nojento e motivo de deboche? Bando de hipócritas.

- Calem a boca seus ridículos!! - Isa grita irritada. - Parecem uns lobisomens de tão peludos, não têm moral para falar nada.

- Ah, Isa para! Porquê defender essa esquisita? - Sabrina reclama com a amiga.

- Você é mó gostosa paixão, mas calada fica melhor - Luciano fala recebendo palmas de parabenização dos colegas imbecis.

- E você é um otario, vai se ferrar! - Isa está furiosa.

- Cuidado ao falar comigo, ou vai se arrepender - Luciano ameaça.

- Falo como eu quiser, não tenho medo de um bebê chorão. Está zoando a Júlia só porque ela não quis ficar com você, é apenas um covarde que não sabe ouvir um não - Isa enfrenta Luciano.

- Vou quebrar sua cara vadia - Luciano fica irritado por se tornar o novo alvo das provocações.

Movido pela ira dispara em direção à cacheada derrubando tudo pelo caminho, até mesmo seus amigos que tentam contê-lo.

Transtornado o garoto só para ao receber o soco desferido por Danilo.

- Na minha frente você não bate em mulher.

O inferno se instala na sala, é uma confusão, gritos de pavor se misturam com as vozes incentivando a briga, enquanto Danilo e Luciano estão atracados na porrada.

Todo esse baralho e desordem me deixam atordoada, imagens do meu pai xingando furioso se fundem com esse pandemônio.

Uma urgência de fuga me invade, intensificando as batidas agitadas do meu coração.

Preciso sair daqui!

Tropeçando nas cadeiras derrubadas no chão corro para fora da sala.

O pátio está vazio, silencioso, muito diferente do intervalo, quando o som e o movimento das pessoas aglomeradas lhe dão vida. Sento em um dos seus bancos coloridos de concreto e aproveito o sossego para acalmar minha respiração alta e entrecortada.

Aos poucos consigo me sentir melhor, me levanto e sigo para o banheiro, dentro da minúscula cabine, vejo a parede da porta toda pichada com palavrões, garotas xingando uma a outra e desenhos obscenos, tudo para criar um clima relaxante na hora de fazer xixi.

Pessoas entram no banheiro, vozes conhecidas começam uma conversa baixa.

- Porque você fica calada? Porque não faz nada? - Isa está exaltada.

- Eu não me importo. Essa merda toda não me interessa, logo a escola vai acabar e nunca mais vou ver esses idiotas. - Seu desprezo é evidente.

- Não sei como aguenta, eles são horríveis - Isa está com voz choro.

- Está tudo bem - O tom de Júlia é doce, consolador e pelo vão da porta consigo ver as duas unidas num apertado abraço.

Nunca pensei na Isa brigando para defender a Júlia, será que apenas ficou cansada de ver a garota sendo maltratada todos os dias, ou talvez já estivesse irritada com a chatice do Luciano.

Contudo ainda tem essa conversa sussurrada parecia algo pessoal e não era ninguém ter ouvido. Será que fora da escola são amigas?

Depois que saem ainda permaneço por uns instantes, não quero dar a impressão que estava espionando.

Do lado de fora me deparo com um Danilo de cara inchada sangrando, encaro-o espantada.

- Você tem que ver como ficou o Luciano - Tenta ri, porém só faz uma careta de dor.

Se fosse num dos meus livros agora eu o levaria para enfermaria da escola, contudo essa é a vida real, então acompanho o garoto até a biblioteca, dona Terezinha deve saber o que fazer, confio nela.

- Aqui está, cuide dele você, eu tenho que tombar os livros novos que chegaram - Me entrega a caixa de primeiros socorros, e volta a marcar as páginas dos livros com o carimbo da escola.

Com cuidado limpo a sobrancelha de Danilo que estremece e murmura a cada toque.

- Calma, é só um corte superficial, você vai sobreviver - Brinco com a situação.

- Está ardendo - Ele protesta recuando com o corpo.

- Quieto, é preciso passar o antisséptico para não infeccionar. - Repreendo o garoto, coloco mais remédio na gaze e pressiono no machucado

Seus olhos encontram com os meus, a escuridão do seu olhar me captura, perco a concentração na minha tarefa sendo engolida por essa imensidão negra.

- Já acabou? - Danilo pergunta, então noto que estou com a mão parada no ar apenas encarando-o

Sinto minhas bochechas quentes de vergonha, abaixo a cabeça para evitar o contato visual, mexendo na caixa encontro curativos, com delicadeza coloco um band-Aid em seu ferimento.

- Agora sim - Afirmo satisfeita.

- Um rapaz tão bonito se metendo em encrenca. - Lamenta dona Terezinha.

- Foi por um bom motivo, Luciano é repugnante, totalmente sem noção queria bater na Isa - Defendo Danilo e vejo um pequeno sorriso surgir nos seus lábios.

- É o mocinho da história?! Você tem mesmo cara de bom rapaz, mas chame o inspetor, não entre em brigas - A senhora pondera.

Com calma organizo o kit de primeiros socorros e entrego a dona Terezinha, agradecendo por sua ajuda.

- Vou ir para sala, boa sorte com o diretor. - Me despeço de Danilo e volto para classe.

A professora substituta que encontraram, tenta acalmar os alunos sem sucesso, a sala ainda está alvoroçada falando sobre a briga entre o Danilo e o Luciano, meus amigos e eu também.

- Será que o Luciano quis mesmo ficar com a Júlia ? Ele é tão gato. - Tati questiona incrédula

- Eu não sei, mas gravei tudo, vou mandar para o Felipe, ele pode faltar, porém não vai perder essa treta. - Bia não desgruda do celular.

- A gente sabe que o Luciano é um babaca, mas nunca pensei que ia bater numa mulher, ainda bem que o Danilo estava aqui, foi um herói - Tati suspira apaixonada.

- E pensar que toda confusão começou por algo tão bobo, ele não tem nada que se meter na vida da Júlia. O corpo é dela e daí que se depila ou não. - Falo sem acreditar no quanto algo tão simples quanto pelos criou toda essa encrenca.

- Credo mulher peluda é feio... -Sabrina faz cara de nojo. - Se Júlia não quer ser xingada devia se cuidar mais, se vestir melhor, aí ninguém ia zoar ela.

- Que tal se a gente aceitar ela do jeito que é. - Protesto irritada - As pessoas deviam ser respeitadas independente da aparência.

- Você fica aí falando como fossemos fúteis e horríveis, mas nos filmes e até nos livros que lê, as feias e nerds mudam a aparência para serem aceitas. - Tati fica ofendida

- É mesmo, elas passam a usar maquiagem, roupas estilosas, para conseguir ter namorado e amigos. -Bia vai na onda.

- E...eu não tinha notado que era desse jeito - Murmuro envergonhada.

- É mais fácil apontar o dedo do que olhar para próprias atitudes, isso é falsidade, fofa. - Sabrina me dá o golpe final.

Fico muda, afinal elas tem razão, os clichês que adoro são sempre desse jeito, basicamente ensinam que a receita para ter o final feliz é alisar o cabelo, deixar de usar óculos, ficar magra.

Sou uma contradição, sempre ajo diferente do que acredito, não faço o menor sentido.

Sou uma completa hipócrita.

Oii, obrigada por sua leitura.
Tenho um grande carinho por cada um que está acompanhado essa história ❣️

A Sabrina está aparecendo mais e mostrando quem é. O que acham dela?

Ainda tem a Júlia, concordam com a forma que ela é tratada?

Danilo e Luciano brigando. Quem será que tem razão?

A Marcela se acha hipócrita, será que realmente é?

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Até mais 😘