1 E O Meu Clichê
- Bom-dia menina Marcela - Dona Maria para de varrer a calçada para me cumprimentar.
- Bom dia, tudo bem?
- Eu estou bem, quem está mal é Lurdes, vi quando a coitadinha saiu de ambulância ontem - animada me conta tudo o que sabe sobre o assunto, se bobear, fico até a noite aqui e ela não para de falar.
- Marcela você passou outra vez meu creme ?! Que droga já falei para não usar ! - Jéssica sai de casa vindo até mim irritada.
- Foi apenas um pouco - tento me defender.
- Você é muito enfezada. Uma moça tão linda, tem que aprender a dividir, ser boa - Dona Maria intervém a meu favor -A irmã mais velha precisa cuidar da menor.
- Tchau, nós não podemos perder o ônibus - apressada Jéssica me puxa pelo braço para evitar levar um sermão.
- Ouviu a dona Maria, você tem que dividir suas coisas comigo, sua irmãzinha. - provoco rindo enquanto me arrasta até o ponto.
- Cala a boca, não tenho que dá atenção aquela fofoqueira. Não vou te emprestar nada, se quiser creme de cabelo trabalha e compra como eu - Jéssica às vezes é manicure e babá, adora jogar na cara que tem serviço.
- Será que alguém me paga para ler livros? - penso alto, esse é meu único talento.
Sou deliberadamente ignorada, então também finjo estar só, assim que a condução chega Jéssica entra e fica junto de garotas igualmente maquiadas, e bem vestidas, negando minha presença.
- Ma, aqui miga - Bia ergue a mão me chamando, sentada do seu lado Tati arruma os cabelos usando o celular de espelho, então me sento na frente com Felipe.
- Chegou a esquisita - com sua voz enjoada de Sabrina xinga Júlia - Está olhando o quê ? Aqui não tem espaço para gente feia - provoca arrancando risos das garotas do seu lado.
Em silêncio Julia busca onde sentar, alguns fazem cara feia para evitar dividir o lugar, porém Gabriel com um gesto amigável oferece o banco do seu lado.
- Porque fazem isso com ela? - sussurro.
- Júlia é mesmo estranha... Que roupas são essas?! - Tati faz uma careta de desaprovação.
- O que tem de errado? - discretamente sondo o jeito que está vestida, usa um moletom preto grande e muito largo, parecendo um vestido em seu corpo, com uma meia fina toda rasgada.
- Estamos indo a escola não a um funeral, é toda sombria. - Tati critica.
- Disse certo, escola e não desfile de moda. Porque se preocupa tanto com a roupa. - Felipe repreende Tati com desdém.
- Parem de falar da esquisita, tenho um assunto melhor, já viram como o Léo está lindo com esse novo cabelo - o olhar de Bia viaja até o garoto com as laterais da cabeça raspada que destaca no topo o volume dos castanhos fios ondulados.
Leonardo percebe a gente olhando e sorri para Bia num cumprimento rápido, e volta a conversar com os amigos.
Bia não consegue disfarçar o sorriso bobo por ser notada por ele. Que sorte tem, meu desejo é o Matheus me notar, contudo ele conversa com Leonardo e Danilo sem perceber minha existência.
- Esse cabelo combinou com ele, mas o Danilo é mais gato. - Tati exalta sua paixão.
- Para mim o Mateus é o mais bonito. - suspiro.
- Vocês só pensam em homens. - Felipe resmunga indignado.
Talvez ele tenha razão, contudo não consigo deixar de me fascinar com o jeito que Matheus interage com os amigos, a forma que mexe nos cabelos, os olhos apertados quando ri, o som da sua risada é minha música preferida.
Ir a escola é menos chato sabendo que vou encontrá-lo, apenas o fato de estarmos na mesma sala torna meu dia melhor, porém sua presença não é o suficiente para me ajudar a enfrentar essa aula de Física, com ininteligíveis equações de escala termométricas, não entra na minha cabeça como converter Celsius em Fahrenheit.
Tento me concentrar no professor, contudo falho miseravelmente, porque na minha frente esta Sabrina fazendo charme para o meu Matheus, que não se importa com os toques e a proximidade da loira.
- Hahaha, você é tão engraçado. Te adoro, sabia. - ela ri alto, com sua voz melosa.
É tão irritante vê-la desse jeito se jogando em cima dele, entendo que o Matheus faça sucesso com as garotas, é lindo, popular.
Entretanto, porque tem que ficar dando atenção para essa nojenta ? Para mim nós dois combinamos mais.
- Gente vocês tem que ir comigo hoje passar a tarde na cachoeira, meu tio dá carona - Isa convida os amigos entusiasmada.
- Um dia eu vou sair com eles, e vai ser o próprio Danilo a me chamar, vamos curtir o passeio de casal. - Tati afirma com uma confiança admirável.
Percebo que não somos a unicas escutando, olhares e ouvidos ligados espionam o grupinho conversando.
Sinto vontade de estar com as famosinhas também, com certeza assim o Matheus ia me ver, me desejar, porém não sou nada popular, estou mais para completamente comum, e o que é normal não se destaca.
- Adoro Educação Física - Bia caminha saltitante enquanto descemos para quadra.
- Eu não, depois a sala fica podre com tanto fedor de chulé e cecé - Tati estremece fazendo uma careta engraçada.
Concordo com ela, além dessa questão olfativa, essa é a matéria em que mais tenho nota baixa.
- Também não gosto dessa aula. Me sinto desajeitada e envergonhada quando tento praticar esportes, sem dizer que diferente de você, Bia, sempre sou a última a ser escolhida para jogar. - confesso entristecida.
- Lógico, parece que tem medo da bola. - Felipe reclama.
- É claro que tenho! Levei uma bolada no estômago que só de lembrar me falta o ar - recordo do jogo de vôlei na semana passada. - Ainda acho que a Sabrina me acertou de propósito.
- Que isso?! Você que é ruim e não soube desviar. - Tati descaradamente defende minha agressora.
- Verdade, acho que a Sabrina não perderia tempo fazendo isso. Você que implica com ela... - Felipe fica contra mim.
- Com certeza é paranóia minha, ela é um doce, sabe quem também é um anjo.... Lúcifer, e é o diabo. - continuo - Ainda fiquei sendo zoada por não conseguir dar passe, fazer toque, manchete...nada. E as pessoas da meu time ficaram bravas comigo.
- Fiquei bravo mesmo, você fez a gente perder. - Felipe resmunga, é bastante competivo.
- Que bobagem isso de ganhar ou perder, o jogo aqui na escola é apenas para aprender e se divertir. - Bia ama esportes, não entendo como consegue.
- Não acho divertido. Não importa qual seja o jogo, sempre fico toda confusa correndo na quadra sem saber para onde ir, que atitude tomar, atrapalhando os outros, sendo motivo de riso e raiva. Então detesto fazer educação física! - assumo meu fracasso.
- Quanto exagero - Tati zomba da minha infelicidade.
- É ótimo praticar exercícios, durante a atividade física o corpo libera hormônios de bem estar, o que faz a gente ter boa autoestima, se sentir confiante, também ajuda a controlar o peso, melhora o desempenho escolar. - Bia dá uma de professora, é defensora da vida fitness. - E toda prática de atividade física previne doenças, dá energia e disposição.
- E você quer ser alegre e confiante para conquistar o Léo... - Tati insinua.
- Tatiana! - Bia protesta ficando corada - Jogo futebol porque gosto, não é por garotos.
- Sei, mas você adorou que agora tem atenção do Léo e dos outros... - Tati fala empurrando-a de leve com o quadril.
- Você não tem jeito! - Bia cruza os braços em frente ao corpo escondendo os seios que cresceram.
Antes mesmo de pensar em alguma desculpa para escapar, o professor Nelson vem determinado a dar aula de verdade, coloca todos nós para fazer alongamento.
- Vamos pessoal, tentem por a mão lá no pé, pernas esticadas. Isso, sem preguiça! Vocês conseguem. - a voz alta e grave enche toda quadra, sua forma de incentivo é estourar nossos tímpanos.
Nessa posição exposta, sinto a vergonha tomar conta de mim, quem pode acreditar que exercícios são bons ? Bom é ficar no sofá lendo livro.
Depois de alguns alongamentos e polichinelos torturantes, somos obrigados a correr pela quadra, na quarta volta já começo a me perguntar que mal fiz a Deus para merecer esse castigo.
Prefiro estar em sala respondendo a apostila, ou livre para ficar sentada sem participar de nada, todavia estou aqui, ofegante, suada e sentindo a garganta queimar de tanta sede.
Inclinada com as mãos apoiadas nos joelhos busco o ar, cada pedaço do meu corpo está dolorido, do meu lado percebo Luciano me olhando com insistência.
- Que foi? Está me encarando porque? - arfo irritada.
- Calma, paixão. Estou só analisando uma coisa e oh, está de parabéns - um sorriso indecente brinca em seu rosto.
- Idiota - resmungo com desdém.
Se me ouviu não se importa, pois não esboça nenhuma reação, talvez Luciano já esteja acostumado com o fato de ser um inconveniente empenhado em perturbar os outros.
- Circulando pessoal, Marcela não para - o professor assopra seu apito insuportável.
- Não, cansei fessor. Estou morrendo,
se eu der mais uma volta caio desmaiada - recuso sincera, sob sua expressão incrédula continuo - Estou com dor no peito, palpitação, e se eu ter um infarto? A culpa vai ser toda sua.
- Está reclamando porque é uma preguiçosa, mas é melhor mesmo parar é tão feia que parece um espantalho correndo pela quadra. - Sabrina não perde a oportunidade de me ofender.
Alguns riem de mim pela idiotice que a loira sibilou, outros protestam comigo pedindo piedade ao professor
- No meu tempo não éramos molengas assim, essa juventude está perdida. Podem ficar com esses minutos livres - é vencido por nossos apelos e choro
Não penso duas vezes e me sento nos largos degraus da arquibancada, longe da confusão de bolas perdidas, acima de mim no último degrau, vejo Júlia, sozinha, com fones de ouvidos, sorrio-lhe solidária, entendo o que é querer silêncio e fugir dos esportes, ela apenas me encara séria.
Sem graça volto minha atenção à leitura. No livro, De repente é você, Carly está no colegial, na história esse é o momento do verdadeiro amor, paqueras, festas, noitadas, bebedeiras, o baile de formatura com a eleição da rainha.
O Harry é o jogador de basquete, meio burro, que precisa de aulas particulares com Carly, graças a isso a nerd, que se sente invisível, é finalmente notada pelo popular. Os dois tornam- se amigos, ganham intimidade, uma paixão avassaladora surge entre eles, namoram e vivem felizes para sempre...
Quando vai chegar meu clichê?! Esse questionamento me faz encontrar Matheus conversando com Danilo, hoje ele está ainda mais lindo de moletom vermelho, sua pele alva com a cor do amor me faz vê- lo como um anjo, o cúpido. Um poema surge na minha mente, Matheus me inspira.
Meu anjo de amor
Meu cupido
Acertou-me o coração com sua flecha, agora vivo pelos cantos suspirando perdida em paixão.
Belo anjo dos olhos cor de mel, quero provar o néctar dos seus doces lábios e ir ao céu.
Subitamente os olhos negros de Danilo flagram os meus, envergonhada volto a atenção para o meu livro, onde posso me desconectar dessa realidade maçante que insiste em não ser do jeito que quero.
O ensino médio em livros e filmes é empolgante, a época mágica de festas, namoro, baile de formatura, a escolha da rainha, o anuário.
Contudo minha vida está bem longe de ser assim, a Escola Municipal Antonieta da Conceição, é uma chatice, não tem líderes de torcida, ou salas ambiente, também não tem laboratório de química para fazermos espumas coloridas ou bombas de fedor.
Sem dizer que o uniforme, é só uma camiseta verde horrível com o nome da escola, ainda bem que o uso não é obrigatório.
Sei lá o que esperava... Achei que assim que eu estivesse no colegial, algo mágico ia acontecer, tudo ia mudar.
Entretanto o primeiro colegial está pior, com mais matérias novas e difíceis, mais professores exigentes e chatos, cobrando um bom rendimento, mais provas, tarefas, trabalhos, e a pressão de decidir qual faculdade fazer, no que trabalhar, ter um rumo.
Olho para o Matheus do outro lado da quadra, como será que vai estar daqui uns anos? Com certeza nunca vai saber quem sou.
Essa é a minha chance de aproveitar, de deixar de ser invisível, tomo uma decisão vou fazer o Matheus me notar.
Vou tornar o colegial incrivel!
Oii
Muito bem vinda, muito bem vindo 🎉
Esse foi o primeiro capítulo e aí gostou?
Você também sonha viver um romance de livro? Como encara as diferenças da realidade e dos livros e filmes?
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Até mais 😘
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