Estrelas Mortas | Capítulo Três
Ficou algum tempo com Lucas naquela sala e ele era paciente ao lhe ensinar a pegar a espada, tentando lhe mostrar como deveria movê-la para não quebrar o pulso ou para não deixá-la cair. Aquilo lhe distraiu enquanto conversavam e ele repetia o movimento diversas vezes para que pudesse reproduzir. Desistiram depois de um tempo, quando Clarissa decidiu que lutar com espadas realmente não era para ela.
Elisa lhes encontrou novamente na sala de espelhos depois de algum bom tempo, Lucas voltou para a biblioteca e deixou-as sozinhas para que pudessem conversar. Por algum motivo, aquilo lhe deixou nervosa e ficar sozinha com Elisa significava confrontar a própria realidade.
Ela a levou para o quarto e só foram pegar algumas coisas ali, Elisa tirou a manta cor-de-rosa do sofá branco e lhe entregou pouco antes de voltarem aos corredores para que a ruiva lhe mostrasse um lugar.
E agora a seguia pelo luxuoso local, ela segurava uma garrafa de vidro transparente com um líquido prateado e duas taças enquanto a outra mão estava entrelaçada na de Clarissa e lhe guiava pelo luxuoso salão.
Elas subiram em silêncio as escadarias de mármore branco, deixando apenas o som da água ecoar entre si quando contornaram a vegetação e o lago para adentrar um corredor. Quanto mais se afastavam da pequena cachoeira sintética, menos conseguiam ouvir o barulho da água caindo. Clarissa prestava atenção ao seu redor, buscando pistas de onde Elisa estava lhe levando.
A parede não era mais o gesso branco e impecável, fora substituído por paredes de pedra polida, que eram iluminadas por candelabros dourados cheios de velas acesas. Percebeu que as paredes eram incrustadas de ametista, dando uma coloração roxa enquanto o cristal se espalhava pela pedra polida como se tivesse raízes.
Era lindo. Tudo ali era excepcionalmente lindo.
Sobre as velas bruxuleantes e as paredes cheias de pedras translúcidas e arroxeadas, finalmente viu quando o corredor se abriu em uma entrada arredondada e sem portas, alargando-se até se tornar tão grande que Clarissa não conseguisse ver mais nada além da escuridão.
O piso de mármore foi substituído por um piso de pedra e ainda segurava a mão de Elisa enquanto ela lhe guiava pelo escuro, deixando que seu brilho dourado se destacasse na escuridão ao seguirem em frente.
Foi só quando pararam que Clarissa olhou em volta com mais atenção, arregalando os olhos. Sentia uma brisa fria jogar seus cabelos para trás, a escuridão tomando tudo ao seu redor e contornando sua pele pálida como fumaça negra.
Ficou boquiaberta quando viu estrelas cintilarem ao seu redor, centenas de estrelas. Havia paredes de pedra com grandes janelas que subiam do chão e tinham as partes superiores arqueadas, mas não parecia haver teto, pois as paredes sumiam em um degradê de escuridão e eram substituídas por um céu escuro infinito e cheio de luzes.
Um céu enorme se abria sobre elas e nunca o viu tão próximo de si. Cada estrela ali parecia a poucos centímetros de sua pele e só eram ofuscadas por uma lua cheia, que brilhava acima delas e lançava-lhes um cobertor prateado e frio.
— Isso aqui me lembra você desde a primeira vez que conheci o lugar — riu Elisa, os olhos dourados cintilando na escuridão ao encarar a face admirada da menina. Clarissa ficou sem voz, sentindo lágrimas brotarem nos olhos quando encarou toda aquela galáxia acima de si, observando a enorme lua, como se pudesse decorar cada contorno e cratera que transformava seus tons de prateado.
— É perfeito — foi a única coisa que conseguiu murmurar, sorrindo para a ruiva. Estendeu a manta rosa sobre o piso de pedra e logo elas estavam deitadas sobre o cobertor macio, observando as estrelas no teto aberto acima de si, engolidas pela escuridão esfumaçada que recaía sobre elas.
— E então? Quais as suas perguntas? — questionou a ruiva, voltando-se para ela com aqueles olhos dourados e cheios de chamas flamejando na escuridão. Clarissa mordeu o lábio, de leve e pareceu pensativa quando deixou que seu olhar subisse para o céu lotado de estrelas. Era quase como se estivessem flutuando no meio do céu, cercadas pelo escuro infinito e pela lua cinzenta.
Voltou-se para ela, quando finalmente tinha as dúvidas em mente.
— Por que eu ainda sinto falta de ar como se estivesse tendo uma crise de pânico? Ou começo a tremer? — Virou-se para Elisa, ficando de barriga para baixo quando se apoiou nos cotovelos para encará-la.
— Você é energia pura agora, mas ainda em uma forma humana, mesmo que não biologicamente. Isso é mais psicológico, você se sente apavorada e ansiosa, então começa a tremer ou se sentir sem ar porque isso seria normal em um corpo humano e você sabe disso, mesmo que inconscientemente — explicou, com um leve sorriso que cintilava no rosto contornado de escuridão. — É só sua consciência te fazendo sentir o que seria o normal e lógico.
— E quanto a chorar? — perguntou, lembrando-se das vezes em que limpara lágrimas de suas bochechas e a ruiva sorriu mais abertamente. Ela levantou a mão, a passando pelos próprios cabelos e, na medida que as mechas ruivas cor de fogo começavam a escorrer entre seus dedos, iam escurecendo até se tornarem escuras como o céu que as circulava.
Clarissa arregalou os olhos de maneira assustada, ao ver os cabelos ruivos dela mudarem de cor tão rapidamente e, quando piscou de forma incrédula, o cabelo havia voltado a ser um ruivo ardente e dourado.
Confusa, Clarissa franziu as sobrancelhas e Elisa respondeu antes que pudesse perguntar.
— A aparência é só uma projeção mutável, as lágrimas também são psicológicas e projetadas na sua aparência quando sabe que deveria chorar — disse, fazendo Clarissa deitar-se e contemplar o céu enquanto suas palavras faziam sentido e tentava absorver tantas informações. Ficou em silêncio, apenas sentindo uma brisa fria balançando seus cachos loiros.
Clarissa não sabia se conseguiria fazer as próximas perguntas se que sua mente explodisse.
— É por isso que a Bíblia cita os querubins como seres de quatro cabeças e várias asas? — perguntou, as sobrancelhas se levantando em surpresa e Elisa não conseguiu conter a risada quando assentiu com a cabeça.
— Sim, antigamente era comum para os querubins transmutar a aparência para que pessoas próximas não os reconhecessem e se envolvessem demais. Mas isso meio que foi caindo em desuso — complementou, dando de ombros. Clarissa se virou para Elisa, desta vez com as sobrancelhas erguidas.
— Qual é a das roupas brancas? — questionou, e mais uma vez Elisa não conseguiu conter a gargalhada. Ela havia substituído o longo vestido branco por outro mais curto, delineando bem sua cintura e deixando suas pernas e braços pálidos descobertos enquanto sapatilhas delicadas emolduraram seus pés.
Lembrava-se que Lynn usava roupas brancas também e Lucas usava uma camiseta de botões branca com uma calça da mesma cor, destacando-se em sua pele escura. Acordara com um simples macacão branco também, detalhado com um dourado cintilante.
— É uma cor pura, dá mais liberdade para usar os poderes e deixa a energia fluir livremente — explicou, e Clarissa teve a impressão de que o dourado que a rodeava serpenteou mais forte ao seu redor, como se para demonstrar o que estava falando. Sentiu a energia dela formigar em sua pele como uma corrente de ar quente. — Outras cores de roupa são meio sufocantes aqui, você vai perceber — complementou e Clarissa suspirou, por força do hábito. Ela estava falando como se fosse passar um longo tempo ali e a loira hesitou, fitando o céu acima de si para tentar achar coragem e fazer a próxima pergunta.
— Liz, Lucas comentou que fantasmas não ficam aqui. Somente aspirantes a querubins — começou, em um tom cauteloso. Elisa desviou o olhar de forma hesitante, como se estivesse tentando achar as palavras certas para lhe responder.
— Ele está certo, se você quiser permanecer, então terá de se tornar querubim. Se não, precisará partir. — As palavras dela fizeram Clarissa estremecer e a mão de Elisa deslizou para a sua, sentiu correntes de energia atravessarem seu braço quando entrelaçaram os dedos e ela apertou-os de forma reconfortante. — Mas você pode decidir e tem tempo para escolher se quer se tornar uma querubim ou não. Posso esclarecer sobre todas as vantagens, desvantagens e consequências — complementou e aquilo fez a loira se sentir mais calma, forçando um sorriso quando seus olhos se encontraram.
— Eu só... Nós não podemos ter nenhum contato com o mundo humano? Que dimensão é essa? — E foi Elisa quem suspirou, fazendo-a parecer extremamente humana por alguns segundos. Aquilo parecia ser tão automático que às vezes esquecia que não precisavam respirar, mas gostava de sentir o peito subindo e descendo.
— Estamos em Onyx e sim, temos bastante contato com mundo humano, são eles que não possuem nenhum contato com a gente, a menos que seja necessário e tenhamos permissão para que eles nos vejam — disse, e Clarissa mais uma vez franziu as sobrancelhas de modo confuso, tentando entender sua frase. Elisa riu baixo e então se colocou a explicar. — Pense nas estrelas. Demoramos milênios para enxergar o brilho de algumas, como uma luz presa no passado. É como se brilhássemos em uma luz diferente da que os humanos enxergam, vibrando muito mais rápido do que suas percepções são capazes de captar e, se eles captam alguma coisa, é muito depois de termos ido embora, como um lapso de luz ou um sussurro, uma sensação incômoda ou uma intuição estranha — complementou, fazendo com que Clarissa erguesse o olhar para a escuridão reconfortante que se abria no teto. Fitou estrelas brilhantes, que já não pareciam tão próximas assim. — Somos como estrelas mortas em galáxias distantes, as pessoas raramente veem nosso brilho a olho nu — observou ela, deixando o olhar vaguear entre as estrelas flutuando no mar escuro.
— Poético — comentou Clarissa, sorrindo de leve para ela. Um ar de melancolia banhava seu sorriso, mas não se importava quando tinha Elisa tão perto de si e a ruiva apenas riu de leve, assentindo com a cabeça.
Ficaram em silêncio por alguns segundos, Clarissa sentindo a mente pulsar ao tentar digerir todas aquelas informações e absorvê-las para não se esquecer depois.
— Ei, você precisa provar isso! — exclamou Elisa, sentando-se como se tivesse lembrado-se subitamente de algo. A loira riu quando a viu pegar a garrafa de vidro transparente junto com as taças, lhe esticando uma quando destampou o recipiente. Ela estava esquecida no canto da manta rosa desde que chegaram.
Percebeu, quando pegou a taça, que a garrafa não tinha rótulo algum e apenas um líquido prateado ondulava de forma cintilante em seu interior. Elisa despejou um pouco do líquido em sua taça e ele reluziu, movimentando-se em uma textura grossa de prata derretida que fez com que Clarissa movimentasse a taça, apenas para ver o líquido brilhar sobre a pouca luz da escuridão que as cercava.
— Você vai gostar — disse Elisa, sorrindo enquanto enchia a própria taça com o líquido prateado.
— Podemos beber e comer? — questionou a loira, surpresa ao fitar a taça em sua mão. Elisa sorriu, levantando a taça enquanto os cabelos ruivos cintilavam como fios de cobre iluminados na escuridão das estrelas.
— Não, não podemos e não é necessário, mas isso não é exatamente uma bebida convencional — Elisa inclinou a taça e Clarissa sorriu quando brindaram com um tilintar que fez o líquido brilhante ondular. — Não bebe ráp... — Elisa começou a dizer, quando loira encostou a taça nos lábios e o líquido frio roçou seus dentes. Clarissa deixou que o líquido invadisse sua boca. — rápido demais — completou, mas não conseguiu conter a risada quando Clarissa baixou a taça e só havia restado um pouco da bebida prateada.
Ela tinha um gosto doce e uma textura cremosa, não sabia explicar. Era definitivamente a melhor coisa que já havia bebido, transformando-se em milhares de sabores, espalhando calor e energia por suas veias, como se estivesse a acendendo de dentro para fora e energizando-a.
Definitivamente não era nenhuma bebida humana, não com aquela textura e aquele gosto. Se houvesse uma definição para as lendas sobre ambrosia, o doce dos deuses que faria milagres, seria aquilo.
— Tarde demais — riu Clarissa, quando terminou de engolir. A sensação de calor e energia continuava dentro de si quando deitaram-se novamente na manta, Elisa respondendo as perguntas de Clarissa e as duas meninas contemplando o céu escuro.
Não demorou muito para Clarissa perceber que as estrelas brilhavam demais, não passando de pontos de luz borrados que deixavam rastros no céu, assim como o rosto de Elisa, que não passava de olhos dourados e um borrado tremeluzente.
Não havia percebido isso enquanto conversavam, mas tudo agora girava em uma bagunça borrada e, quando Clarissa tentou buscar qualquer sentimento de medo, tristeza ou confusão dentro de si, só encontrou uma grande exaltação que a fazia querer sair correndo e saltar entre o mar escuro de estrelas, girar até que os pontos brilhantes no céu não passassem de linhas coloridas.
Tentou lembrar-se do porquê de estar chateada, tentou lembrar-se do que tanto a preocupava, mas seus pensamentos se esvaiam quando reparava o quão belo era aquele céu e o quanto queria sair pulando sobre ele. Nada de sentimentos ruins, só uma exaltação e felicidade pulsante dentro de si.
— Meu Deus, eu realmente estou bêbada — constatou, o que fez Elisa rir, revirando os olhos. Ela pegou uma taça cheia do líquido prateado e tudo estava borrado em sua visão quando ela levou o líquido aos lábios e bebeu um grande gole de uma só vez. Quando Elisa abaixou a taça, estava vazia e poucos resquícios do líquido haviam sobrado.
— Estamos — corrigiu, e Clarissa não conseguiu conter a gargalhada. Não soube por quanto tempo ficou com ela ali, bebericando o líquido doce e rindo de qualquer coisa, sem falar no quanto tudo aquilo era estranho e esquecendo toda a anormalidade.
Em um momento, quando estavam em silêncio, Elisa lhe puxou mais para perto e Clarissa se virou, passando o braço ao seu redor e aproximando seu corpo. A ruiva ficou tensa com aquele contato, os músculos contraídos como se os corpos não houvessem se ajustado e Clarissa até se perguntou se havia feito algo errado, mas ela logo relaxou e ajeitou-se sobre seu braço, a abraçando de volta e deixando que os cabelos ruivos se espalhassem em seu ombro como rios de um fogo incandescente.
Clarissa apenas fechou os olhos e deixou que aquela sensação de felicidade durasse até tudo ficar distante, deixou a inconsciência lhe levar enquanto ainda estava abraçada à Elisa.
« ♡ »
— Cass. — Acordou com Elisa acariciando seus cabelos, bem de leve. Era uma sensação tão boa que permaneceu com os olhos fechados por mais alguns segundos, só pra sentir a delicadeza das mãos dela delineando seus cachos loiros. — Cass, acorde — riu ela, baixinho. Clarissa finalmente piscou, abrindo os olhos para encarar tudo ao seu redor. Sentiu-se confusa e desorientada, levou algum momento para que se lembrasse de tudo o que havia acontecido, de onde estava. As memórias lentamente foram voltando, confusas em sua mente entorpecida.
Lembrou-se de Elisa e seus cabelos dourados, do quarto gigantesco de princesa e da biblioteca luxuosa, de Lucas, dos querubins e das espadas. Lembrou-se das estrelas, da imensidão da escuridão.
Não estava tão escuro agora e o céu negro começava a clarear em faixas que faziam um degradê do alaranjado ao roxo enquanto a lua começava a se apagar no céu, engolida pela luz dourada que começava a surgir no horizonte. Clarissa ofegou, observando as nuvens brancas como algodão e as grandes janelas se abrirem para uma imensidão azul, como se estivessem em um castelo nas nuvens. As altas paredes, que antes desapareciam na completa escuridão, agora desapareciam na luz esbranquiçada que envolvia o céu acima delas e se voltou para Elisa.
— Fantasmas e querubins podem dormir? — perguntou, franzindo as sobrancelhas. Ainda estava abraçada com ela, deitada do mesmo jeito com que adormecera em seus braços.
— Não no sentido biológico da palavra e nem com tanta frequência quanto os humanos, mas somos feitos de energia, é justo que tenhamos um tempo para recarregá-las e equilibrá-las, certo? — riu a ruiva, sentando-se e lentamente afastando os braços de Clarissa para que ela pudesse se levantar também. Clarissa permaneceu mais alguns segundos deitada, encarando pelo teto aberto o céu se abrindo em um azul infinito e tentando guardar aquele momento, tentando lembrar-se de como era achar que estava em um palácio no meio das montanhas azuis e brancas do céu.
— Temos algo importante para fazer — disse Elisa, quando a loira já havia se sentado e agora passava os dedos pelos cachos rebeldes e amassados para tentar ajeitá-los e ficar mais apresentável. Elisa cintilava em dourado e seu vestido branco estava todo amassado quando se colocou de pé, calçando as sapatilhas.
Clarissa não conseguiu evitar um sorriso quando viu Elisa se abaixar e pegar a garrafa de vidro vazia com as duas xícaras sujas. Apenas se colocou de pé e puxou a manta, dobrando-a para que pudesse seguir pelo corredor. Não perguntou para Elisa o que era tão importante para que precisassem sair dali, não sabia se tinha essa coragem, mas deixou o olhar recair sobre as paredes de pedra translúcida e as velas que ainda tremeluziam.
As velas continuavam intactas, como se a cera não houvesse derretido e Clarissa considerou que aquilo deveria ser algum tipo de intervenção mágica, pois não conseguia nem imaginar todo o trabalho que seria trocar todas aquelas velas nos pedestais de ouro e acendê-las.
Observou as paredes arroxeadas, bem iluminadas enquanto passavam pelo corredor luxuoso. Logo estavam de volta ao que começara achar que era o pátio central, o grande lugar das escadarias de mármore. Ouviu a água da cascata caindo e sentiu o cheiro de vegetação antes mesmo descer as escadarias.
Já estava começando a se orientar para chegar até o quarto de Elisa.
Deixou a manta rosa sobre o sofá branco onde estava quando a vira pela primeira vez e a ruiva seguiu para o armário assim que entrou no quarto. Tudo estava impecavelmente limpo e organizado, observava com mais atenção os detalhes do quarto ao seu redor e percebeu que era decorado em rosa claro e branco, com detalhes prateados que davam um aspecto luxuoso e delicado à decoração.
— Posso perguntar para onde estamos indo? — perguntou Clarissa, enquanto via Elisa empurrar as portas de correr do grande guarda-roupa e revelava as prateleiras e compartimentos bem organizados com roupas bem dobradas.
— Você vai conhecer o Conclave — disse, ficando na ponta dos pés para pegar uma peça de roupa. Todas as peças ali pareciam ser brancas, apenas com alguns detalhes coloridos e delicados que não passavam de pontos no branco imaculado.
— Conclave? — Franzindo as sobrancelhas, Clarissa mordeu o lábio inferior com certa ansiedade. Aquilo parecia importante.
— São como a realeza daqui, são eles que dão as ordens — esclareceu Elisa, ao perceber sua confusão. — Eles basicamente te darão as boas vindas e um prazo para você decidir se vai se tornar uma querubim ou não — completou e Clarissa ofegou quando Elisa puxou o vestido branco para cima, deixando que o corpo fosse apenas contornado pela calcinha e sutiã e revelasse a curva de sua cintura, a linha de suas costas nuas e a curva da cintura descendo até as coxas.
Lembrava-se de quando tinham intimidade o suficiente para isso. Clarissa também se lembrava do primeiro dia de aula na nova escola, quando a conhecera, onde estava perdida e nervosa por não conhecer ninguém na nova cidade, percebendo que todos os grupos já estavam formados por ser final do primeiro bimestre.
Foi quando Sara, melhor amiga dela, lhe chamara para sentar com elas no intervalo. Durante todos aqueles vinte minutos, não conseguira tirar os olhos da ruiva sorridente sentada do outro lado da mesa e não conseguia parar de pensar em como ela tinha uma voz linda e era encantadora.
Depois disso, elas se aproximaram de modo quase instantâneo. Trocaram o primeiro beijo e logo se transformou em um namoro cheio de dramaticidades adolescentes, com direito às duas ficando até o amanhecer conversando debaixo dos cobertores e inúmeras noites dormindo abraçadas, trocando beijos e muitas coisas a mais.
Foi intenso e sincero, jamais achou que amaria alguém como amara Elisa naquela época, mas depois precisou se mudar para longe. Elas tentaram reatar o namoro quando Clarissa voltou para San Francisco depois de um tempo, mas Elisa estava envolvida em um drama sobrenatural e com sentimentos por outro. Ela estava diferente e Clarissa não a conhecia mais, aos poucos elas foram reatando os laços e viu como Elisa parecia destruída por dentro.
Elas tentaram. Clarissa tentou lidar com todos os pesadelos dela, com todas as crises de choro, ansiedade, todas as vezes em que Elisa acordava murmurando o nome de outra pessoa e todas as vezes em que percebia que ela tinha segredos guardados, segredos que eram como uma muralha, as afastando cada vez mais. Foi então que decidiram se separar, porque Clarissa não conseguia entendê-la e Elisa guardava segredos demais para que conseguisse ajudá-la com seus pesadelos e então...
Então Elisa morreu.
— Cass? — A voz de Elisa lhe tirou de seus devaneios, fazendo-a piscar de maneira confusa. Não havia percebido que a ruiva estava falando e agora ela usava uma camisa de seda com os botões entreabertos, uma calça branca de cós alta delineava suas pernas torneadas e sapatos de salto fino delineavam seus pés. — Vista isso — disse ela, lhe esticando uma peça de roupa dobrada e Clarissa sentiu o tecido macio e claro escorrendo por seus dedos. Quando desdobrou-o, era um lindo vestido com detalhes em dourado que tinham um ar angelical, complementado com as alcinhas e a cintura bem marcada que fazia a saia curta descer rodada por suas coxas. Era bonito e elegante, ao mesmo tempo que não era exagerado.
Clarissa sorriu. Aquilo era definitivamente sua cara e exatamente o que escolheria, o que lhe fez se sentir aliviada de perceber que Elisa ainda conhecia seus gostos e escolhera uma peça que o satisfazia completamente.
Ela tirou a roupa na frente da ruiva e então colocou o vestido.
« ♡ »
Seguiu novamente Elisa pelos corredores e os saltos afiados que ela usava faziam barulho ao bater contra o mármore frio. Ela parecia poderosa com aquela roupa, com a camisa de seda entreaberta e os cabelos ruivos soltos, caindo como cascatas douradas que ondulavam conforme ela andava naqueles saltos altos com habilidade e elegância.
Sentiu-se ainda mais nervosa quando Elisa abriu as portas de um grande salão iluminado, com um grande lustre de cristal projetando reflexos nas paredes decoradas com arabescos dourados e complexos.
Atravessaram o salão em silêncio e foi estranho quando Clarissa não sentiu o coração acelerado, não conseguiu ouvir as batidas aceleradas através do silêncio, mesmo que o nervosismo fizesse com que suas mãos tremessem levemente.
Elas pararam sobre cinco largos degraus que dividiam a parte inferior e superior do salão e várias mesas com velas acesas em pedestais elaborados rodeavam os fundos do salão, fazendo centenas de chamas dançarem levemente e criando sombras nas paredes. Os arabescos dourados cintilavam como ouro quando a luz das velas balançava.
Clarissa viu três tronos dourados que também pareciam ser de ouro, estofados com camurça vermelha e os três posicionados um ao lado do outro e pedestais com grossas velas acesas entre eles.
Deu dois passos para frente e então percebeu que Elisa não estava mais ao seu lado. Quando olhou para trás, a ruiva apenas sorriu de forma tranquilizadora, encorajando-a para que fosse em frente e Clarissa hesitou quando caminhou até ficar a um passo do primeiro degrau e esperou.
Simplesmente soube que precisava esperar, como se estivesse seguindo um protocolo padrão. Poucos segundos se passaram antes que três figuras brilhantes e reluzentes surgissem no ar, sentadas nos tronos com um ar de nobreza e esperou até que seus olhos se acostumassem com a luminosidade.
Curvou-se em uma reverência respeitosa para as três figuras humanas que estavam sentadas no trono, mais uma vez um gesto meio automático que sabia que precisava fazer ao demonstrar respeito para aquelas três criaturas. Elas realmente tinham um ar nobre inquestionável, que a fazia querer se ajoelhar e seguir quaisquer ordens que pudessem dar.
Clarissa ajeitou a postura, grata por vestir a roupa mais formal e elegante que Elisa lhe emprestara.
— Clarissa Byers — disse uma voz, vinda da criatura do centro. Eram criaturas douradas, desde a pele, lábios aos cabelos e cílios, cada pedaço do corpo era tingido de dourado e até mesmo as túnicas brancas eram quase tingidas pela luz que vazava pelo tecido.
— Me apresento como recém-chegada à dimensão de Onyx — respondeu, sentindo-se extremamente calma e confiante, por algum motivo. Elisa havia lhe dito tudo o que deveria falar, também lhe instruiu a seguir sua intuição quando a mandasse se curvar ou fazer algum gesto de respeito.
Era como se aquelas criaturas inspirassem confiança e segurança, sentiu-se quase grandiosa quando os olhos dourados dos três recaíram sobre si, como se soubesse que deveria sentir-se extremamente honrada. Somente os lábios e olhos se moviam, os três apenas permaneciam imóveis enquanto estavam sentados ali, os braços dourados apoiados no trono.
— Possui interesse em se tornar parte dos querubins? — questionou a figura da direita, brilho dourado bruxuleando pelo ar e ofuscando as velas acesas.
— Peço permissão para tomar a decisão após um período de observação — disse, em um tom claro e quase cortês. A luz dourada era refletida nos arabescos das luxuosas paredes, dando a impressão de que eles se moviam formando desenhos no jogo de luz e sombra.
Foi a figura da esquerda quem voltou a falar e Clarissa permaneceu imóvel, o vestido branco ondulando em sua cintura enquanto encarava as três criaturas douradas sentadas nos tronos.
— Você, Clarissa Byers, como querubim, descobrirá em sua jornada que amor e ódio podem te destruir na mesma intensidade, descobrirá na sua busca por respostas que a morte é apenas uma abertura de portões e que a dor é um sentimento sublime — disse, os olhos focados em si e fazendo-a estremecer por algum motivo, enquanto suas palavras flutuavam no ar. — Descobrirá por conta própria os riscos e ensinamentos da própria jornada. Está disposta, a partir do momento em que se comprometer a tomar essa decisão, a assumir as consequências e lições que a dimensão de Onyx tem para lhe ensinar? — indagou, fazendo Clarissa se sentir zonza e subitamente amedrontada. Aquilo parecia tão importante e profético que sentiu-se estranhamente impotente contra um destino sádico e cruel.
— Sim, estou — disse, por fim.
— Ao fim do quarto minguante, na primeira lua nova, sua decisão deverá ser tomada — completou a criatura do meio e Clarissa viu quando uma corrente de luz esfumaçada espiralou em seu pulso e girou em volta de seu braço, fazendo-o esquentar e formigar.
Quando a luz se dissolveu no ar, ela viu que havia um desenho ali, como uma tatuagem realista e bem-feita. Estremeceu ao ver a lua cheia desenhada em sua pele com um dourado cintilante, para lhe lembrar dos poderes dos querubins e podia ver cada cratera, todas elas lhe lembrando do fato que uma contagem regressiva começava a partir de agora.
Ao levantar o olhar, percebeu que não havia mais nenhuma criatura mística e poderosa sentada nos tronos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro