Aprendi A Lição | Capítulo Treze
— Eu vou matá-la — disse, quando Lucas apareceu no corredor. Havia começado a odiar aquelas paredes cinzentas e as grades de luz violeta. Passara as últimas horas completamente entediada e enraivecida, pensando em como havia sido ingênua o suficiente para achar que Lynn estava simplesmente lhe provocando e não manipulando.
— Você não pode fazer isso — respondeu ele, tentando conter uma risada. A luz violeta das grades contornava sua pele e reluzia nos olhos claros, criando um degradê que se destacava em suas roupas brancas.
— Vou ressuscitá-la e então matá-la — corrigiu, revirando os olhos. Lucas levantou as sobrancelhas e se recostou na parede, cruzando os braços com certo desdém.
— Ótimo plano, mas não resolveria seus problemas — comentou e Clarissa apenas deu de ombros, indiferente. Estava encolhida em um canto daquele lugar cinzento desde que Arthur lhe colocara ali, esperando que alguém aparecesse, esperando que Elisa aparecesse. Ela não dera nenhum sinal.
— Não, mas me deixaria satisfeita — retrucou, o tom deixando claro o mau humor.
— É por isso, Cass, que você não pode acusar a vice-comandante do exército sem provas — disse ele, desta vez os olhos caindo sobre si de maneira preocupada e tensa. O sorriso e o tom de brincadeira haviam desaparecido, substituídos por uma seriedade que lhe fez se remexer, desconfortável.
— É, aprendi a lição. Não acho que Lynn tenha te visto ou saiba que você estava lá também, então ainda tem alguma chance — murmurou, levantando o olhar e encarando o teto, tão cinzento e sem graça quanto tudo ali. Lucas de fato havia lhe avisado que enfrentar Lynn dessa forma seria má ideia. Ele estava certo, afinal. — O que acontece agora? — questionou, voltando a encará-lo e fingindo estar calma, mesmo quando sentia que poderia começar a chorar e gritar novamente.
— Haverá um julgamento, precisarão apresentar provas. Você estava conosco e tem tanto eu quanto Elisa como álibi, então podem te acusar no máximo de ser cúmplice de algum querubim, não ter praticado o crime em si — explicou e a loira franziu as sobrancelhas, confusa. Sabia que haveria um julgamento, que provavelmente haveria dois lados contra argumentando e não tinha dúvidas de que enfrentaria Lynn, mas não esperava ser acusada de cúmplice.
— Cúmplice? — Piscou duas vezes, tentando conectar as coisas. Lucas assentiu lentamente, Clarissa não sabia se aquilo era melhor ou pior.
— A teoria é que você tem ajudado algum querubim — disse ele, dando de ombros.
— Que ótimo — murmurou, passando as mãos pelos cabelos loiros e fechando os olhos, deixando-se deslizar e afundar na cama. Parecia realmente desanimada e cansada, como se houvesse desistido de tentar se provar inocente.
— Ei, não fique assim, eu trouxe livros — disse ele, tentando animá-la e a menina não conseguiu conter um sorriso quando reparou que ele realmente trazia alguns livros nos braços e a loira se levantou, aproximando-se para pegá-los entre a grade que vibrava energia.
— Obrigada. — Aquilo acabaria com seu tédio por algum tempo e evitaria que se destruísse com os próprios pensamentos. Era realmente gentil da parte dele. — Viu Elisa? — indagou, tentando não soar tão ansiosa quando organizou a pequena pilha de livros entre os braços.
— Não, não a vi. Achei que ela estivesse aqui — respondeu, fazendo algo dentro de Clarissa se apertar. Ela não havia aparecido e nem dado qualquer notícia, Clarissa não conseguia tirar da mente seus passos rápidos e seu olhar vazio, o modo como havia batido a porta com força.
— Você acha que ela acredita em mim? — perguntou, baixinho e desviou o olhar com uma expressão quase melancólica. Se Elisa não acreditasse, então tudo aquilo fora em vão.
— Claro que sim — garantiu ele, sem vacilar e por um segundo realmente acreditou naquilo. Mas, se Elisa não acreditava que havia feito aquilo com Lena, por que ainda não havia aparecido ali? — Vai ficar tudo bem, Cass, vamos encontrar um jeito de provar que você não estava envolvida — tranquilizou-lhe, fazendo com que precisasse controlar a vontade de chorar e desabar ali mesmo. Morrer deveria ser tranquilo, não deveria? Quem, diabos, inventara que morrer era descansar?
— Lucas? — chamou-o, quando estava prestes a se virar e se despedir para deixá-la sozinha. Odiava a ideia de ficar sozinha novamente, mas aparentemente precisaria se acostumar com isso. — Por que acredita em mim? — indagou, algumas palavras falhando em sua voz fraca e baixa.
— Você é quem deveria responder essa pergunta, por que eu deveria confiar em você? — sorriu ele, como se estivesse lhe desejando boa sorte e lhe encorajando com aqueles olhos cheios de energia. Por um segundo, sentiu-se realmente mais calma. — Nos vemos depois. — Clarissa apenas assentiu e Lucas desapareceu pelo corredor logo depois.
« ♡ »
— O que eu deveria fazer? — murmurou a ruiva, inclinando-se sobre os livros com um ar de exaustão. As letras ficavam borradas quando tentava ler e nenhum daqueles textos lhe davam a resposta que precisava ou indicavam um caminho a seguir.
— Elisa? — Ouviu uma voz masculina e logo depois um leve bater à porta. Fez um sinal para que Kenan entrasse, ajeitando-se na cadeira e passando as mãos pelos cabelos ruivos bagunçados, deixando-os minimamente ajeitados. — E então, o que você tem? — Ele sentou-se na cadeira em sua frente, os dois separados pela mesa de madeira envernizada. O escritório era bastante espaçoso e arejado, sempre com muita luz e confortável o bastante para que trabalhasse e estudasse por horas seguidas, mas agora sentia-se sufocada e pressionada ali, algo apertando a garganta.
— Não mais do que teorias, nada que prove meu ponto de vista — respondeu, inclinando-se sobre a mesa e recolhendo várias folhas de papel avulsas. Todas elas estavam rabiscadas com perguntas, raciocínios, mapas mentais que lhe ajudavam a se situar quando qualquer nova pista surgia. — Foi um querubim que fez aquilo, posso provar. O colar que Lena deu para Clarissa é uma espécie talismã, posso projetar a visão e venho tentado extrair mais alguma coisa, descobrir mais sobre a importância dele. Me parece uma peça chave.
— O colar está com Clarissa? — indagou, enquanto Elisa empurrava a pilha de papel para que desse uma olhada. Kenan a pegou, observando as anotações cheias de flechas e cores em um código que só Elisa conseguia decifrar.
— Lena lhe deu por algum motivo e ficará mais seguro com ela — respondeu, por fim e Kenan assentiu, sem tirar os olhos das anotações da ruiva. Elisa apenas recostou-se na cadeira, esperando enquanto ele passava os olhos pelas folhas, dando uma olhada na parte mais superficial da investigação que ela vinha fazendo.
— Não é o suficiente, mas isso é só uma base e se eu estiver certa... — começou a garota, em um tom hesitante e Kenan finalmente levantou os olhos do papel. Ele parecia preocupado, alarmado.
— Isso é muito maior do que parece ser — completou Kenan, as mechas claras do cabelo castanho contornando o rosto e cobrindo os olhos. — Foi por isso que mandou me chamar? O que precisa que eu faça? — indagou, uma ponta de confusão transparecendo em suas palavras. Não era sua função, havia ajudado Elisa com algumas teorias sobre como o ataque havia acontecido e os modos como o poder havia sido absorvido pela arma. Podia saber muitas técnicas de luta, mas não entendia onde se encaixava naquela investigação.
Elisa se levantou, as sandálias de salto fizeram barulho quando ela caminhou em direção a uma estante cheia de arquivos, os cabelos ruivos ondularam assim como a saia longa do vestido. A cintura era bem contornada pelo tecido cheio de detalhes prateados, deixando-a ainda mais angelical e aparentando ser ainda mais jovem.
— Estive pesquisando os arquivos do exército — começou, de costas para ele e pegando um dos livros padronizados. Eram exemplares finos, as laterais possuíam apenas números que serviam para orientação, quase como datas. — Um dos principais generais de guerra do exército desapareceu sem deixar qualquer pista ou qualquer rastro de energia. Saberiam se os demônios estivessem envolvidos nisso, mas ele simplesmente desapareceu como se não existisse mais e suponho que tenha sido do mesmo modo que o de Lena. — Kenan franziu as sobrancelhas enquanto a ruiva voltava a se sentar na mesa em sua frente, esticando o livro para que ele pudesse ler. Era uma linguagem cheia de símbolos em uma disposição específica, linguagem dos querubins.
Ele observou os relatos e a pesquisa narradas ali, mas tudo era inconclusivo.
— Faz muito tempo? Há algo em comum entre os dois? — indagou, voltando-se para a ruiva. Ela tinha outro livro em mãos, folheando as páginas até que o estendesse para Kenan, que observou as fichas ali. Havia todos os dados ali, sobre as especialidades, os poderes e as funções já ocupadas.
— Eles tinham o mesmo desempenho nas mesmas habilidades — disse, assumindo uma expressão mais séria e preocupada. Ele mantinha os olhos presos no livro, observando como Lena e o ex-general desaparecido tinham tudo em comum. — Eram bons com espadas, lutas corporais e se destacavam em habilidades de combate. Tinham exatamente o mesmo desempenho, foi bem específico — explicou, quando Kenan levantou os olhos. A ruiva inclinou-se sobre a mesa e virou a página do livro nas mãos dele, apontando para a próxima ficha. — Isso que me faz pensar que estão usando uma trindade gêmea para alguma coisa. O problema, Kenan, é que você completaria essa trindade, vocês três são um evento raro e possuem os mesmos números, mesmos desempenhos em absolutamente todas as habilidades de destaque. — Isso o fez franzir as sobrancelhas, observando a terceira ficha mostrada por Elisa. Continha informações suas e, se comparasse com a de Lena, eles eram iguais em diversas habilidades.
— E você acha que eu sou a próxima vítima? Encontrou mais alguma coisa nas investigações? — Elisa apenas fechou os livros, sem encará-lo nos olhos. Ela parecia pensativa, quase hesitante e Kenan soube que não conseguiria mais informações sobre as investigações que a ruiva andava fazendo.
— Os problemas com o exército, Lena e as coincidências com as habilidades... Não foram eventos isolados, está tudo relacionado de um modo que ainda não posso compreender. Estou quase certa sobre isso, mas preciso que seja cuidadoso e também preciso de sua ajuda — disse a ruiva, deixando a última parte no ar para que ele pudesse compreender o que ela estava pedindo. Kenan levantou as sobrancelhas, um sorriso fraco fazendo seus lábios se curvarem.
— Você quer que eu seja a isca e pegar o culpado — disse, inclinando-se sobre a mesa e os dois se encararam. Pôde ver o brilho determinado nos olhos dela, a ruiva lhe encarando com atenção, como se estivesse o desafiando. — Estou dentro. Nós dois sabemos que Clarissa nunca teve nada a ver com essa história. — Elisa sorriu, um brilho luminoso queimando em seus olhos com uma fúria ensolarada. Ela parecia um ponto de luz naquele escritório tão comum, uma chama no meio de todos aqueles livros organizados, como se fosse incendiar tudo com um movimento.
— Você está oficialmente convocado para a investiga... — Ela mal teve tempo de terminar a frase antes que um estrondo tomasse todo o cômodo, quase como um raio que espalhou uma corrente de vento e energia, mesmo com a porta fechada. Viera de algum lugar de fora, Elisa não deu tempo para que Kenan processasse o ocorrido, apenas se virou e correu para a porta, deixando-a aberta quando foi para o corredor.
Kenan logo a acompanhou, seguindo o vulto de vestido branco e cabelos vermelhos que era Elisa. Ainda podia sentir o ar estranho, como se a eletricidade vibrasse ao seu redor e preenchesse seus pulmões, o poder fazendo com que o ar ficasse ondulante e mais iluminado do que o normal.
Elisa desceu as escadas com graciosidade, o vestido branco flutuando ao seu redor e sem perder o equilíbrio com os saltos enquanto corria. Impossível para qualquer humano, totalmente normal para uma querubim.
Só parou abruptamente quando chegaram à escadaria do grande salão de mármore e viu quando ela inclinou-se sobre a água, os olhos arregalados. Não conseguiam ver o fundo do pequeno lago artificial, a água se expandia até ficar totalmente escura em um horizonte infinito, que parecia engolir toda a luz e tudo o que ousasse cair ali.
— O que diabos... — murmurou Kenan, perplexo e agora os dois se inclinavam sobre a barra de proteção, observando mais atentamente o que parecia um portal, uma fenda que se abria para uma escuridão sem fim. A água continuava ali, apesar de tudo, cristalina como sempre e reluzindo acima da névoa.
Elisa sentiu um calafrio, uma sensação incômoda que pareceu alarmar algo dentro de si, fazendo seus pensamentos se embaralharem. A ruiva se voltou para Kenan com certa urgência. Conhecia aquela sensação, quem provocava aquela sensação. Sabia que precisava prestar mais atenção a partir de agora.
— Chame reforços e tentem fechar isso, preciso ir e vou ver se consigo alguma informação com a Conclave — disse, se virando e Kenan assentiu sem tirar os olhos do portal. Elisa subiu novamente as escadas, passando como um vulto pelos corredores enquanto outros querubins iam na direção contrária para tentar descobrir o que havia acontecido.
Não parou para falar com nenhum deles, viu a porta da biblioteca e adentrou seus corredores, os arabescos dourados reluzindo ao seu redor quando procurou pelo foco daquela sensação alarmante. Como uma intuição, soube para onde seguir.
Os corredores entre as estantes estavam vazios, foi passando os olhos pelas lombadas dos livros e tentando encontrar qualquer palavra que lhe chamasse atenção, qualquer símbolo ou livro que despertasse aquela sensação de urgência que lhe trouxera até ali. Dobrou um dos corredores, os anjos pintados no teto abobadado pareciam lhe observar com suas grandes asas abertas.
Havia um livro aberto caído no chão de mármore, as folhas viravam no ar como se alguém estivesse as folheando para achar algum capítulo. Elisa esperou até que as páginas parassem abertas e então seguiu em frente, o vestido longo se espalhando pelo chão quando abaixou-se para pegar o exemplar, observando a linguagem arcaica em que ele fora escrito.
A ruiva apenas sorriu, a sensação de urgência desaparecendo dentro de si e o calafrio diminuindo, sinal de que estava sozinha novamente.
— Obrigada, mãe.
« ♡ »
Clarissa tentava focar nos livros que Lucas trouxera, mas estava ansiosa e nervosa demais para conseguir ler. O tédio se transformara em uma crise nervosa que lhe roubaria todo o ar se ainda pudesse respirar.
Em certo ponto, apenas se deitou na cama com as pernas para cima, apoiadas na parede e encarando o teto enquanto tentava fazer os livros levitarem. Era a atividade mais divertida que Kenan lhe ensinara, e levitar os livros, girando-os em um círculo ou formando triângulos no ar, lhe distraía mais do que as palavras.
Não precisava daquela maldita pulseira de Lynn e nem dos poderes de Lena para ter talento. Encontrara alguma coisa em que era boa, afinal. Praticar telecinesia estava ficando cada vez mais fácil.
Tudo estava em silêncio enquanto observava os livros girando e formando desenhos no ar, algumas vezes em fila e outras em uma coreografia sincronizada, como se Clarissa estivesse os fazendo dançar no ar. Estava tão presa nisso que se espantou quando sentiu algo vibrar ao seu redor, foi tão rápido que mal durou alguns segundos, mas fez com que todos os livros despencassem pelo ar e caíssem no chão com um barulho oco.
Ainda estava deitada com as pernas para o ar quando isso aconteceu e estava prestes a se levantar quando sentiu uma dor repentina tomar seu peito, como uma pontada súbita que lhe fez se curvar levando as mãos até o foco dolorido. Sentiu-se zonza por alguns segundos, desorientada. Uma energia fria, diferente da energia quente e luminosa que se espalhava por tudo naquela dimensão, latejou em suas veias como sangue correndo.
E, em questão de segundos, a sensação de frio foi substituída pelo latejar quente da dimensão de Onyx e a dor se acalmou, tudo voltando ao normal como se nada tivesse acontecido. Clarissa franziu as sobrancelhas, revirando-se na cama até estar sentada de um jeito correto, olhou ao redor e percebeu que tudo estava normal, nenhum resquício do que havia sentido antes ou da onda de energia estranha.
A loira apenas estremeceu e ajeitou os cabelos volumosos, fazendo um gesto com a mão em direção aos livros. Um a um, eles flutuaram até o canto da sala e se empilharam, arrumados em ordem de tamanho enquanto Clarissa mantinha o foco para fazê-los levitar.
Só então deixou-se cair novamente na cama. Tinha certeza que pessoas mortas não sentiam dor no peito alguma.
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