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Capítulo dezoito
❝ É preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã ❞
POV - Pablo Gavi
No sexto dia do meu martírio indo e vindo de Barcelona ate Sevilla, tenho o primeiro embate com meu pai. Estava esperando por esse momento, e, de uma forma meio doentia, até torcia para que acontecesse logo , mas, em geral , ele estava me deixando em paz.
Não me perguntou sobre futebol, nem sobre a copa, La liga ou qualquer outro campeonato. Não me deu sermão sobre não ir visita-lo. Tudo o que fez foi reclamar da dor na perna e empurrar uma cerveja na minha direção, implorando.
—Venha tomar uma comigo, Pablo — irônico o fato dele também se chamar Pablo.
Me sinto cansado demais para brigar com meu pai. Estou seguindo o rígido programa de férias que o treinador montou para a gente, o que significa acordar ao raiar do dia para malhar , pegar um trem até Sevilla para cuidar do meu pai até as oito da noite, malhar de novo antes de dormir e cair na cama para depois repetir tudo no dia seguinte.
Uma vez por semana, vou até ao Centro de treinamento com Pedri para treinar um pouco. E infelizmente hoje, é um desses dias que não poderei ir treinar com ele. Aurora trocou em cima da hora comigo e tive que vir para Sevilla cuidar de meu pai.
—Como ele está? — estou em ligação com Aurora, pelo barulho sei que está no trânsito
—O mesmo de sempre. Mas a parte boa, não me xingou em nenhum momento até agora
—Pablo — ela me repreende — Daqui a pouco eu chego aí
—Ok. Estou dando conta. Só tenho que avisar Pedri que não vou poder ir treinar hoje.
—Quando os treinos oficiais voltarem, vou dar meu jeito, sei que Xavi não gosta de faltas. Mas por enquanto, obrigada hermanito.
—Ele ainda é meu pai. Vou desligar aqui, tchau
—Se cuida
Menos de um minuto depois de encerrar a ligação, meu pai aparece, vindo do escritório na minha direção, mancando. Por sorte, suas mãos não estão segurando nenhum copo.
—O que está fazendo? — seu tom de voz é ríspido
—Assistindo jogo
Murmuro, meu pai está com a cara rubra pela afronta, e me espanta o quão esquálido está. É como se toda a pele do rosto , dos braços e do torso tivesse decidido se mudar para o estômago, produzindo uma barriga de cerveja que não o favorece nenhum pouco , projetando-se sob a camiseta esfarrapada. Tirando isso , está magro feito um palito, e vê-lo assim me deixa triste.
Já vi fotos dele quando mais jovem, e não posso negar que era bonito. E me lembro de quando estava sóbrio. Ele sorria sem dificuldade , sempre armado com uma piada ou uma risada. Sinto falta daquele homem, as vezes, muita falta.
—Voce faz outra coisa que não seja envolvendo futebol? — o homem que costumava ir a todos os meus jogos quando criança e ficar sentado atrás do banco de reservas , gritando como um louco... agora me despreza — Você se acha uma estrela , não é, Pablo? Mas você não é nada. Nem se quer conseguiu passar das oitavas de final
Sinto um aperto no peito.
—Pai.. — o aviso tranquilo vem de Aurora, que havia acabado de chegar, ela entra dentro da casa vindo em nossa direção
—Fique de fora, Aurora! Estou falando com seu irmão mais velho — ele pisca — quer dizer , mais novo... Ele é o mais novo né?
Aurora e eu trocamos um olhar. Mierda. Ele está completamente fora de si. Em geral, um de nós fica de olho nele durante o dia, mas estamos atolados, Aurora está com coisas da faculdade, e eu até uma semana atrás estava em outro continente. Mas agora me odeio por ter esquecido uma regra importante do manual do alcoólatra: sempre ter uma bebida em mãos.
Meu pai deve ter um estoque escondido no escritório. Quando ainda estava com minha mãe, ele escondia álcool em todo lugar. Uma vez , quando tinha doze anos, a descarga de uma das privadas disparou e fui consertar ; quando tirei a tampa da caixa, encontrei uma garrafinha de vodca flutuando ali. Era só mais um dia na casa dos paez gavira.
—Voce parece cansado — diz Aurora, segurando o braço dele — Por que não vai para o quarto e tira uma soneca?
Meu pai pisca de novo, a confusão ofuscando a raiva. Por um momento, parece um garotinho perdido. De repente, tenho uma vontade imensa de gritar. É em horas assim que quero agarrar seus ombros e sacudi-lo , implorar para que explique por que bebe. Minha mãe diz que é genético, e sei que a família tem um histórico de depressão e alcoolismo. E, porra, talvez seja isso mesmo. Vai ver que é por isso que meu pai não consegue parar de beber. Mas uma parte de mim ainda não consegue aceitar isso.
Ele teve uma infância boa. Teve uma esposa que o amava, dois filhos que faziam de tudo para agradá-lo. Por que nada disso bastou?
Sei que é um vício. Sei que está doente. Mas é tão difícil raciocinar quando uma garrafa de bebida é a coisa mais importante da vida do seu pai, quando ele se dispõe a jogar tudo fora por conta dela.
—É, acho que estou mesmo um pouco cansado — murmura meu pai , os olhos castanhos ainda nublados pela confusão —Eu, hã... vou dormir agora
Minha irmã e eu o vemos se arrastar até seu quarto . Aurora se volta para mim com um olhar triste.
—Não escuta o que ele diz. Você é o melhor jogador que conheço
—Claro... eu preciso ir
—Pablo, ele não sabe do que está falando...
—Deixa para lá — murmuro — eu já deixei
Saio de casa pela porta lateral e fico esperando o horário para ir até a estação de trem. Enquanto isso fico parado encostado na caixa de correio, rezando para que nenhum fã me encontre nessa situação, minha vida já é pública o suficiente, não quero que essa merda toda vá parar nas redes também.
Enquanto espero um carro passa por mim e para, quando o vidro abaixa, Anita sorri e eu faço o mesmo ao vê-la. Ana tem dezenove anos e é absolutamente linda, somos amigos a uns dois anos.
—Oi. Está fazendo o que aqui?
—Oi. Vim com Aurora, mas agora estou esperando dar o horário para ir pegar o trem . E você? Achei que estivesse em Barcelona esse fim de semana
—Vim visitar um amigo — seu sorriso se alarga e seus olhos castanhos se tornam fixos em mim
De repente, me dou conta de que são quase do mesmo tom de castanho que os de Catalina. Só que Catalina nunca me olhou como se quisesse me devorar. Havia algo sincero em seus olhos. Havia fogo também, sem dúvida, mas não era calculado, nem ostensivo, como o de Ana.
Merda, preciso parar de pensar em Lina. Perdi as contas de quantas vezes liguei para ela nessa última semana, pelo menos até ela me bloquear, oque diz tudo o que eu preciso saber. Ela não quer minhas desculpas, não quer me ver nunca mais. Ainda assim, não consigo afastar a esperança de que talvez mude de ideia.
—Sabe, você está mais bonito a cada vez que eu te vejo —comenta Ana, com a voz arrastada.
Duvido. No mínimo estou mais cansado. E tenho certeza que estou fedendo a álcool , mas Ana não parece se importar. Ela faz beicinho.
—Não vai retribuir o elogio?
—Ana, você é linda e sabe disso. Não precisa que eu diga.
—As vezes é bom ouvir — não sei estou a vontade com o rumo da conversa. Então apenas fico calado — quais são os planos para hoje?
—Nada. Vou treinar um pouco quando voltar para Barcelona, tomar uma chuveirada e ir dormir.
—Andei ouvindo coisas sobre você Pablo, e tenho que dizer: estou decepcionada que não sejam verdadeiros
—Que boatos?
—Que você é um Deus na cama
A hesitação se acumula em meu peito. Em qualquer outro momento eu aceitaria o convite dela. Mas ainda acho que Catalina pode... pode o que? Me desbloquear? Aceitar minhas desculpas?
—Bom, mas acredito que eu não seja seu tipo
Um riso escapa de seus lábios. Ela não é meu tipo? Ah, tá. Ela é exatamente o tipo por quem em geral me sinto atraído. Então, o que está me segurando? Catalina? Depois de uma semana de silêncio , talvez esteja na hora de eu finalmente entender o recado. Antes que eu pudesse dar uma outra resposta a Ana, meu celular apita.
Pedri: está voltando?
Pedri: se não for conseguir treinar me avisa, chamo Ferran
Penso por um segundo. Olho para Ana, então olho novamente para meu telefone lembrando de todos os sermões que Pedri já me deu.
Estou indo.
Quando chego em Barcelona , quatro horas depois, me sinto aliviado por não ter aceitado fazer qualquer coisa que seja com Ana, eu e Pedri treinamos por cerca de duas horas até irmos para minha casa comer pizza e beber um pouco. Fico feliz em ver meu amigo, provavelmente ficaria mais feliz ainda se ele não tivesse trazido a cerveja, principalmente após os acontecimentos de hoje.
Pedri coloca a caixa de pizza na grande mesa de vidro entre duas cadeiras, então pega um lata de cerveja , mas pensa um pouco antes de entregar para mim.
—Eu, me esqueci completamente Pablo, iria ser melhor se eu não tivesse trazido não é?
—Tudo bem cara. Você pode beber se quiser.
—Não, não vou fazer isso — ele leva a caixa para o outro lado da cozinha
Até o cheiro da cerveja é algo que desprezo, é o cheiro de uma lembrança deprimente demais da minha infância. É a mesma coisa com conhaque , a primeira opção do meu pai quando a cerveja acabava.
—Como foi hoje? — ele questiona voltando a se sentar à mesa
—O mesmo de sempre, meu pai discutiu comigo depois de encher a cara, até a Aurora chegar e colocar ele para dormir. O motivo? O futebol de novo
—Porque seu pai implica tanto com o fato de você ser jogador?
—Ele não aceita que não escolhi fazer faculdade, acho que ele pensa que vou ter um futuro miserável como o dele.
—Eu sinto muito que tenha que passar por tudo isso. Vocês vão tentar mandar ele para uma clínica novamente?
—Nem adianta. Sei que não vai. — suspiro — vamos mudar de assunto que tal? Anda conversando com a Sophie?
—Sim. Quero convencer ela a vir para Barcelona neste mês.
—Quero conhecer logo a garota que roubou o coração do meu grande amigo — ele ri — você é completamente apaixonado nela Pedri
—Não é verdade. E na onde você tem lugar de fala para falar sobre garotas?
—Ainda está bravo pelo o que aconteceu com Catalina?
—Claro que estou, você foi um idiota. Mas da para ver nos seus olhos que você se arrepende. E que gosta mesmo dela, mas sabe que é tarde demais
—É , eu sei — mordo um pedaço da pizza — e parece que quando tento ficar com alguma outra garota, nunca consigo ir até o fim. É meio.. vazio
—Vazio — repete, parecendo confuso — como assim?
Não sabia como explicar. Desde que entrei para o time , não recusei muitas oportunidades de sexo. Na minha cabeça, eu tinha mais era que aproveitar o presente , porque , no futuro , ia ser uma merda tendo que viver cuidando de meu pai , vivendo uma existência vazia em Sevilla. Merda. Tudo na minha vida é deprimente.
—Sei lá. Só de pensar que em algum momento todo meu sonho vai ser jogado no lixo
—Ja conversamos sobre isso Pablo. Você não tem que jogar seu sonho no lixo por causa dele. É seu pai, mas mesmo assim, ele estragou a vida dele sozinho.
—Mas como eu te disse várias vezes, ele ainda é meu pai. É um canalha completo as vezes, mas está doente. E tenho que cuidar dele. Fazer o que, meu futuro é sombrio. Que é praticamente uma sentença. E não gosto nem de pensar nisso Pedri.
Olho para a janela, o sol já se pôs, mas ainda há um pouco de luz no céu, dando um visão perfeita do céu e do quintal todo verde.
—E com isso, voce vive como se não houvesse o amanhã. Péssima escolha Gavira. Você tem mais quatro anos. Tem o futebol, amigos, tem sua irmã e sua mãe, e se quer uma namorada, pode ter também. Você está no auge da sua fama. Aprenda a conviver com ela da maneira correta.
Mordo o lábio inferior da bochecha.
—Quer um conselho? — vejo a sinceridade brilhando em seus olhos — se eu soubesse que teria um último anos antes de você sabe, se eu soubesse que teria que colocar minha vida em espera, aproveitaria o tempo que me resta ao máximo. Para de insistir em coisas que fazem você se sentir vazio . Se diverte. Conserta as coisas com Catalina, se isso vai fazer você feliz. Deixa de lado o mau humor e aproveita a fama, da mentira correta, é claro.
—Não estou de mau humor
—Mas você não está fazendo nada de produtivo, está?
Mordo a bochecha até arrancar sangue, mas mal noto o gosto de ferro que me enche a boca. Tenho tratado o último ano como uma espécie de corredor da morte, mas talvez Pedri esteja certo. Talvez eu precise começar a vê-lo como uma oportunidade. Praticando o esporte que eu amo, saindo com os amigos que tenho a sorte de ter e que provavelmente não mereço
Mas tem uma coisa que ainda não tenho e preciso fazer.
Tenho que consertar as coisas com a Lina.
🇧🇷🇪🇸🇧🇷🇪🇸
01. O dia que essa fanfic tiver felicidade podem ter certeza que não serei eu escrevendo
02. Como eu já disse algumas vezes esse livro é um inspiração/ adaptação de O erro então pode ter algumas palavras diferentes ao longo do capítulo
03. Edit mais tarde no tiktok @sparklygavi
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