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𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 1

OBS : ⚔⚔⚔⚔ ← Representa quebra de tempo ou mudança de PV

"𝓐𝔳𝔞, 𝔠𝔬𝔪𝔬 𝔞𝔩𝔤𝔲𝔢́𝔪 𝔠𝔬𝔪 𝔲𝔪𝔞 𝔳𝔦𝔡𝔞 𝔱𝔞̃𝔬 𝔠𝔥𝔢𝔦𝔞 𝔠𝔬𝔪𝔬 𝔞 𝔰𝔲𝔞 𝔭𝔬𝔡𝔢 𝔭𝔞𝔯𝔱𝔦𝔯 𝔱𝔞̃𝔬 𝔠𝔢𝔡𝔬? 𝔑𝔞̃𝔬 𝔭𝔬𝔡𝔦́𝔞𝔪𝔬𝔰 𝔭𝔢𝔯𝔪𝔦𝔱𝔦𝔯 𝔦𝔰𝔰𝔬. 𝓐𝔤𝔬𝔯𝔞 𝔳𝔬𝔠𝔢̂ 𝔱𝔢𝔯𝔞́ 𝔲𝔪𝔞 𝔰𝔢𝔤𝔲𝔫𝔡𝔞 𝔠𝔥𝔞𝔫𝔠𝔢, 𝔪𝔞𝔰 𝔬𝔠𝔲𝔭𝔞𝔯𝔞́ 𝔬 𝔠𝔬𝔯𝔭𝔬 𝔡𝔢 𝔬𝔲𝔱𝔯𝔞 𝔭𝔢𝔰𝔰𝔬𝔞, 𝔳𝔦𝔳𝔢𝔫𝔡𝔬 𝔞 𝔳𝔦𝔡𝔞 𝔡𝔢 𝔎𝔞𝔩𝔦𝔫𝔡𝔞. 𝔇𝔢𝔰𝔡𝔢 𝔬 𝔦𝔫𝔦́𝔠𝔦𝔬, 𝔎𝔞𝔩𝔦𝔫𝔡𝔞 𝔣𝔬𝔦 𝔞𝔣𝔢𝔱𝔞𝔡𝔞 𝔭𝔢𝔩𝔬 𝔨𝔞𝔯𝔪𝔞 𝔮𝔲𝔢 𝔞𝔱𝔦𝔫𝔤𝔦𝔲 𝔰𝔲𝔞 𝔣𝔞𝔪𝔦́𝔩𝔦𝔞. 𝔒 𝔞𝔪𝔟𝔦𝔢𝔫𝔱𝔢 𝔢𝔪 𝔮𝔲𝔢 𝔠𝔯𝔢𝔰𝔠𝔢𝔲 𝔢 𝔰𝔲𝔞𝔰 𝔢𝔰𝔠𝔬𝔩𝔥𝔞𝔰 𝔰𝔬𝔟𝔢𝔯𝔟𝔞𝔰, 𝔤𝔞𝔫𝔞𝔫𝔠𝔦𝔬𝔰𝔞𝔰 𝔢 𝔪𝔢𝔫𝔱𝔦𝔯𝔬𝔰𝔞𝔰  𝔞 𝔩𝔢𝔳𝔞𝔯𝔞𝔪 𝔞𝔬 𝔣𝔦𝔪. 𝔙𝔬𝔠𝔢̂ 𝔣𝔬𝔦 𝔢𝔰𝔠𝔬𝔩𝔥𝔦𝔡𝔞 𝔭𝔢𝔯𝔣𝔢𝔦𝔱𝔞𝔪𝔢𝔫𝔱𝔢 𝔭𝔞𝔯𝔞 𝔢𝔰𝔰𝔞 𝔪𝔦𝔰𝔰𝔞̃𝔬. 𝔖𝔞𝔟𝔢𝔪𝔬𝔰 𝔮𝔲𝔢 𝔳𝔬𝔠𝔢̂ 𝔢́ 𝔠𝔞𝔭𝔞𝔷. ℭ𝔬𝔪 𝔞𝔰 𝔪𝔢𝔪𝔬́𝔯𝔦𝔞𝔰 𝔡𝔢 𝔎𝔞𝔩𝔦𝔫𝔡𝔞 𝔢 𝔰𝔲𝔞 𝔠𝔬𝔯𝔞𝔤𝔢𝔪, 𝔱𝔢𝔪𝔬𝔰 𝔠𝔢𝔯𝔱𝔢𝔷𝔞 𝔡𝔢 𝔮𝔲𝔢 𝔠𝔬𝔫𝔰𝔢𝔤𝔲𝔦𝔯𝔞́ 𝔢 𝔞𝔰𝔰𝔦𝔪 𝔮𝔲𝔢𝔪 𝔰𝔞𝔟𝔢 𝔳𝔬𝔠𝔢̂ 𝔭𝔬𝔡𝔢𝔯𝔞 𝔳𝔬𝔩𝔱𝔞𝔯 𝔭𝔞𝔯𝔞 𝔬 𝔰𝔢𝔲 𝔩𝔞𝔯. 𝔖𝔢𝔧𝔞 𝔣𝔬𝔯𝔱𝔢."

Acordei de um sobressalto, como se estivesse caindo de algum lugar alto. Minha mão pousou sobre o abdômen, sentindo uma leve dor que me lembrou da sensação de uma flecha atravessando minhas costas... no sonho... teria sido apenas um sonho? A realidade parecia tão vívida quanto as cortinas lilases com bordas douradas que pendiam elegantemente do dossel. Lentamente, me sentei na cama e olhei ao redor. Tudo era incrivelmente real.

A cama era sustentada por colunas brancas adornadas com detalhes dourados. A cabeceira exibia desenhos ornamentados, e as colchas de seda prometiam um conforto luxuoso. Ao lado, dois criados-mudos brancos com detalhes dourados sustentavam abajures elegantes que iluminavam o quarto de maneira suave.

Num canto, um espelho alto com moldura dourada refletia a beleza do ambiente. Próximo a ele, uma harpa dourada aguardava para ser tocada, pronta para encher o ar com suas melodias encantadoras. O chão de madeira brilhava sob a luz do sol, e um tapete branco macio cobria parte do piso, oferecendo conforto aos pés descalços.

Ao lado da lareira, que emanava um calor reconfortante, uma pequena mesa com cadeiras estava disposta, perfeita para leitura ou conversas íntimas. As paredes eram adornadas com molduras douradas e pinturas bucólicas, completando a atmosfera de tranquilidade. Um lustre com cristais pendurados brilhava, refletindo a luz em todas as direções e criando um espetáculo de luzes cintilantes. Em frente à cama, uma penteadeira com um espelho refletia a imagem de uma jovem de 15 a 17 anos, com cabelos ondulados e pretos, e bochechas rosadas, vestida com uma camisola rococó com laços azuis claros.

— Quem é vo... — Parei de falar ao perceber que a boca da menina se movia ao mesmo tempo que a minha. O sonho voltou à minha mente como uma memória fresca. — O quê? — Tentei me levantar e acabei caindo da cama. Aquilo parecia irreal. Levantei-me rapidamente e fui até a penteadeira, apertando meu rosto, beliscando minhas bochechas e esfregando os olhos. Meus olhos cinza claro brilhavam intensamente. — Mas o quê? O quê? O quê? — Olhei para a parede adornada e, num impulso, corri até ela e me joguei contra a mesma, tentando acordar, mas tudo que ganhei foi um galo. Incrédula, me joguei mais duas vezes. Só podia ser um sonho. Olhei para o teto, tentando lembrar de tudo. — Então tudo aquilo foi verdade? Tudo aquilo? Mas no hospital eu morri, eu morri... eu... Liz... — Coloquei a mão na cabeça, ainda dolorida, e sentei no chão, juntando os joelhos perto de mim. Levantei-me aos poucos, segurando na penteadeira e parei, olhando meu reflexo no espelho. A beleza de Kalinda era deslumbrante. — Então tudo aquilo foi realmente real, tudo verdade... essa é a tal Kalinda... foi você... — Assim que terminei de falar, vários flashes da vida passada dela passaram pela minha mente, desde o seu nascimento.

⚔⚔⚔⚔   

Vinte e cinco anos atrás, um casamento arranjado acontecia em segredo, longe dos olhos de todos. Não havia amor, pois os noivos não se conheciam. O que predominava ali era o medo e a ansiedade pelo desconhecido, pela união de duas potências prometidas há muito tempo para a salvação do reino e para evitar mais mortes. Dessa união forçada, nasceu um amor verdadeiro, profundo e único. Cinco anos depois, esse amor trouxe seu primeiro fruto, um menino de cabelos negros e olhos verdes, a quem deram o nome de Kaizen. Sete anos mais tarde, nasceu o que Kaizen imaginou ser um parceiro, mas descobriu que seria uma irmã, com fitas e laços.

A menina, com cabelos negros brilhantes como a luz da lua herdados de seu pai e olhos cinza quase transparentes e cintilantes da genética da mãe, também ostentava uma marca de nascença característica dos Blackwood – uma pequena mancha em forma de foice acima do peito esquerdo. Kalinda foi o nome que sua mãe lhe deu. Anos se passaram e, finalmente, a família Blackwood estava feliz. No entanto, essa felicidade durou pouco. Para sua surpresa, um novo bebê estava a caminho, trazendo esperança à qual decidiram se agarrar com todas as forças. Mas o destino é imprevisível. O terceiro filho dessa geração dos Blackwood não chegou a nascer, nem a ver seus irmãos. Em um dia, sua mãe estava saudável e radiante com a descoberta da gravidez; no outro, Kayla Blackwood estava sendo preparada para ser enterrada com seu filho no ventre, deixando para trás um marido e dois filhos.

Simon Blackwood transformou-se de um pai amoroso para um pai ausente. Os conflitos com a Ilha de Terez se intensificaram e, mesmo sendo apenas um marquês, o rei confiava nele como se fosse um duque.

Simon, a negligência com seus filhos para não sentir a dor da perda de sua mulher custou-lhe mais caro do que pensava. Seu filho cresceu frio e sem sentimentos, alistou-se na guarda imperial do AURUM e se tornou um brilhante comandante, sem intenções de voltar para casa. O campo de batalha tornou-se seu lar. Sempre que voltava, desprezava a mimada, egoísta, manipuladora e frívola Kalinda, que um dia amou como irmã. Kalinda cresceu cercada de empregados e tendo tudo o que desejava; pedia, e o pai dava, para suprir o vazio deixado por sua mãe. Simon os amava de verdade, mas olhar para eles, especialmente para Kalinda, era como ver sua esposa, e isso o destruía.

Kalinda cresceu e se tornou uma mulher bela, mas a vida mostrou-lhe que nem tudo era como queria. Quando pôs os olhos no príncipe, a situação mudou. Kalinda estava deslumbrante em um vestido preto com dourado, que realçava ainda mais seus olhos, atraindo a atenção de todos, inclusive do príncipe. No momento em que ele caminhou em sua direção, quando dançaram como em um conto de fadas e se afastaram da multidão para um momento a sós, ela sentiu que havia conquistado tudo. Simon não era o único que providenciava tudo para os filhos; Kalinda também estava disposta a tudo para alcançar o trono. E ela fez isso.

Matar o rei dentro do castelo, sendo querida por todos, até pelo próprio rei, foi fácil. Subir ao trono com seu amor ao lado foi fácil. Machucar, envenenar, matar, tudo se tornou fácil para ela. Com o amor do príncipe, mesmo que o reino caísse em desgraça e tirania quando ele partisse para lutar, ela não contava que nossos pais nos conhecem, mas não tanto quanto nossos irmãos. Ela não contava com uma mulher de cabelos loiros quase prateados e olhos verdes, uma verdadeira beleza angelical, para acabar com isso. Chamaram-na de o verdadeiro oráculo. Essa foi a queda de Kalinda. Primeiro veio o divórcio, depois todas as descobertas maquiavélicas que ela havia feito, todos os seus planos. O pior foi quando seu próprio irmão revelou tudo, e mesmo após falar, desejou morrer de vergonha. Depois veio a verdadeira queda, quando seu pai implorou para que não a matassem, mas era tarde demais. E assim, terminou a casa Blackwood.

 ⚔⚔⚔⚔

Ainda encarando meu reflexo no espelho após essa lembrança, a constatação de que reencarnei no corpo de uma vilã me pareceu uma piada de mau gosto. Olhei novamente para a parede e, em um impulso, joguei-me contra ela, batendo a cabeça e vendo um borrão preto em seguida.

— Kalinda?

— Senhorita? — Ouvi vozes distantes que se aproximavam aos poucos, e, junto com elas, minha visão começava a voltar. — Senhorita, por favor, acorde! Senhorita... — Ao abrir os olhos, deparei-me com um olhar azul como o mar, repleto de seriedade e preocupação. Um senhor de barba preta e cheia franziu o cenho enquanto estava abaixado ao meu lado, segurando metade do meu corpo em seus braços. Ao lado dele, uma mulher vestida como empregada, com cabelos castanhos, sardas e algumas rugas no rosto, me olhava com a mesma preocupação.

— Ela está bem, com certeza só quer chamar atenção novamente! — Outra voz, um pouco distante, me fez olhar para o lado esquerdo. Vi uma versão mais jovem e quase idêntica do senhor ao meu lado, encostado em um móvel, olhando-me com seriedade.

— Kaizen! — O senhor chamou sua atenção. Kaizen? Esse nome... Ele seria o irmão de Kalinda? — Está tudo bem? — O senhor perguntou. Não pude deixar de notar como ele era bonito. Assenti com a cabeça. — O que estava tentando fazer?

— Eu... eu pensei estar em um sonho, eu...

— Coitadinha, deve estar delirando, a febre deve ter voltado! — A mulher disse, tocando meu rosto. — Olha só como está quente! — De fato, eu estava um pouco quente. Num instante, o senhor me carregou nos braços sem esforço e me levou até a cama. — Eu vou pegar o remédio que o doutor receitou! — Ela disse, saindo. O senhor à minha frente puxou a coberta e me cobriu.

— Se ainda não está bem, não deveria levantar. — Ele disse seriamente. — Descanse, você precisa. — Assenti com a cabeça. Ele parou e ficou me olhando por um tempo. Vi sua mão dar uma breve levantada em direção à minha cabeça, mas ele se deteve no meio do caminho. — Descanse, vou pedir para Mila trazer algo para você comer, já que está sem se alimentar desde ontem. — Ele se afastou, e logo tudo o que vi foram suas costas desaparecendo pela porta. Ouvi um suspiro.

— Deveria parar com essas coisas, nosso pai ele...

— Pai? — Perguntei, tentando raciocinar apesar da dor na cabeça. — Aquele era Simon Blackwood? O pai da Kalinda Blackwood? — O jovem à minha frente parecia pasmo com minhas perguntas.

— Não ser convidada para o chá da marquesa de Lionel afetou tanto assim seu ego? Você é tão mimada!

— Marquesa? — Minha mente ainda divagava sobre tudo o que estava acontecendo. — Quem é você mesmo? — Perguntei, virando a cabeça. Vi seu rosto ficar surpreso, ele rapidamente tirou as mãos dos bolsos e veio para perto de mim, preocupado. Não sei por quê, mas uma lembrança me veio à mente de certa vez, na vida passada, quando Kalinda fingiu esquecer seu irmão, e ele fez de tudo para que ela se lembrasse. Naquela época, ele ainda a amava como irmã.

— K-Kalinda, eu... eu sou Kaizen... s-seu irmão mais velho, você não se lembra? — Balancei a cabeça negativamente.

— E-e-eu não sei, acho que... realmente preciso descansar. — Digo, me deitando.

— É... é melhor! — Ouvi. — Eu vou indo, vê se descansa! Por favor! — Ouvi a última palavra sair baixa e, logo após isso, um silêncio. Virei-me, e ele realmente não estava mais lá. Levantei-me rapidamente, andando de um lado para o outro, tentando digerir tudo aquilo.

— Se eu sou a Kalinda, então... então quer dizer que... eu sou a vilã? Minha segunda chance foi como vilã? Como assim? — Coloquei a mão sobre a cabeça, confusa, andando de um lado para o outro. — Kalinda morreu na última vida dela, quer dizer que eu vou morrer também? — Olhei para cima, indignada. — Que ótimo, uma segunda chance para morrer! — Alguns flashes vieram à minha mente. — Espera, eu estive no final da última vida dela, pelo menos na morte... aquela mulher era ela, ela... Kalinda? Como assim, por que eu? Ela se aproximou de mim e falou algo? O que foi mesmo? Não despista tudo de novo? Como assim, despista? — Abaixei-me com a mão na cabeça, surtando. — Como assim? Como...

— Senhorita, se levantou? Novamente? — O nome da mulher vestida de criada veio à minha mente.

— ABIGAIL! — Gritei e vi ela se encolher e logo ir ao chão, ajoelhando-se com a bandeja na mão.

— Por favor, senhorita, eu não queria mandar em você! — Disse com temor. — E-e-eu só estou preocupada com a s-sua saúde! — Fiquei parada, olhando para ela, e vagamente na minha mente veio a lembrança de Kalinda batendo em sua criada; esse foi um dos motivos pelos quais os criados da casa se revoltaram contra ela.

— N-não, não é isso, Abigail, n-não! — Fui até ela rapidamente enquanto a via se encolher, abaixei-me recolhendo parte das coisas que estavam sobre a bandeja. Pelo que me lembrava, era Abigail que estava com Kalinda no dia da sua morte; foi ela quem morreu. — E-eu... — Dei um suspiro, vendo-a tremer na minha frente, recolhi a medicação que ela estava trazendo na bandeja junto com o copo de água que foi ao chão e me afastei. — Eu... só estava tentando lembrar de um sonho, só isso, por isso estava de pé! Por favor... — Fui até ela novamente, puxando-a delicadamente para se levantar. — Levante-se. Me desculpe por ter gritado! — Abigail me olhou perplexa.

— A-a senhora realmente deve estar mal, por favor tome o remédio! — Disse, indo até o remédio e me entregando.

— N-n-não, eu acho que estou bem agora, só estou meio cansada! — O que não era mentira. Deitei-me na cama com a mão sobre a testa. — Eu... estou cansada, só... — Só me lembro de dizer isso pela última vez e depois de um leve flash de um senhor com uma maleta sentado ao meu lado na cama. Ele parecia me examinar, pegando no meu pulso e logo depois com uma pequena abertura na parte de cima da minha camisola, examinando meu colo com um longo tubo de papel laminado com pequenas borrachinhas nas pontas; isso me lembrava muito um estetoscópio. Outro sonho? Será?

— Ela está bem?

— Pelo que parece, a senhorita Blackwood está bem. A febre baixou e seus batimentos estão normais. — Minha visão, que estava borrada, começou a clarear, e as vozes distantes voltaram ao normal enquanto eu me sentava. — Senhorita Blackwood? Está me ouvindo? — Esfreguei a mão nos olhos e assenti, vendo que ao lado do senhor estava Abigail. — A senhora está sentindo alguma coisa? — Consciente de que aquilo realmente não era um sonho, a tristeza me invadiu e meus olhos se encheram de lágrimas.

— Sim. — Pela primeira vez, minha mãe veio à minha mente. — Tristeza! — Digo, chorando. Eles se entreolharam.

— Deseja alguma coisa? — Ele perguntou.

— Sim. Minha mãããe. — Digo, abrindo a boca o máximo que posso. A mãe de Kalinda parecia ter sido muito importante para ela. Eu queria chamar por Liz, minha irmã, mas tudo o que veio à mente foi "mãe". Acho que, no fundo, esse sentimento estava enterrado nas memórias de Kalinda junto com essa palavra. — EU QUERO A MINHA MÃÃE, MINHA MÃÃE.

— Senhorita! — Abigail veio ao meu lado, tentando me consolar, e eu a puxei para um abraço, sentindo sua surpresa. Relutante, ela passou a mão pela minha cabeça, afagando-a, e logo seus braços me envolveram. Depois de um tempo, ela conseguiu me acalmar, e eu acabei dormindo novamente. Em meio a flashes e vozes distantes, ouvi Abigail conversando com o senhor que estava com Kaizen mais cedo, o pai de Kalinda. Ao lado dele, um homem vestido como mordomo, com uma roupa parecida com a de Abigail, tinha um semblante rígido. Não sei se era porque meu corpo estava se acostumando com tudo aquilo, mas tudo parecia tão pesado que eu só conseguia dormir.

— O doutor disse que ela está bem agora, que está dormindo mais do que o normal por causa do remédio, senhor.

— Hum. — Foi a resposta que ela recebeu. Pelo espelho, vi que ele me olhava atentamente, mas eu estava naquele estágio de sono em que tudo fica embaçado e as vozes parecem distantes. Ele se virou para sair, e quando chegou à porta, Abigail disse:

— Ela chamou pela mãe aos berros! — Isso o parou. Vi a expressão da outra mulher ao lado desmanchar-se em um olhar triste. — E eu, senhor, nunca a vi chorando desse jeito, deu dó, senhor, eu...

Ele a olhou sério, e isso bastou para que ela parasse de falar.

— Já que ela está bem, Ponfírio, amanhã acorde-a e faça-a sair desse quarto. Kalinda precisa parar de uma vez por todas com esse drama.

— Sim, senhor Blackwood. — Disse ele, fazendo uma leve reverência, e logo a porta do quarto foi fechada.

— Ponfírio, como ele não tem coração? Ela é só uma menina ainda! — O senhor deu um suspiro quando Abigail falou.

— Abigail, só... siga as ordens, entendeu? Amanhã ela precisa sair pelo menos um pouco desse quarto. — Falou ele. — Como faremos isso sem levar pelo menos um desses candelabros ou vasos na cabeça, eu não sei!

— Deixe que eu faça isso!

— Não sei se posso. Você passa a mão na cabeça dela demais. Lembra da última vez? Ela jogou uma escova de prata contra você, te ferindo, e você continuou ao lado dela. Não, não dessa vez. — Ele falou saindo do quarto, e tudo que vi foi a silhueta de Abigail que se virou para mim com um semblante triste.

Acordei com a luz do sol entrando pela janela e o barulho da porta se abrindo, seguido de alguns passos apressados e as cortinas sendo abertas.

— S-senhorita. — Ouvi a voz baixa de uma mulher. — S-senhorita.

— Senhorita Blackwood! — A voz do homem da noite passada. — Levante-se, seu pai ordenou que se levantasse. — Tentei me levantar, mas minha cabeça estava pesada e doendo demais. — Senhorita Blackwood. — Ele puxou minha coberta. — Senhorita...

Eu me sentei.

— Já ouvi! — Eles levaram um susto e se afastaram. Kalinda, você realmente tocava o terror. Eles pareciam apreensivos, prontos para qualquer coisa a qualquer momento. Vi que eram ele, mais quatro mulheres e Abigail, todos vestidos como empregados. Na minha cabeça, vieram as lembranças das vezes em que Kalinda foi má com eles, o que os levou a ser os primeiros na revolta contra ela. Lembro-me de que, quando Kalinda assumiu o trono, Ponfírio foi embora para uma casa no campo, longe de tudo. Essa lembrança apertou meu coração. Eles não tinham culpa de nada, não tinham culpa do pai dela ter negligenciado ela. Uma lembrança desse senhor na infância dela veio à minha mente.

— Por favor, Ponpon, me dê só alguns minutinhos, minha cabeça ainda dói. — Esse apelido pareceu desestabilizar o senhor à minha frente, ele parecia um vovozão. — Pode ser? — Os olhos dele pareceram marejar, lembrando de algo. — Minha cabeça ainda dói muito, por favor, Ponpon!

— Ela pediu por favor! — Ouvi cochicharem. Poxa, Kalinda, eles estão surpresos por você falar por favor.

— Eu prometo, prometo que vou levantar! — Disse, fazendo uma cruz acima do peito, uma cruz que ele ensinou a Kalinda quando era criança, uma cruz de juramento. Ele ficou surpreso.

— Tragam um remédio para ela! — Ele disse, se virando ainda um pouco desestabilizado. — Eu a espero em alguns minutos, senhorita Blackwood, para o café da manhã. Não cause problemas! — Disse firme, saindo.

Fiquei surpresa com Abigail e as outras ao preparar meu banho, trocar meus vestidos e fazer meu penteado. Cada vez que eu dizia "por favor" ou "obrigado" ou qualquer agradecimento, via a reação de surpresa deles, o que me deixava ainda mais mal. Parei em frente ao espelho, olhando o vestido de um azul celestial que mais parecia ter sido retirado de um pesadelo de arco-íris desbotado. Era uma verdadeira obra-prima do mau gosto. A parte superior era adornada com laços desajeitados e mal posicionados, que pareciam ter sido amarrados por uma criança em um dia de brincadeira. No centro do corpete, que era bem apertado, fazendo os seios saltarem, havia uma imensa rosa azul de tom artificial e berrante, que parecia implorar para ser removida. Isso certamente não combinava com a idade e nem com a própria Kalinda, me causando certo incômodo.

— E-esse é o vestido que vou usar? Eu p-posso usá-lo?

— Sim, foi a senhorita que o comprou na semana passada! — Fiz uma cara de desgosto ao ouvir Abigail falar, e elas abaixaram a cabeça. — Desculpe, não perguntamos se você queria esse vestido. A senhorita estava tão empolgada que pensamos que...

— Está tudo bem, Abigail, não precisa se explicar. Afinal, vocês conhecem a moda dessa época melhor do que eu. — Eu pensei que poderia ter outro. — Caminhei em direção ao grande closet, onde havia inúmeros sapatos, roupas, joias, tudo que se pode imaginar para vestir e usar. O closet era enorme. Lembrei da Barbie em "A Princesa e a Plebéia", mas pelo menos a Barbie tinha bom gosto. Kalinda não tinha nenhum, e se essa fosse a moda daqui, eu estava realmente um pouco ferrada. Todos os vestidos eram meio feios. — Isso é o que vestem hoje em dia?

— É o que a senhorita gosta! — Abigail disse, medindo as palavras e me fazendo entender tudo. Kalinda, você é um caso perdido.

Fora do quarto, não levou muito tempo para perceber que eu estava, na verdade, em castelo que mais parecia um palácio, afinal Kalinda era filha do marques, nos filmes que eu assitia palacios eram para reis e rainhas e castelos eram para duques e marqueses. A posição de marques era importante, acho que por isso haviam guardas com uniformes com o brasão  de escudo central em vermelho, adornado com um sol dourado estilizado no centro. O escudo é cercado por elaborados arabescos em tons de dourado e vermelho, com detalhes florais e espirais. No topo do escudo, há um capacete de cavaleiro dourado com uma joia vermelha.O  tecido  do uniforme era de tom vermelho bordô, refletia sofisticação e nobreza. A jaqueta apresentava ombreiras estruturadas, botões dourados com o brasão da família, colarinho alto com bordados dourados, e punhos adornados com tiras douradas. As calças eram pretas   ajustadas com um cinto de couro negro com fivela dourada. Botas de couro polido completavam o traje. As capas pesadas para proteção contra o clima também eram vermelho bordô, presas por uma corrente dourada no peito. Os guardas carregavam espadas em bainhas de couro decoradas com detalhes em ouro, simbolizando seu compromisso e lealdade inabalável, eles estavam na  maiorias das entradas, porem pelo oque parecia osguardas de fora usavam armaduras com o brasão dos Blackwoods.Havia tapetes por todo lugar, janelas grandes, quadros com detalhes dourados junto com móveis delicados. Realmente parecia que eu estava em um dos filmes de princesas da Barbie. Eu estava muito longe da minha época, muito longe mesmo. Minha cabeça ainda estava lutando para entender tudo isso. Abigail me levou até a sala de jantar da mansão, que exalava opulência. O chão, com ladrilhos em preto e branco, contrastava com o tapete vermelho ricamente detalhado. No centro, uma mesa de madeira escura e polida estava preparada para um banquete, com uma toalha rosa adornada com uma faixa dourada. A louça decorada e os talheres de prata reluziam à luz dos candelabros de cristal, enquanto um vaso de rosas vermelhas perfumava o ar. As cadeiras estofadas em rosa com detalhes dourados ofereciam conforto, e ao fundo, móveis dourados e espelhos ornamentados refletiam a luz do sol que entrava pelas grandes portas de vidro, com cortinas brancas criando um ambiente majestoso. Um aparador antigo com um relógio de pêndulo dourado completava o cenário. Cada detalhe da sala de jantar parecia pensado para impressionar e encantar, tornando qualquer refeição uma experiência inesquecível.

Abigail foi para um canto ao meu lado, e eu me sentei à mesa, olhando o banquete à minha frente: ovos, frutas, bolos, pães, geleias, manteigas, cafés, chás, sucos e outros alimentos e bebidas enchia a mesa em grande quantidade. Olhei para aquilo tudo, perplexa. Olhei para a porta, esperando mais alguém, porque aquela quantidade de comida não poderia ser só para mim, e também porque não é educado começar a comer antes que todos estejam presentes. Eu poderia não ter sido rica, mas fui muito bem educada. Ponfírio me olhou, questionando.

— Há algo que não gostou, senhorita Blackwood?

— Não, tudo o que vejo é muito bom! Estou esperando...

— Esperando?

— Sim, Kaizen ou meu pai. — Eles se entreolharam surpresos. O que foi que eu disse?

— Ela voltou a chamar o marquês de pai! — Ouvi outras empregadas cochicharem. Espera, Kalinda não o chamava de pai? A situação era mais complicada do que eu imaginava.

— Senhorita Blackwood, eles não vêm, pode comer! — Ponfírio disse.

— Eles não vêm? Como assim? — Ele me olhou confuso com minha pergunta.

— Bom, vai ser como sempre foi! — Isso me fez desbloquear outra memória de Kalinda. Ela sempre tomou café, sempre almoçou e jantou sozinha. Raras vezes seu pai ou seu irmão vinham, e quando vinham, não trocavam nenhuma palavra sequer. Isso me deu um aperto no coração, a lembrança dela naquela casa, sozinha, apenas com os empregados que não aguentaram seu jeito rebelde por muito tempo. Simon, Simon, o que você fez.— Senhorita Blackwood? — Ponfírio me chamou, fazendo-me voltar. — Algum problema? — Balancei a cabeça negativamente com um sorriso sem mostrar os dentes. Escolhi uma coisa ou outra e logo me senti satisfeita.

— É muita comida!

— Como? — Ele perguntou.

— Vocês já comeram? — Perguntei.

— Você mais do que ninguém, senhorita Blackwood, sabe que só comemos quando nossos patrões terminam de comer.

— O quê? Mas são — Olhei para o relógio — são 09:30 e vocês não comeram nada. Por favor, sentem-se e comam! — Disse. Vi uma empregada mais nova se animar e ir em direção à mesa para comer, mas foi parada por Ponfírio.

— Sem joguinhos, senhorita Blackwood. Da última vez que isso aconteceu, você teve um ataque de fúria e a sala de jantar ficou toda suja. Uma das empregadas teve o braço quebrado, então apenas coma. — Ele disse sério. Sentei-me perplexa, sem palavras. Afinal, não era eu. Meu Deus, Kalinda.

Depois desse banquete, voltei para o meu quarto, andando de um lado para o outro, negando acreditar que tudo tinha que se repetir, que eu tinha que ser igual a Kalinda. O que ela fazia com eles era horrível. Eu não sabia mais nada, não entendia mais nada.

— O QUE EU FAÇO! — Gritei, colocando a cabeça embaixo do travesseiro.

— Senhorita! — Abigail entrou. — Está tudo bem? — Ela parou na entrada da porta, receosa. — Eu vim trazer o seu remédio! — Olhei para sua testa e vi a cicatriz, o que deu uma pontada no meu coração.

— Eu... estou... — Disse, sentando-me. Não sabia o que fazer, sentia que qualquer coisa que fizesse me levaria à morte. E para mim morrer, não é? Deitei na cama, suspirando, lembrando de Kalinda me falando algo naquele dia.

— Não parece. — Disse, adentrando e colocando o remédio ao meu lado e logo me entregando junto a um copo d'água.

— É só, um sonho que não consigo lembrar. Você já teve um desses, Abigail? — Sentei na cama. — Um sonho que você precisa lembrar, mas não consegue?

— Sim. Olha, senhorita, eu sei que não acredita nisso e nem eu deveria falar, mas não me bata! — Sentei na cama, curiosa.

— Eu não vou te bater, eu juro!

— Mas o jardineiro, o Roniel, dizem que ele era um cigano, ele consegue ler cartas e interpretar sonhos. Se quiser, eu posso...

— Ah, sim! — Dei um salto da cama, indo até ela e pegando suas mãos. — Por favor, por favor, por favor, por favor, Abigail! Mas sem ninguém ver ou saber! — Disse, ela me olhou surpresa com um sorrisinho sem mostrar os dentes. Minutos depois, Abigail trouxe ao quarto um homem de porte esguio, que parou na entrada do meu quarto, olhando-me com seus olhos verdes sérios.

— Pode entrar! — Disse. Ele entrou com o pé direito e parou por alguns minutos na porta. Sua expressão mudou; de sério para curioso e simpático. Ele veio até mim com movimentos graciosos, vestindo uma camisa de linho branca entreaberta, suja de terra assim como seu rosto, revelando uma corrente de ouro. Calças pretas surradas e um colete bordado com detalhes dourados e vermelhos completavam seu traje, escondidos atrás de um avental todo sujo de terra, e no bolso, luvas de jardinagem.

Seu rosto era marcado pela pele bronzeada e pela barba preta, um pouco grande, aparentando ser um pouco mais velho que eu e Kaizen. Seus olhos eram penetrantes, verdes, e seus cabelos longos e ondulados, de um negro profundo, caíam até os ombros. Brincos de ouro e anéis adornavam suas orelhas e dedos. No pulso, uma pulseira de contas coloridas tilintava a cada movimento.

— Senhorita Blackwood?

— É um prazer conhecê-lo. — Disse, pegando sua mão. Ele me olhou ainda mais perplexo e curioso. — Por favor, sente-se! — Apontei para o sofá que havia no quarto, junto com uma mesa de centro e outras duas poltronas.

— Não quero sujar, estava trabalhando na terra!

— Não me importo de sujar, por favor, sente-se! — Assim ele fez. Olhei para Abigail. — Abigail, pode nos deixar a sós! — Ela me olhou espantada.

— Senhorita, de modo algum. Você tem uma reputação, independente de tudo, e outra, não é adequado ficar sozinha com um homem que não seja da sua família, ainda mais no seu quarto.

— Ela tem razão! — Ele disse.

— Abigail, por favor, são só alguns minutos! — Fui até ela. — Eu prometo, por favor, é muito importante! E eu só confio em você para isso agora — Ela me olhou receosa e suspirou. Abigail sempre esteve com Kalinda desde que ela nasceu, como uma babá. A mãe de Kalinda confiava muito nela, e quando ela faleceu, Abigail foi uma das pessoas que mais sofreu e prometeu cuidar de Kalinda. Por isso, ela sempre esteve ao lado da jovem.

— Senhorita, desde que adoeceu e acordou, está diferente, mas se é importante para você, eu farei isso, mas apenas por alguns segundos. — Disse, saindo. Virei-me para ele, que estava sentado, e logo me sentei na poltrona ao seu lado.

— Senhor... Rosiel, não é? — Ele inclinou a cabeça para o lado, estreitando os olhos.

— É assim que me apresento, mas pode me chamar de Vasile. — Balancei a cabeça, concordando.

— Pode me chamar de Kalinda, então...

— Não. — Ele me interrompeu, sentando-se mais na ponta do sofá e me olhando atentamente. Seus olhos pareciam mais claros, como se brilhassem. — Se vai me pedir algo, quero que me diga seu verdadeiro nome. — Ele se levantou, deu a volta na mesa de centro e sentou-se nela, próximo a mim, fazendo-me sentir o forte cheiro de almíscar. — Você não é a mimada estúpida da Kalinda Blackwood de jeito nenhum. Quem realmente é você, alma perdida? — Um vento forte entrou pela porta da varanda, me arrepiando.

— A-Ava. Meu nome é Ava. — Disse em um alívio, parecendo um desabafo. Ele sorriu de canto.

— Você está muito longe de casa, Ava. Muito longe!

Continua...

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