SORRISO AUDACIOSO
Olá, amores e amoras! A espera finalmente acabou. Pecado Irresistível começa a ser postado hoje, com atualizações semanais aos sábados e domingos. Espero que se deliciem com o francês.
Boa leitura e até amanhã. :*
A.C. Nunes
Eu não deveria ter feito isso. Mas o que foi que deu em mim em querer procurar por Dousseau, enquanto meu marido aqui ao meu lado está conversando com o senador Blanc? Em qualquer outra ocasião, eu jamais seria tão... tão... não sei nem como definir este meu comportamento, esta minha necessidade quase incontrolável de olhar – uma última vez – para seus olhos claros.
Antony está distraído, conversando sobre política – um assunto que, aliás, me foge muito –, e com uma discrição que me assusta, consigo olhar por cima dos meus ombros. E lá está ele, me olhando de volta, com uma taça de champanhe em mãos e um sorriso audacioso.
Ao notar que estou encarando outro homem que não seja meu esposo, volto-me para frente, forçando um sorriso e fingindo estar inteirada no assunto de Antony e o monsieur Blanc. Ele nos convida a seguir até o bar do evento, antes que o jantar para as arrecadações comece. Os senhores fazem seus pedidos, enquanto eu prefiro por apenas uma taça pequena de vinho seco. Os homens praticamente me esquecem, e começo a ficar entediada, sem poder interferir na conversa.
— Chèrie — sussurro ao ouvido de Antony —, se importa se eu me juntar a algumas amigas que estão no evento? — pergunto. Ele se vira no banco para me olhar melhor.
— Amigas, Ann — frisa a palavra feminina, me dando a entender que não devo conversar com homens. Antony sempre teve problemas de insegurança e nunca gostou que eu conversasse com pessoas do sexo masculino que não fossem estritamente do meu círculo social. — A última vez, me disse que estaria na companhia da mademoiselle Claire, mas te peguei de papinho com monsieur Dousseau.
Minhas bochechas coram de vergonha em apenas ouvir o sobrenome deste homem. Não consigo não me lembrar de sua gentiliza ao me cumprimentar, ou da sua voz suave e agradável quando puxou conversa comigo, provavelmente ignorante ao meu estado civil. Ou do primeiro olhar que trocamos quando, por algum motivo, me virei em sua direção e o peguei me olhando. O pior de tudo foi – contra todo o bom senso – eu sorrir para ele. Não consigo não me recordar de seu perfume forte ao seu pôr ao meu lado e de como o analisei rapidamente sem que ele percebesse. O smoking todo preto, com a delicada gravata borboleta, deu um caimento ótimo em seus 1,80 metros.
Afasto os pensamentos da minha cabeça, deixo um beijo no rosto de Antony e vou em direção ao grupo de socialites logo à frente. Falamos sobre diversos assuntos por um longo tempo até eu sentir um toque em minha cintura e me virar para ver meu marido sorrindo para mim. Seus olhos estão levemente vermelhos e caídos, revelando embriaguez. Ele cochicha no meu ouvido que o jantar já vai começar e devemos nos juntar à mesa com o monsieur Dupont. Aceno em positivo, seguro-me em seus braços e, ao me despedir de minhas amigas, sigo com ele até nossa mesa reservada.
Tivemos o pequeno privilégio de nos juntar à mesa com Emilien. Ele e Antony se tornaram muito amigos nos últimos três anos. Assim, Emil fez questão de nos dar um lugar privilegiado no evento: em uma das primeiras mesas, em sua companhia.
Estamos chegando a nossos lugares quando tenho a impressão de quase perder a firmeza das pernas. Dousseau está junto de Emilien, em uma conversa muito animada, acompanhado de uma mulher negra que o segura pela cintura. Minha respiração falha sem que eu perceba, e meus passos diminuem à medida que nos aproximamos.
— Chèrie, você está bem? — Ouço Antony me perguntar.
Encontro alguma força para abanar a cabeça em positivo e voltar o ritmo de meus passos. Emilien sorri ao nos ver e nos convida a nos sentarmos em volta da mesa.
— Monsieur Dousseau e mademoiselle Marie são convidados de última hora, Leclerc — ele diz ao meu esposo, me olhando um instante, enquanto nos ajeitamos em nossos lugares.
Com um tom de voz estranho, Antony assegura estar tudo bem, mas sei que não está nada bem. Quando esse homem invoca com alguma coisa ou alguém, não há nada no mundo que o faça mudar de ideia. Eu me mantenho em silêncio, pois bem, não há muito o que opinar sobre a decisão de Dupont. Ele é o anfitrião da festa e pode fazer o que bem entender e convidar quem quiser.
Os garçons começam a servir as mesas com as entradas, especialmente preparadas por chefs de renomes em Paris. Emilien fez questão de nos receber com o melhor que seu dinheiro pode comprar. Enquanto somos servidos, a orquestra para de tocar para dar lugar a um locutor que começa a anunciar as "atrações" da noite para o arrecadamento do dinheiro que será convertido para sua causa humanitária na África. Haverá leilões de joias, obras de arte, donativos voluntários e também leilões dos solteiros mais cobiçados da cidade.
Durante o decorrer agradável do jantar, eu me pego observando Bernardo e o modo como ele interage com todos em torno da mesa. Com Marie ele se mostra muito mais íntimo e me é impossível não me perguntar que tipo de relacionamentos eles têm. Notei que não são namorados ou marido e mulher, mas são, inegavelmente, um casal. Talvez sejam um destes casais liberais, que não se importam em dividir o parceiro. Ou talvez sejam apenas amigos.
Enquanto como o caviar, tento não pensar no assunto. A vida particular de monsieur Dousseau não é de minha conta e muito menos de meu interesse. Porém, não posso evitar em julgar a postura destes dois. Essa relação deles — seja lá que tipo seja — é tão desagradável aos olhos de Deus.
Em minha observação, também noto que Bernardo é uma pessoa radiante, bem-humorada, de conversa fácil e agradável. Várias foram as vezes em que me peguei rindo discretamente de alguma colocação dele. Olho ao redor, levando um pouco de água aos meus lábios secos, e vejo muitas personalidades, da alta sociedade, artistas, políticos e pessoas de renome. É uma festa de gala, organizada por Emilien Dupont, um dos maiores empresários e investidores da França, com não mais do que trinta e seis anos e uma conta com mais zeros do que eu posso contar. Claro que ele ter nascido em berço de ouro e em uma família privilegiada conta para ser tão bem-sucedido antes dos quarenta. Ainda assim, o homem conseguiu a proeza que seu pai não foi capaz, e inclusive superou a fortuna do velho Dupont, que descanse em paz.
E embora seja uma festa para os mais ricos de Paris, e sabendo que Bernardo é um destes ricos, sou capaz de reconhecer todas as personalidades neste salão, menos ele. Quem é? O que faz? Com que trabalha?
Oh Deus, e por que estou tão interessada nele e em sua vida?
Engulo a água com mais força do que o necessário e faço mais um esforço em tentar tirar este homem de meus pensamentos. Uma tarefa impossível quando o ouço dar uma gargalhada gostosa. Emilien e Marie estão rindo de alguma coisa dita por Dousseau, contudo, eu estive viajando demais em meus pensamentos para me atentar ao fato.
Olho para o lado e vejo Antony estático, bebendo mais de sua dose de uísque, ou não achando graça nas palavras de Bernardo ou também não prestou atenção à conversa e está perdido tanto quanto eu.
— Oh, Dousseau — exclama Emilien, se recuperando da crise de risos. Bebe mais de sua água e seca os lábios com o guardanapo de pano. — Juro que, no lugar do seu amigo, eu não teria deixado isso barato desta maneira.
Por um mísero segundo, Bernardo me olha, sorrindo aquele seu sorriso tão... lindo, acentuado pelas leves covinhas em torno das bochechas. Ele me olha por apenas um segundo, mas dentro deste segundo consigo sentir a intensidade do seu olhar, consigo sentir o desejo latente, o mesmo que vi quando nos olhamos pela primeira vez. Sinto-me acuada e incomodada. Ele agora sabe que sou compromissada, então porque ainda me olha como se me desejasse?
— E ele não deixou — Bernardo completa, desviando o olhar para Emilien. Meu coração volta a bater normalmente, e um alívio estranho atravessa meu corpo. — Mas esta história não contarei. É inapropriada para o momento — diz, entornando mais de seu vinho.
Busco pelo olhar de Antony mais uma vez. Ainda estático no lugar, com seus olhos embriagados cravados em Bernardo, a linha do maxilar está apertada, os músculos do rosto todos tensionados, enquanto Dousseau está alheio a este olhar mortífero e segue conversando com Emilien.
— Chérie — chamo-o, e, devagar, ele se vira para mim. — Está tudo bem?
Antony me analisa por um instante, estreitando os olhos em minha direção. Ele se aproxima mais e cochicha em meu ouvido:
— Fique longe deste Bernardo.
Fico sem reação, não entendo o porquê deste pedido. Busco pelos seus olhos e o cheiro forte de álcool me acerta. Apenas aceno em positivo. Estou me ajeitando em meu lugar quando ouço-o completar:
— E pare de olhar para ele, Ann.
Diante essas palavras, não tenho reação nenhuma, apenas travo em meu lugar.
Após o jantar delicioso e refinado, alguns de nós participa dos leilões. Antony decide ir ao de obras de arte e eu o acompanho, deixando Emilien e o restante no grupo no de joias. Com uma de suas ofertas, Antony consegue adquirir um quadro muito bonito. Depois, ele faz uma contribuição com um donativo de valor elevado e deixa um de seus cartões de crédito comigo para que eu participe do leilão de joias. Penso que ficará comigo, ao meu lado, mas depois de dar uma olhada ao redor, diz que retornará ao bar para consumir um pouco mais e conversar com o prefeito, agora na companhia de um famoso deputado, aconselhando-me a não "exagerar".
Espero acabar o lance atual. O próximo é de uma gargantilha de brilhantes que me chama muita atenção. É linda. Depois do lance inicial, começam as ofertas das pessoas interessadas. Lanço logo no começo e disputo com mais três mulheres. Elas são mais ricas e podem ofertar mais do que eu. Desisto quando sei que Antony não ficará nada feliz se eu gastar um valor absurdo em seu cartão, embora tenhamos condições de pagar. Decido por não continuar, uma vez que estou com o cartão dele; assim desisto de tentar arrematar a joia, e o leiloeiro já está fechando a venda quando uma voz conhecida soa pelo salão logo atrás de mim, cobrindo a oferta da socialite. A mulher sobe um pouco mais. Bernardo dá outro lance maior, e sua voz se aproxima a cada lance novo. Olho para trás e o vejo com a acompanhante Marie.
Eles param bem de frente ao leiloeiro, dando o último lance e arrematando a peça. Sinto-me estranha em saber que Dousseau fez o que fez apenas para ter a gargantilha em mãos e presentear a mulher exuberante ao seu lado. Engulo o nó em minha garganta e sorrio quando o casal se vira em minha direção e me cumprimenta.
— Parabéns, monsieur Dousseau. Foi uma bela oferta — cumprimento-o, apenas por educação.
Ele me responde com um dos seus sorrisos e se volta para buscar seu prêmio. Que dará à sua... amante? Afasto os pensamentos da cabeça e decido por não ficar no mesmo ambiente que Bernardo. Se Antony aparecer por aqui, com certeza tirará conclusões equivocadas e eu quero evitar confusão. Ao me virar, porém, meu coração dá uma batida a menos.
Ele está na entrada do salão, seus olhos ainda mais vermelhos, paletó desengonçado, camisa abarrotada. Começo a orar a Deus para dar algum tipo de discernimento a este homem e que não faça nenhum escândalo. Sorrio um sorriso forçado, tentando manter a calma. Não há o que temer. Não houve nada. Volto a andar em sua direção, e Antony vem ao meu encontro, a passos cambaleantes. Nem vejo quando sua mão forte me segura pelo braço e aplica pressão desnecessária. Nossos olhos se encontram, os dele figuram raiva, ódio, loucura... obsessão.
Pestanejo, tento encontrar alguma palavra coerente para acalmá-lo, mas não encontro nenhuma. Mesmo se encontrasse, não teria condições nem tempo para alguma coisa. Ele me arrasta para fora, sem nada dizer, puxando-me como se fosse um homem das cavernas. Por algum motivo desconhecido, olho para trás, e encontro os olhos amáveis e em preocupação de Bernardo. Dou-lhe um pequeno sorriso, não faço a mínima ideia de por quê, mas eu sorrio.
Quando Antony me dá um puxão mais brusco e me encaminha para o jardim atrás da mansão onde ocorre o evento beneficente, volto ao mundo real. Ele nos para perto de um chafariz. Passa a mão nos cabelos e anda de um lado a outro por um segundo antes de dizer:
— Eu te mandei ficar longe dele. — Sua voz está mole e irritadiça. — Longe, Ann! Mas outra vez estavam de papinho.
— Antony, não — tento explicar. — Só o parabenizei por ter arrematado a joia no leilão.
Com um passo grande, ele me segura de novo pelo braço, aplicando novamente uma pressão desnecessária, desconfortável, que me machuca. Antony me sacoleja como se eu fosse uma boneca de pano e brada:
— Não sou cego, Ann-Maire! Eu vi a troca de olhar entre vocês. Eu vejo como ele te olha, com desejo! — Enquanto me sacoleja, saliva escapa de sua boca, e o cheiro de álcool quase me deixa bêbada.
É isso.
Ele está bêbado. Por isso sua reação exagerada. Há alguns anos, uns oito, mais ou menos, desde nosso casamento, Antony vem demonstrando essas crises de ciúmes, mas nunca nesse nível de agora.
— Chèrie, se acalme! — peço, tentando me livrar de sua pegada. Antony começa a me machucar, minha cabeça já está doendo por ser balançada dessa maneira.
Ele ainda está gritando, chamando a atenção de todos, humilhando-nos perante toda a sociedade de Paris. E o pior: me magoando com suas ofensas. Ao conseguir me soltar do seu aperto, desequilibro-me e caio no gramado, desajeitada. Vejo-o se aproximar de mim cheio de fúria nos olhos.
— Acalme-se, Leclerc. — Bernardo o segura pelos braços, evitando que ele faça seja lá o que fosse fazer ao se aproximar de mim desta maneira.
Marie aparece no meu campo de visão junto com Emilien e me ajuda a me levantar, perguntando-me se estou bem. Estou baratinada demais para dar qualquer resposta de imediato. Tudo que vejo é Bernardo tentando conter meu marido, que ainda se debate.
— Solte-me! — ele brada, conseguindo se soltar. — Seu maldito desgraçado! — Ao dizer isso, Antony avança sobre Bernardo, desferindo um soco forte em seu rosto. Tão forte que o derruba.
Dupont se apressa a conter Antony e evitar que ele avance mais sobre Bernardo, e eu estou horrorizada demais com a cena para ter qualquer reação. Antes de Emilien sequer poder segurar meu esposo, Dousseau já se ergue e está revidando a agressão.
Os dois se estatelam no chão e se agridem. Emilien consegue segurar Bernardo e separá-lo de Antony, agora caído no gramado do quintal, balbuciando alguma coisa, quase perdendo a consciência. Faço menção de correr até meu marido e me certificar de que está tudo bem com ele, mas uma mão macia me impede de tal ato. Viro-me e encontro os olhos de Marie. Ela move a cabeça em negativa, desencorajando-me a me aproximar. Engulo em seco e acato sua sugestão. A mulher está certa. No estado dele, tão... bêbado e desequilibrado, depois de uma briga com Dousseau, me aproximar é a coisa mais desaconselhável e idiota a se fazer.
Dupont acalma os nossos nervos e ajuda Antony a se levantar com ajuda de uma terceira pessoa, levando-o para dentro. Eu não sei o que fazer, não sei se vou atrás ou se fico. Ponho as mãos no rosto, segurando as lágrimas para mim. A noite não poderia acabar de forma mais desastrosa. Sinto um toque em meus ombros e me viro para encarar os olhos da mademoiselle Julien.
— Monsieur Dupont vai cuidar dele, não se preocupe — diz, sacando o celular do bolso. — Deveria ir pra casa, descansar. Eu vou ficar para te dar notícias do seu marido. Você tem as chaves do carro?
Olho para baixo um instante. As pessoas ao redor, que presenciaram a briga, estão se dissipando, agora que os nervos foram todos acalmados. Dou uma olhada no entorno e vejo Bernardo ainda alterado, enquanto um terceiro homem está conversando com ele e, provavelmente, pedindo para se manter calmo.
— Eu... não sei dirigir. Não tenho carteira de motorista.
Marie me olha um momento como se isso fosse um erro imperdoável e abana a cabeça em positivo.
— Posso chamar um táxi para te levar para casa — oferece-se
— Não precisa. — É a voz masculina de Dousseau soando atrás de mim. — Eu levo a senhora Leclerc para casa.
Nego-me a olhá-lo neste momento. Isso tudo é culpa dele. Se não tivesse brigado com Antony... Oh Deus, que estou pensando? Ele estava apenas tentando ajudar. Meu esposo quem partiu para a ignorância. Respiro fundo e me viro em sua direção. Ponho meu melhor sorriso, mas o tiro no instante seguinte. Há grandes hematomas espalhados em sua face, e isso me deixa estranhamente em choque.
— Não quero incomodar, monsieur Dousseau — nego, de forma educada. — Posso esperar meu marido se recuperar e irmos para casa juntos.
— Antony está muito bêbado, madame — ele contraria, ainda soando educado. — Ele sequer poderá dirigir e nem se recuperará de sua embriaguez rapidamente. Precisará de, no mínimo, a noite toda para isso. Eu causei essa confusão, de um jeito ou de outro, e me sentiria muito melhor se pudesse, ao menos, te levar em segurança para sua casa.
Não sei por quê, mas procuro pelos olhos de Marie, como se ela pudesse me dizer o que fazer neste momento.
— Vá, chère. Eu ficarei para dar notícias de seu marido.
Suspirando, cedo com um aceno de cabeça. Anoto meu telefone no celular dela e volto para o salão buscar minha bolsa de mão e meu casaco. Quando retorno, Bernardo já está me esperando. Caminhamos em silêncio até o estacionamento e permanecemos assim enquanto o manobrista traz o veículo. A viagem é feita praticamente da mesma maneira, exceto pelo único minuto em que passei meu endereço a ele, que colocou no GPS.
Permaneço dentro do carro mesmo quando chegamos. Sinto-o me olhando e me analisando enquanto arrumo alguma coragem de me virar em sua direção, agradecer pela carona e descer. Levo alguns segundos para isso e, ao fazê-lo, me perco nos seus olhos claros. Ele é bonito. Não tem uma beleza padronizada. É peculiar à sua maneira.
— Obrigada, monsieur Dousseau — agradeço, desviando o olhar um segundo.
— Bernardo.
Sem entender, eu o olho.
— Me chame de Bernardo. Sei que não somos íntimos o bastante, mas...prefiro que você me chame pelo nome — diz, com um sorriso bastante bonito e galante.
Não é muito do costume francês chamarmos desconhecidos pelo primeiro nome, e Bernardo é isso para mim: um desconhecido. Eu nem mesmo deveria ter aceitado sua oferta de carona. Só o aceitei por ser um homem do círculo social de Antony, então, de algum jeito, sei que é uma pessoa confiável.
— Prefiro te chamar pelo sobrenome — rebato, com delicadeza.
Ele maneira a cabeça em positivo.
— Je vous remercie — agradeço, enfim, ajeitando minha bolsa, já prestes a descer do carro.
— Je vous en prie — ele responde.
Ponho a mão na maçaneta, então desisto, pois me lembro de um detalhe que não posso me esquecer. Viro-me para ele de novo e o olho com atenção, procurando pelas palavras para lhe pedir tal coisa.
— Dousseau, posso te pedir um favor? — Sua resposta é um aceno positivo. — Pode não dizer nada a Antony sobre ter me trazido para casa? Eu... — Suspiro, desviando o olhar, levemente envergonhada. — Eu quero evitar intrigas, entende? Ele é...
—... ciumento — completa em meu lugar. — Eu percebi.
— Não ia dizer necessariamente essa palavra. Ia dizer que...
— Eu entendi, Ann-Marie — interrompe-me, e sua audácia de me chamar pelo primeiro nome não me incomoda. Pelo contrário, mexe comigo de uma forma que não sou capaz de explicar.
Balanço a cabeça em positivo, aliviada por ele, em algum nível, compreender meu pedido. Estou novamente prestes a descer do carro, mas um toque em meu braço me impede pela segunda vez. A mão dele está sobre minha pele, e isso mexe mais um pouco comigo. Encontro seus olhos, estão amáveis, cravados nos meus. Eu já notei o interesse de Bernardo em mim, porém, sua insistência em me olhar com este desejo todo é desconcertante e inadmissível, uma vez que sou uma mulher casada, e ele sabe disso.
— Espere, tenho algo para te dar — diz-me, deixando-me surpresa.
Eu nem tenho tempo de responder e negar seja lá o que ele queira me dar, pois Bernardo já está se inclinando sobre meu corpo e abrindo o porta-luvas. Retira uma caixinha de veludo e a abre em minha direção, revelando a gargantilha de brilhantes arrematada no leilão. Meus olhos se arregalam diante a joia. Encaro-o, espantada por tamanha audácia. Ora, nós nem nos conhecemos direito e ele quer me presentear desta maneira? Poderia Bernardo ser mais audacioso?
Estou abrindo a boca para dizer algumas palavras presas em minha garganta, quando, por fim, me dou conta do que está acontecendo aqui. Enrubesço no mesmo instante e meu coração dá uma batida a menos. Bernardo não arrematou a joia para Marie, sua acompanhante, e sim para mim.
Não sei o que dizer, nem o que sentir.
Este homem é... surpreendentemente audacioso.
— Monsieur Dousseau, não posso aceitar isso.
— Por favor, Ann — insiste, novamente usando meu nome e o tom informal, como se fôssemos íntimos o bastante para tal. — Eu vi que estava tentando laçar a peça. E embora eu saiba que você poderia muito bem ter a comprado, por algum motivo desistiu dela. — Suspira, afasta o toque de suas mãos em mim e me olha, mais atento, como se procurasse pelo meu eu escondido no recôndito mais inalcançável de minha alma. — Arrematei esta joia pra você, pois sei que a queria muito.
Fico o encarando por longos segundos sem saber que tipo de resposta dar a este homem. Sua audácia me dá um nó no estômago e me desconcerta. Audácia de me chamar pelo primeiro nome, de me presentear com algo tão caro.
Afasto a gargantilha de meu alcance.
— Não posso aceitar, monsieur Dousseau. Mesmo se eu quisesse. Não posso. O que meu marido pensará disto? Ele não se agradará com um presente tão... inapropriado como esse. Por favor...!
Insolente como ele só, Bernardo aproxima a caixinha de veludo perto de mim, apoiando-a sobre minha mão e fechando-as com as suas mãos grandes. Sinto seu toque macio e quente. Algo dentro de mim se remexe.
— Esconda por algum tempo. Depois, diga a ele que encontrou em alguma joalheria e como queria muito essa gargantilha desde que a viu no leilão, então você comprou. Ele vai acreditar.
Horrorizada. Estou horrorizada com tamanha sugestão. Bernardo quer que eu minta para meu marido, perante os olhos de Deus, que não se agrada com mentiras.
— Sou uma mulher cristã, senhor Dousseau — repudio-o. — Fiel a Deus e à Igreja, e minha religião não tolera nem se agrada com mentiras como essa.
Ele não diz nada, também não se afasta. Seu toque continua em mim, fechando a caixa em minhas mãos. É tão inapropriado e ousado essa sua aproximação. Seus olhos estão em mim, com um sorriso galante e charmoso, doce feito mel, e eu não consigo me desviar mais deles. São tão... lindos.
— Vou aceitar a joia — pego-me dizendo. Oh, Deus, que estou fazendo? Perdi todo meu juízo e temor ao Senhor? — Mas farei questão de pagá-la em breve. — Vejo-o querer abrir a boca para, com toda certeza, protestar minha decisão, mas não o deixo. — Isso ou não aceito seu presente inconveniente.
Ele me dá um sorrisinho de lado.
— Está bem, madame Leclerc. — Sua voz é divertida, e creio que ele está debochando de mim. Por que tenho a impressão de que não me deixará pagar por esta gargantilha?
Estou me advertindo por aceitar o presente — mesmo sob meus termos — quando ele sai do carro e abre a porta do passageiro para mim. Sua grande mão direita está esticada em minha direção para me ajudar a descer. Não a nego, e sua pele quente outra vez me dá uma sensação diferente no estômago. Agarro-me à joia como se minha vida dependesse disso enquanto ele se aproxima e deixa um beijo estalado em minha bochecha.
Que homem mais insolente!
Quando se afasta, seus olhos claros estão nos meus.
— Salut, Ann — diz, a voz ainda divertida. Sua informalidade me irrita.
Não me despeço de volta. Dou-lhe as costas e faço meu caminho. No meio do percurso, porém, não me seguro e olho para trás. Minha pior decisão.
Bernardo está encostado à lataria de seu carro, olhando-me, com o mesmo sorrisinho audacioso e galante de antes.
E mais uma vez eu sinto algo diferente seremexer dentro de mim.
Já deu pra notar que Antony é cem por cento embuste, né non? E a tendência é apenas piorar. HAHAHA. Não deixem de comentar o que estão achando da história e de deixar a estrelinha caso tenha gostado do capítulo. Amanhã libero mais um. :*
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro